
Adoniran Barbosa, por Elifas Andreato em capa de disco
A abertura, hoje em São Paulo, de uma retrospectiva da carreira de Elifas Andreato, em homenagem aos seus 60 anos de vida, é uma oportunidade para o público revisitar a marcante obra gráfica desse artista diferenciado. Paranaense de Rolândia e operário na juventude, Elifas trabalhou na Editora Abril, onde subiu da gráfica para a redação para se tornar diretor de arte. Estava aberto o caminho para que ele, depois de envolver-se com o pessoal do meio artístico, produzisse uma grande quantidade de material como capas de discos e de livros, além das inúmeras feitas para revistas, e cartazes de teatro. Como militante da oposição ao regime militar, foi um dos fundadores e colaboradores de dois célebres veículos da imprensa alternativa da época, Opinião e Argumento.
A ilustração acima, feita por Elifas para capa de disco, capta com perfeição a personalidade de Adoniran Barbosa, cujas composições musicais representam o maior testemunho de que São Paulo não é, como querem os cariocas, o túmulo do samba. Filho de imigrantes italianos nascido em Valinhos, interior paulista, em 6 de agosto de 1910, e morto em 23 de novembro de 1982, na capital do estado, Adoniran entregou marmitas e vendeu tecidos na juventude, enquanto dava vazão à sua veia de compositor e cantor em programas de calouros em rádios. Já conhecido – vencera um concurso carnavalesco da Prefeitura paulistana com a marchinha Dona Boa, em 1934 -, e tendo adotado o pseudônimo Adoniran Barbosa (seu nome de batismo era João Rubinato), ele se lançou definitivamente para a fama quando a Rádio Record o contratou como ator cômico, locutor e discotecário, em 1941. Durante décadas seu personagem Charutinho, um favelado negro e dado à bebida, marcou época, e até hoje há programas esportivos de rádio com seus sucedâneos, todos com aquela voz grossa e pastosa a tecer considerações sobre o Corinthians, seu time do coração.
Na música, com seu talento para compor personagens, Adoniran criou uma espécie de alter-ego de Charutinho, só que branco e ligado à colônia italiana da região paulistana do Brás e adjacências (estendidas até o Jaçanã, na zona norte, em seu imortal Trem das Onze, de 1965), mas igualmente pobre e semi-analfabeto. Foi um gênio ao transpor para letras de música esse peculiar modo de falar dos ítalo-brasileiros de São Paulo, assim como o da gente pobre e iletrada que se amontoa nas favelas e em alguns bairros da periferia. De mais de uma maneira, portanto, personificou o clown desenhado por Elifas Andreato, com sua preocupação em fazer o público rir.
Mas também sabia fazer chorar. O autor de um dos mais belos versos da música popular brasileira, 'Deus dá o frio conforme o cubertô (cobertor)', em Saudosa Maloca, de 1955, compôs além de seus famosos sambas obras-primas da dor-de-cotovelo como Vila Esperança, Prova de Carinho e, sobretudo, Bom Dia, Tristeza, esta, musicada por ele sobre letra de Vinicius de Moraes, criador, aliás, da frase depreciativa sobre o pendor paulista para o samba. 'Bom dia, tristeza./Que tarde, tristeza,/Você veio hoje me ver'. Os versos do grande Vinicius ganharam uma melodia maravilhosa de Adoniran.
Perto do fim da vida, ele podia ser visto com freqüência, solitário e triste como o clown de Elifas, num bar da rua Major Quedinho, na região central de São Paulo. Com seu cachecol amarronzado no pescoço e um chapéu de feltro meio de banda na cabeça, pedia sempre uma sopa no balcão, tomava-a devagar e depois se ia. Soube-se depois de morto que era além de tudo um exímio artesão em madeira. Deixou esplêndidos trenzinhos coloridos, com locomotiva e vagões.
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