Quando a atual Constituição estava sendo elaborada pelos parlamentares eleitos para atuarem também como Assembléia Constituinte, muitos questionaram as minudências do texto em preparação. Acabou prevalecendo, porém, a posição dos defensores da extensão dos dispositivos constitucionais, os quais argumentavam que era necessário devolver às pessoas, no menor prazo possível, a cidadania perdida durante os anos da ditadura. E surgiu assim uma Carta com centenas de artigos e outro tanto de disposições transitórias, legislando dos princípios e garantias fundamentais às competências dos três poderes da República, do monopólio do Estado em relação às riquezas do subsolo às vinculações obrigatórias do orçamento da União, das normas para a aposentadoria do funcionalismo à duração da licença-maternidade das trabalhadoras. No afã de tudo prever, os autores da chamada 'Constituição cidadã' trocaram a concisão pela prolixidade, ignorando o exemplo bem-sucedido da Carta americana, de apenas 7 artigos. Os Estados Unidos transformaram-se na maior potência econômica do planeta aplicando o conceito do 'small is beautiful' à sua Constituição. O Brasil resolveu fazer exatamente o contrário.
Como o excesso chama mais excessos, desde a promulgação da Constituição em 1988, portanto, há recentes 18 anos, 52 emendas já foram nela introduzidas. E para aumentar ainda mais a colcha de retalhos existem no momento mais de 2 000 projetos de emendas em tramitação no Congresso, segundo o articulista Aloísio de Toledo César, de O Estado de S. Paulo, que além de jornalista é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. A Constituição americana, lembra César, sofreu até agora apenas 26 emendas, em 216 anos de vigência.
Não se trata apenas de uma questão de latinidade no sangue. A Carta brasileira tornou o país ingovernável, entre outros motivos pelo engessamento do orçamento da União, um fator de estímulo ao contínuo aumento da carga tributária; pela avalanche de ações judiciais que provoca a cada emenda aprovada no Congresso, por conta do direito adquirido; e pela barreira que antepõe à modernização das relações entre o capital e o trabalho, contribuindo para elevar o nível de desemprego.
O projeto de autoria do deputado Luiz Carlos Santos (PFL-SP) que prevê a instalação, no início da próxima legislatura, de uma Assembléia de Revisão Constitucional, poderia ser uma solução, se aprovado, para reverter essa situação de descalabro. O prazo para o Congresso decidir se aprova ou não o projeto encerra-se no fim do ano, portanto daqui a menos de 20 dias, se descontarmos o Natal e os fins de semana.
Mas a revisão também pode ter um resultado contrário ao desejado. De início, cabe a ressalva de que pesa sobre vários parlamentares da próxima legislatura uma carga de suspeição, por terem seus nomes associados aos casos de corrupção levantados nos últimos anos. Além disso, há o fato de os senadores e deputados eleitos ou reeleitos não se terem apresentado para o eleitorado na condição de constituintes. Quanto à proposta em si, sua eficácia depois de transformada em lei vai depender do encaminhamento a ser adotado no Congresso.
De nada adiantará revisar a Constituição se ela continuar do mesmo tamanho, com muitos detalhes que deveriam fazer parte da legislação ordinária, e se nenhuma das cláusulas pétreas puder ser modificada. Há também o risco de a Carta tornar-se ainda mais confusa, com a liberdade dada aos parlamentares de fazerem as mudanças que quiserem, ou com o sistema de votação em separado de destaques.
Para que nossa Lei Maior não assuma definitivamente uma feição de samba de doido, seria necessário limitar o número de revisões por bancada, e fazer a conciliação das propostas com a ajuda de juristas de grande reputação nas diferentes comissões temáticas. Talvez fosse até mesmo o caso de nomear uma comissão de notáveis, constituída de especialistas nos assuntos tratados, para a elaboração de um texto básico que servisse de ponto de partida para os trabalhos no Congresso.
Não se trata, portanto, de fazer uma revisão apenas para correções pontuais no texto da Constituição. É preciso enxugá-lo ao máximo, retirando dele tudo o que não lhe diz respeito propriamente, como o de legislar sobre matéria fiscal ou sindical, para dar ao país uma Carta mais adequada à busca do desejado desenvolvimento econômico e social com normalidade democrática. Em poucas e boas palavras, precisamos de outra Constituição, e não de remendos na que temos.
sábado, 9 de dezembro de 2006
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