sexta-feira, 29 de dezembro de 2006

Nas asas da Panair


O Constellation sendo preparado para voar (foto Revista FLAP Internacional)

Um escritor francês casado deixa Paris e vai a Lisboa fazer uma palestra sobre Balzac. Na capital portuguesa tem um caso com a aeromoça, também francesa, que conhece no avião. O caso prossegue na França e acarreta trágicas conseqüências. Esse filme, Um Só Pecado (La Peau Douce), de 1964, dirigido por François Truffaut e interpretado por Jean Desailly (o escritor) e Françoise Dorléac (a aeromoça), foi exibido ontem na TV paga e vale ser lembrado não apenas por suas qualidades e pelo fato de ter no elenco principal a bela irmã de Catherine Deneuve, morta aos 25 anos num acidente de carro em 1967, como também por dois detalhes caros aos brasileiros. Um é que o camareiro do hotel em Lisboa fala em português mesmo ao mostrar as instalações do quarto para o francês, que entende por estar vendo e não só ouvindo, e agradece em sua língua. E o outro, o principal, é o nome da companhia aérea dos vôos de ida e de volta do escritor: Panair do Brasil.
Nestes tempos de sofrimento nos aeroportos com o apagão aéreo no país, causado primeiro por um capricho dos operadores de vôo e depois pelo overbooking praticado pela TAM, os mais antigos devem estar com saudades da Panair. "Descobri que as coisas mudam/e que tudo é pequeno, nas asas da Panair", cantava a insuperável Elis Regina, em Conversando no Bar, de Milton Nascimento e Fernando Brant. "Descobri que minha arma é/o que a memória guarda dos tempos da Panair/(...)A primeira Coca-Cola foi/me lembro bem agora, nas asas da Panair/A maior das maravilhas foi/voando sobre o mundo, nas asas da Panair"
Um símbolo do orgulho nacional em sua época, a Panair fez seu vôo inaugural em 24 de janeiro de 1930, ligando o Rio de Janeiro a Fortaleza. Tinha a bordo apenas convidados, além dos tripulantes. O primeiro vôo com venda de bilhetes se deu no ano seguinte. Nascida como filial da então poderosa Pan American Airlines, que havia incorporado a Nyrba – New York Rio Buenos Aires Lines Inc -, constituída um pouco antes pelo coronel Ralph O'Neil no Brasil, a Panair era no seu início uma companhia de capital 100% americano. A partir de 1942, porém, passou a admitir sócios brasileiros, e no início da década de 1960 já se tornara inteiramente nacional. Começou a operar rotas internacionais em abril de 1941 com os famosos Constellations, de quatro motores a hélice, e levou a bandeira brasileira pintada na fuselagem, na cauda e ao lado da cabina do comandante, a muitos lugares do mundo. Dá para ver bem a bandeira numa cena do filme de Truffaut.
A Panair foi um caso de amor dos brasileiros, em especial dos seus 5 000 funcionários, para com a companhia. Quando a empresa se viu em dificuldades financeiras, no início dos 60, com a inflação, os empregados se cotizaram para ajudá-la, doando 25% dos salários. A Panair anunciava com orgulho ter transportado a seleção brasileira de futebol vitoriosa nas Copas do Mundo de 1958, na Suécia, e de 1962, no Chile.
Mas em 10 de fevereiro de 1965, com uma canetada do brigadeiro Eduardo Gomes, então ministro da Aeronáutica da ditadura militar instalada no ano anterior, a Panair teve cassado o seu registro. Suas rotas internacionais passaram a ser operadas no mesmo dia, sem nenhuma explicação, pela Varig, e as nacionais, pela Cruzeiro do Sul. Por que razão o brigadeiro tomou essa decisão contra a empresa, se ela já era de capital 100% nacional, tanto quanto a Varig ou a Cruzeiro? Não há documento oficial a respeito, somente suspeitas. A maior é que a intervenção se deu porque o presidente e maior acionista da Panair, Celso da Rocha Miranda, era amigo íntimo do ex-presidente Juscelino Kubitscheck, cassado e perseguido pelo regime militar. Quase vinte anos depois, em 1984, o Supremo Tribunal deu ganho de causa aos herdeiros da companhia, ao considerar a falência fraudulenta e condenar a União a ressarcir a Panair. Mas já era muito tarde.
A Varig, que incorporou a Cruzeiro do Sul, a Transbrasil e a Vasp, só para citar as principais companhias da era pós-Panair, ou morreram ou estão moribundas. E se a TAM recorre ao overbooking, não é por maldade. Conclusão: o governo que faz e desfaz no setor aéreo, em nome da reserva de mercado às companhias nacionais, só não consegue o principal, garantir a sobrevivência das empresas. É pena, porque a bandeira na fuselagem não serve apenas para afagar nosso ego. Qualquer um que se tenha reconfortado a bordo de uma aeronave brasileira, depois de algumas semanas em solo estrangeiro, sabe do que estamos falando.

Um comentário:

Anônimo disse...

Por que nao:)