Mas no dia seguinte, bem cedinho, Scrooge estava em seu escritório. Ah, bem mais cedo que de costume! O importante era ser o primeiro a chegar para surpreender Roberto Cratchit chegando atrasado. Fazia questão disso.
E o conseguiu. Sim senhor! O relógio bateu nove horas. Nada do empregado. Um quarto de hora. Nada ainda. Finalmente apareceu ele, com dezoito minutos e meio de atraso. Scrooge sentara-se com a porta aberta para vê-lo entrar no cubículo.
Roberto abriu a porta e, antes de entrar, colocou o chapéu na mão e o cachecol no braço. Num segundo estava sentado à sua escrivaninha e pôs-se a escrever com ardor, como para compensar o tempo perdido.
- Alô!, rosnou Scrooge com sua voz habitual, que procurava tornar a mais áspera possível. Que é que pretende, chegando aqui a esta hora?
- Desculpe, senhor, disse Roberto. Estou mesmo atrasado.
- Está, pois não?, repetiu Scrooge sarcasticamente. É, acho que está, sim. Chegue até aqui, por favor.
- É somente uma vez por ano, senhor, ponderou Bob, saindo do seu cubículo. Prometo que não se repetirá. Eu me diverti um pouco ontem à noite.
- Pois vou lhe dizer uma coisa, meu caro, disse Scrooge. Não vou mais tolerar isso. Portanto, continuou, dando um salto da cadeira e espetando com tal firmeza o indicador no estômago de Roberto que o coitado recuou cambaleante, de volta ao seu cubículo, portanto, vou aumentar seu ordenado!
Ainda trêmulo, o rapaz pousou a mão sobre uma régua de metal que estava sobre a mesa. Por um momento tinha-lhe passado pela mente a idéia maluca de abater Scrooge com um golpe do instrumento, saltar sobre o antagonista caído e pedir socorro aos transeuntes.
Mas Scrooge prosseguiu, sorridente:
- Feliz Natal, Roberto!, disse, dando-lhe uma palmada amigável nas costas. Que seja um Natal mais feliz do que o que tem tido há muitos anos, meu amigo! Vou aumentar o seu ordenado e procurar ajudar a sua esforçada família. Esta noite vamos discutir os seus negócios sobre uma boa tigela de grog, meu caro Roberto. Não escreva nem mais uma linha antes de avivar o fogo e comprar outra lata de carvão.
Scrooge cumpriu a palavra e foi muito além. Para o pequeno Tim, que afinal conseguiu sobreviver, foi um segundo pai. Tornou-se o melhor amigo, o melhor patrão, o melhor homem que jamais se encontrou naquela cidade, ou em qualquer outra cidade deste mundo.
Muita gente zombava da mudança que se operara nele, mas ele deixava-os rir e pouco se importava. Tinha bastante discernimento para saber que a bondade e o desinteresse raramente são bem compreendidos pela maioria das pessoas. E, sabendo que era inútil tentar convencê-los, tanto fazia que rissem ou lhe fizessem caretas. Seu coração estava sempre alegre e isso lhe bastava.
Nunca mais teve contato com espíritos de qualquer espécie. Contentava-se em procurar se entender o melhor possível com seus semelhantes. E foi tão bem-sucedido que chegaram a afirmar que não havia ninguém que festejasse com mais entusiasmo o Natal do que Scrooge.
Que todos possam dizer o mesmo de nós com igual justiça. E, para encerrar, vamos repetir com o pequeno Tim:
- Que Deus nos abençoe a todos e a cada um de nós. Amém!
ooooooooooooooooooooooo
O trecho literário acima é o desfecho do romance Conto de Natal (A Christmas Carol), de Charles Dickens, traduzido para o português por Elsie Lessa, para uma edição de 1970 da editora Tecnoprint. Este blog se permitiu fazer uma pequena revisão, mais com o sentido de atualizar o estilo.
Nesse epílogo, Dickens descreve a transformação operada no avarento Scrooge depois de receber a visita de três espíritos do bem na véspera do Natal. Roberto Cratchit, seu empregado, sofria antes com o frio no local de trabalho porque o patrão não lhe permitia usar mais carvão no fogareiro. E o pequeno Tim era o filho aleijado de Roberto, de saúde gravemente abalada.
Que cada um de nós não precise da visita de espíritos e nem mesmo da chegada do Natal para agir como o velho Scrooge resgatado de sua avareza. Que possamos a cada dia estar menos preocupados com o próprio bem-estar e mais interessados pelos outros, e assim ter, como diz Dickens, o coração sempre alegre. Que este Natal, assim como todos os outros, sirva para renovar em nós essa crença. Feliz Natal!
domingo, 24 de dezembro de 2006
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