terça-feira, 10 de outubro de 2006

Ignorância e má-fé

O PT e seus candidatos, bem como suas lideranças, têm tratado as privatizações como um crime de lesa-pátria. Ainda hoje de manhã, o presidente-candidato Lula declarou à Rádio Bandeirantes, em referência a seu opositor Geraldo Alckmin, que "a única coisa que ele sabe fazer é vender coisas" e que "o PSDB não devia ser candidato a nada, devia ser candidato a (dirigir) uma empresa de vender empresas estatais". Da mesma forma, o candidato petista ao governo do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra, tenta colar a imagem de 'privatista' à sua adversária do PSDB, Yeda Crusius. Para tanto, no debate televisivo realizado ontem à noite na Rede Band, em Porto Alegre, questionou a escolha do vice de Yeda, o empresário Paulo Afonso Feijó, do PFL, ex-presidente da Federação das Associações Empresariais do estado. Ao mesmo tempo, determinou a assessores que mostrassem no seu programa eleitoral reportagens antigas nas quais Feijó defendeu privatizações. Por sua vez, o líder do PT na Câmara dos Deputados, Henrique Fontana, também gaúcho, afirmou ontem que "quem vendeu a Vale (Companhia Vale do Rio Doce) pode muito bem vender a Petrobrás", procurando com isso ligar o governo de Fernando Henrique Cardoso à candidatura de Alckmin.
Somente a indigência mental e cultural dos candidatos, do líder na Câmara e da maioria dos dirigentes do partido, somada à má-fé, pode explicar esse discurso petista. Ninguém que conheça um pouco de história econômica ignora a importância das privatizações para a modernização de um país, seja nos Estados Unidos, seja na Europa (com Margaret Thatcher na Inglaterra e com o socialista François Mitterrand na França), e mesmo na América Latina, com um Chile transformado em modelo de social-democracia bem-sucedida depois de vender todas as estatais que podia. E querer que até um empresário privado fale mal das privatizações não é apenas boçal, é ilógico. Diante de uma asneira desse tamanho, não dá nem para recorrer à justificativa do viés ideológico do partido.
Dizem os petistas que defendem o patrimônio público ao combater a privatização. Mas que patrimônio, caras-pálidas? Que riquezas traziam à população a Rede Ferroviária Federal com seus prejuízos de mais de um bilhão de reais todos os anos, cobertos com recursos do orçamento federal, ou um sistema Telebrás no qual se formavam filas para adquirir um telefone, ao custo de um terço de carro popular? Não é muito melhor agora, depois das privatizações, com os contribuintes deixando de dar dinheiro do bolso para cobrir os prejuízos das estatais e tendo telefones fixos e celulares à vontade, obtidos até de graça?
Há mais: depois de ser vendida ao setor privado, a Vale do Rio Doce se tornou muito mais eficiente, produtiva e lucrativa. Ela é hoje a empresa privada que mais investe no Brasil. Ocupa um lugar de primeira relevância no mundo entre as companhias mineradoras. E seus acionistas, muitos dos quais são trabalhadores que compraram as ações com dinheiro sacado do Fundo de Garantia, erguem as mãos para o céu com a contínua valorização na bolsa de valores ou com o lucro obtido na venda de seus papéis.
Também a Petrobrás, parcialmente privatizada, cresceu ao entrar nas bolsas, aqui e nos Estados Unidos, pois passou a ter mais dinheiro para pesquisar e explorar petróleo. Mesmo o Banco do Brasil, como instituição financeira, é muito mais eficiente e ágil do que a Caixa Econômica Federal por ter capital aberto, enquanto a Caixa segue como um mastodonte inteiramente estatal. O segredo da melhora dessas empresas está nas regras de governança do mercado de capitais, que inibem maracutaias ao acabar com a impunidade, e na cobrança de resultados feita pelos acionistas. Cabe, pois, a pergunta: qual patrimônio você escolheria, aquele que o obriga todo ano a pagar mais impostos para cobrir prejuízos de estatais, ou aquele que lhe propicia dividendos e bonificações, além de um bom lucro com a venda de seus papéis na bolsa? Os petistas, por incrível que pareça, ficam com a primeira alternativa.
É óbvio que se uma estatal com prejuízo onera os contribuintes de impostos, ocorre o contrário com uma estatal lucrativa. Mas, no conjunto delas, tanto no Brasil quanto em outros países a experiência demonstrou que a maioria tende ao prejuízo, pela ineficiência da gestão comandada pelo compadrio político, e não pela capacitação técnica.
Sabedor de tudo isso, porque tem quadros preparados, o PSDB tem de sair da defensiva nesse assunto. Por que não assumir que é, de fato, um partido privatista? E por que não encarar de frente, também, a questão do déficit da Previdência, cuja resolução é essencial para equilibrar as contas públicas? Demagogia se combate com verdades, e não se admite covardia em matéria tão relevante para o país. O Brasil merece mais do que políticos preocupados apenas em não perder votos.

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