sexta-feira, 6 de outubro de 2006

Desapego aos fatos

Dos vários assuntos nos quais o presidente-candidato Lula deveria ser mais bem assessorado para não dizer bobagens, um é a economia. A respeito dos programas heterodoxos de combate à inflação adotados desde a década de 80, num ciclo encerrado com o Plano Real, em 1994, Lula afirmou ontem o seguinte, de acordo com o jornal O Estado de S. Paulo: "Podemos pegar o Plano Collor, o Verão, o Bresser, o Real e podemos ir pegando outros planos para ver quanto tempo duraram". E arrematou: "O mais importante deles, que teve a maior política de distribuição de renda deste país, o Plano Cruzado, durou de 26 de fevereiro de 1986 até as eleições de novembro".
A referência à duração dos planos só pode ter ocorrido por um lapso de Lula. O Cruzado, de autoria da equipe do então ministro da Fazenda, Dilson Funaro, de fato existiu no período citado até acabar no estelionato eleitoral cometido pelo governo José Sarney, em novembro de 1986, quando mal fechadas as urnas o então presidente mandou editar o Cruzado 2, com uma alta generalizada de preços artificialmente represados. O plano durou, portanto, apenas nove meses. Já o Real, criado pela equipe do então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, no governo Itamar Franco, em junho de 1994, dura até hoje, portanto há mais de doze anos. Logo, foi uma referência totalmente sem sentido.
Lula parece ter apagado da memória também que seu partido, o PT, foi contra tanto o Cruzado quanto o Real, por ver neles prejuízos à classe trabalhadora pelo achatamento da renda. Agora muda o discurso e o conceito acerca dos programas de estabilização, mas não o desprezo pela matemática. Se o PT nunca conseguiu entender, por ter fugido da escola, que a simples redução da inflação já resulta no aumento da renda dos trabalhadores e da população em geral, e não no achatamento, Lula demonstra hoje ter aprendido apenas parcialmente essa lição. É verdade que o Cruzado promoveu uma distribuição de renda com o congelamento de preços, porque o ônus do processo inflacionário sempre recai mais sobre os pobres do que os ricos, mas o Real fez muito mais nesse sentido. Não só por sua maior durabilidade como também pelo fato de que, na época da adoção do Cruzado, a inflação era de cerca de 15% ao mês, enquanto na do Real chegava a quase 50%.
Lula, certamente, quis com sua fala agradar o aliado Sarney e jogar pedras no telhado do adversário Geraldo Alckmin, candidato da coligação PSDB-PFL. Deu-se mal porque exagerou na retórica e falseou nos números.

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