Nada como a continuidade para aumentar a abrangência das discussões. O debate de ontem à noite entre os dois candidatos presidenciais, na rede SBT, versou mais sobre programas de governo e menos sobre corrupção, graças sobretudo ao oposicionista Geraldo Alckmin, que enunciou com segurança e firmeza uma série de ações que pretende desenvolver, se eleito, nas áreas econômica e social, enquanto seu adversário político se limitava a ler uma enxurrada de números sem maiores explicações. O ex-governador paulista abandonou também a posição defensiva na questão das privatizações, ao afirmar que elas ajudaram a melhorar a situação das empresas vendidas pelo governo e de setores como a telefonia. E adicionou uma pitada de veneno dizendo que não fará como os petistas, que privatizaram a máquina pública para si próprios.
A ex-prefeita paulistana Marta Suplicy terá de encontrar agora um outro argumento para criticar Alckmin, a quem chamou, logo após o encerramento do debate televisivo anterior, na rede Band, de 'candidato de plástico' moldado por assessores do PSDB, já que, a seu ver, ele nada mais fizera além de citar de forma monocórdica denúncias de corrupção. Tratava-se de uma aleivosia, porque também naquele encontro Alckmin foi mais explícito e convincente do que seu oponente em questões programáticas e ontem quem se repetiu a todo momento, como se tivesse uma cartilha decorada, foi Lula. Este, aliás, precisou a certa altura recolher o rabo entre as pernas no debate de ontem, depois de usar a expressão 'samba de uma nota só', derivada do tom supostamente monocórdico do candidato tucano, para diminuir a resposta dada por ele no quesito corrupção, formulado pela produção do programa de TV. "Não é apenas uma nota, mas um milhão e setecentos e cinqüenta mil", devolveu Alckmin, numa referência à montanha de cédulas de dinheiro apreendidas com os petistas presos no caso do dossiê Vedoin.
Outras ironias usadas por Lula contra o oponente também soaram suspeitas. Sua citação do PCC como principal beneficiário da alegada falta de segurança no estado de São Paulo, durante a gestão Alckmin, por exemplo, ficou incompleta sem a lembrança de que a organização criminosa, além de jogar coquetéis Molotov nos ônibus e metralhar portas bancárias, faz proselitismo político em favor do PT. E na questão dos juros de quase 50% no governo Fernando Henrique Cardoso, contra os atuais 13,75% da taxa Selic (aqui Lula escorregou mais uma vez ao tentar dar um número de cabeça: falou em 6,85%), faltou dizer que seu antecessor tentava evitar que as reservas cambiais brasileiras virassem pó, no auge de uma crise financeira de dimensão mundial.
Lula não se deu bem ainda quando tentou valorizar a pretensa distribuição de renda promovida por seu governo com a lembrança de que o Brasil já chegou a crescer 10% ao ano, mas deixando os pobres mais pobres. Esse cenário corresponde ao período de 1968 a 1973, o mais tenebroso da repressão às liberdades políticas comandada pela ditadura militar e, paradoxalmente, o de maior crescimento continuado do PIB, em décadas. O então chamado czar da economia, Delfim Netto, teve a sorte de comandar a pasta da Fazenda numa conjuntura internacional extremamente favorável, com oferta de dinheiro abundante e o barril do petróleo custando apenas 2,50 dólares, e ainda por cima contando com a casa arrumada pelos antecessores, os ministros do Planejamento e da Fazenda do governo Castelo Branco, respectivamente Roberto Campos e Octávio Gouvêa de Bulhões. Mas se Delfim, mesmo fazendo a economia crescer perto de 10% ao ano, pouco se lixou para o destino dos miseráveis do país, ele agora é cabo eleitoral de Lula, acolhido com todas as honras tanto pelo presidente-candidato quanto pelo PT. Se isso não representa uma contradição entre discurso e prática, então não se sabe o que mais o mesmo elástico pode prender.
sexta-feira, 20 de outubro de 2006
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