Não há como explicar a folgada reeleição de Lula pela ótica da moralidade, do programa de governo ou da ideologia. Erraram, pois, todos os que aconselharam Geraldo Alckmin a fazer uma coisa ou outra. Sugeriram-lhe bater duro nos escândalos, e ele bateu. Recomendaram-lhe acentuar as diferenças na visão de governo, e ele acentuou. Alertaram que era perigoso deixar o adversário posar de pai dos pobres e ele, além de prometer manter e ampliar o Bolsa Família, deixou-se filmar comendo a 1 real o almoço nos restaurantes do programa Bom Prato, criados pelo governo tucano em São Paulo, e abraçando gente humilde por onde passava.
Os conselheiros de Alckmin falharam porque ele enfrentava não um adversário comum, mas sim um símbolo, uma espécie de super-herói da mobilidade social brasileira, o operário gente como a gente que chegou lá em cima. Qualquer outro como Alckmin, cara de classe média, diploma universitário, mulher bonita, filha com emprego em loja chique e ainda com o defeito de ser conhecido praticamente só dentro do estado de São Paulo como político, perderia hoje para o ex-retirante nordestino, vendedor de amendoins quando moleque, ex-torneiro mecânico que deixou um dedo da mão esquerda na fábrica, corintiano, cachaceiro, iletrado, marido dedicado de uma ex-viúva cujos filhos abrigou, além de ter com ela outros, fiel aos ex-companheiros operários e ainda por cima um presidente que estendeu o Bolsa Família a cerca de 12 milhões de famílias. Sem essa identificação da persona de seu adversário com a multidão de humilhados e ofendidos que habita o país, Alckmin jamais poderia ser tão convincente quanto ele no recém-assumido papel de outro pai dos pobres. Mais: nascido no interior de São Paulo, tornou-se refém da onda antipaulista deflagrada no segundo turno para favorecer o nordestino Lula – uma falácia, porque o presidente mantém residência fixa em São Paulo há quase tanto tempo quanto Alckmin tem de vida.
Os números da eleição em segundo turno mostram também o peso dos votos ressentidos ou envergonhados, os primeiros, vindos das camadas humildes, e os segundos, da classe média politicamente correta. Eleger o candidato gente como a gente, e não o outro, é uma forma de os oprimidos pela miséria se vingarem das madames e seus maridos de nariz empinado que gastam num mês o que seus empregados às vezes levam uma vida para ganhar. Já para aquela parcela da classe média que no estádio de futebol vai para a arquibancada podendo pagar por uma cadeira numerada só para ser solidária com as massas, eleger esse mesmo candidato é uma maneira de aliviar a vergonha que sentem como participantes ativos de um sistema de acumulação de riquezas que a cada dia aprofunda o fosso entre um pequeno número de privilegiados e uma grande horda de deserdados. Ao jogar os pobres contra os ricos e o Norte-Nordeste contra São Paulo, portanto, o comando de campanha do presidente acertou em cheio, no sentido de exacerbar os ânimos sociais e regionalistas e assim capturar votos antes dados a Alckmin.
Por isso, Lula teve mais votos do que no primeiro turno e seu adversário, menos. O presidente reeleito ampliou sua vantagem nos estados em que vencera no dia 1.o e recuperou grande parte de terreno nos quais perdera. Por exemplo, em Minas Gerais, onde vencera por 1 milhão de votos no primeiro turno, agora ganhou por 3,2 milhões. E em São Paulo, onde perdera por 3,8 milhões de votos, agora reduziu essa diferença para 1 milhão.
A falta de escrúpulos costuma encontrar terreno fértil na política. Lula e seus aloprados, que na verdade são é muito espertos, se deram bem com o expediente condenável de jogar uma parte do país contra outra para alcançar seu objetivo. Mais pudica, a campanha de Alckmin foi penalizada, e até por acreditar demais no discurso a favor da ética. Para quem vota com ressentimento ou vergonha pela má consciência, denúncias de corrupção não passam de café pequeno.
domingo, 29 de outubro de 2006
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