

Maggie Cheung e Ingrid Bergman
Algumas atrizes de cinema marcam a aparição em cena com um magnetismo derivado mais da expressão da personalidade interior do que da beleza ou mesmo do talento. O melhor exemplo se encontra na falecida Ingrid Bergman. A sueca Ingrid (1915-1982, curiosamente nascida e morta num mesmo dia 29 de agosto), mãe da também atriz Isabella Rossellini, além de bela e extremamente talentosa exercia um magnetismo incomum sobre a platéia porque, através do olhar, conferia uma dimensão interior de enorme grandeza às personagens interpretadas na tela. São muitas as cenas em que Ingrid exibiu à saciedade essa característica, todas inesquecíveis para o cinéfilo. Algumas delas: 1) o close em Por Quem os Sinos Dobram (For Whom de Bell Tolls, 1943), de Sam Wood, quando sua María é vista pela primeira vez pelo aventureiro Roberto (Gary Cooper); 2) o momento em que Ilsa pede a Sam (Dooley Wilson), o pianista, que toque de novo As Time Goes By no bar de Rick (Humphrey Bogart) em Casablanca (idem, 1942), de Michael Curtiz, para submergir no passado; e 3) a expressão de angústia quando Paula descobre que Gregory (Charles Boyer), o marido, lhe furtava jóias em À Meia-Luz (Gaslight, 1944), de George Cukor. É notável que Ingrid tenha feito esses três filmes essenciais de sua carreira e se consagrado como grande atriz antes dos 30 anos.
A expressividade do olhar, buscada insistentemente como recurso de mise-en-scène por alguns diretores, como o americano Nicholas Ray – não foi por acaso que ele escolheu Joan Crawford para estrelar Johnny Guitar (idem, 1954), James Dean para Juventude Transviada (Rebel Without a Cause, 1955) e Anthony Quinn para Sangue sobre a Neve (The Savage Innocents, 1960) -, é uma qualidade revelada mais por mulheres no cinema, mas há exceções masculinas. Além dos citados Quinn e Dean, pode-se lembrar de Tony Curtis em Taras Bulba (idem, 1962), de J. Lee Thompson, sobretudo na cena em que ele vê na carruagem na neve Christine Kaufmann, por quem, aliás, abandonou a então mulher Janet Leigh na vida real, e Marcello Mastroianni em Ciúme à Italiana (Dramma della Gelosia, 1970), de Ettore Scola. Seu pedreiro Oreste, enlouquecido de ciúme pela mulher, Adelaide (Monica Vitti), que o trocou pelo pizzaiolo e amigo Nello (Giancarlo Giannini), foi composto de forma magistral, quase só com base no olhar perdido. Nenhum deles, contudo, alcançou numa só cena a intensidade de Merle Oberon, a Cathy de O Morro dos Ventos Uivantes (Wuthering Heights, 1939), de William Wyler, ao surpreender-se pelo reencontro com Heathcliff (Laurence Olivier) no salão de baile. Provavelmente nunca houve, na história do cinema, uma demonstração tão rica de matizes da emoção sem palavra, mesmo durante a época do cinema mudo, em que a maquiagem realçava os olhos de atores e atrizes para melhorar a expressividade.
Em tempos mais recentes surgiram outras atrizes de grande talento, mas pouquíssimas conseguem dizer qualquer coisa só com o olhar, como Ingrid Bergman. Embora cheguem perto, as americanas Meryl Streep, Glenn Close e Jodie Foster, três das melhores, dependem mais da fala e do gestual. Já Debra Winger, que com sua beleza e os imensos olhos fez lembrar a atriz sueca no começo da carreira, ficou só na promessa. A todas falta ainda o charme de Ingrid, mas aí já é covardia, porque mulheres sedutoras como ela se contam nos dedos, no cinema e na vida real.
Entre as raras exceções dos dias de hoje, nesse aspecto, pode ser incluída a atriz chinesa Maggie Cheung. Não é por acaso que ela já recebeu prêmios de interpretação em alguns dos mais importantes festivais de cinema no mundo, como Cannes e Berlim. Sua versatilidade pode ser comprovada no suntuoso Herói (Hero, 2002), de Zhang Yimou, no qual faz o papel de uma espadachim, e no delicado Amor à Flor da Pele (In the Mood for Love, 2000), de Wong Kar Wai, em que vive uma mulher casada infeliz com o adultério cometido pelo marido e em dúvida se aceita um novo relacionamento amoroso. A cena em que pergunta ao amigo, que se finge de marido, se ele tem ou não uma amante, é reveladora de seu imenso talento. A mesma pergunta é feita por ela duas vezes. Na primeira, em tom agressivo, quase ameaçador. Na segunda, com jeito sofrido, desamparado. E em ambas, além da inflexão na voz, Maggie usa como recurso de expressão o olhar.
A cena vale por uma aula de cinema e só poderia ser realizada como o foi por uma atriz excepcional. Talvez por isso não haja exagero em chamar a sedutora Maggie de a Ingrid Bergman chinesa.
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