quarta-feira, 20 de dezembro de 2006

Lição de jornalismo

Aos 70 anos de idade, 51 de carreira e 43 de casamento com uma só mulher, dono de sete prêmios Esso, o Oscar do jornalismo brasileiro, José Hamilton Ribeiro, o caipira de Santa Rosa do Viterbo, interior paulista, único repórter brasileiro mutilado de guerra que se conhece, é quase uma lenda viva para os jovens profissionais de imprensa no país. Mesmo para os mais experientes na profissão, ele é uma referência de dignidade e competência, alguém a quem se tiraria o chapéu num encontro casual, se chapéus usássemos ainda, em sinal de reverência.
Zé Hamilton, o grande repórter da inesquecível revista Realidade, pela qual perdeu uma perna na cobertura da guerra do Vietnam, hoje trabalhando no programa Globo Rural, da TV Globo, onde já está há 25 anos, conta alguns 'causos' de sua vida profissional e pessoal em longa entrevista concedida aos jornalistas Eduardo Ribeiro, Wilson Baroncelli e André Carbone, da publicação Jornalistas & Cia., para a oitava edição da série Protagonistas da Imprensa Brasileira.
A riqueza de detalhes reveladores da personalidade de Zé Hamilton e a transcrição de narrativas e opiniões dele a respeito de fatos e personagens da profissão tornam a entrevista um documento precioso para os arquivos da história do jornalismo brasileiro. Bem-humorado, ele mesmo diz que, de tão antigo, más línguas lhe atribuem a cobertura da primeira missa rezada no Brasil. Esse trabalho, afirma, não fez. Mas confessa que foi o autor da reportagem da primeira missa em Brasília, nos anos 50, publicada no jornal Folha de S. Paulo.
Embora Jornalistas & Cia. se destine apenas a assinantes, as entrevistas da série Protagonistas podem ser lidas no site da publicação (clique aqui). A de Zé Hamilton deverá ser postada talvez amanhã ou depois, de modo que vale antecipar, como curiosidade, a fórmula dada pelo entrevistado para definir o que vem a ser uma grande reportagem. Segundo ele, GR (grande reportagem) é igual a BC + BF sobre T x T1 elevados a uma certa potência, sendo BC a sigla de 'bom começo', BF, de 'bom final', T, de 'trabalho', e T1, de 'talento'.
"A grande reportagem é igual a um bom começo mais um bom final. Precisa ter um bom começo para prender a atenção do leitor. E um bom final para o cara se sentir recompensado, dizer 'puxa vida, que pena que acabou'. Mas o que é que põe no meio?", pergunta Zé Hamilton. E responde: "Aí é que está! T, que é trabalho, vezes T1, que é talento, elevados à potência 'n', de necessária." E o que seria uma potência necessária? A esse respeito ele conta a anedota segundo a qual a rainha Elizabeth, indagada por um repórter sobre qual era a potência de seu Rolls-Royce, respondeu-lhe simplesmente: "A necessária".
Como uma anedota leva a outra, pode-se lembrar também, a propósito da fórmula enunciada pelo grande jornalista, o que recomendou o escritor francês Guy de Maupassant (1850-1893), autor da obra-prima do conto universal Bola de Sebo, a um jovem aspirante às belas-letras. "Para escrever um bom conto você precisa de um bom começo e de um bom final", disse ele. "E no meio, mestre, o que entra?", quis saber o pressuroso jovem. "Ah", respondeu Maupassant, "no meio entra o artista".
José Hamilton Ribeiro tem conteúdo e talento de sobra para preencher esse miolo de texto.

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