terça-feira, 3 de outubro de 2006

O fulcro do debate

Alguns analistas políticos, entre eles Fernando Abrucio, doutor em Ciência Política pela USP e professor da FGV e da PUC em São Paulo, afirmam que a população deve exigir uma discussão mais programática e menos ligada aos escândalos de corrupção, durante a campanha deste mês para o segundo turno da eleição presidencial. "Será um desserviço ao país se o debate continuar restrito às questões éticas", disse o professor no último domingo, em entrevista à TV Cultura de São Paulo.
Este blog se permite discordar frontalmente. Nenhuma eleição para presidente pode prescindir da avaliação da ética dos candidatos, mesmo quando o pleito ocorre num país não muito bem colocado no ranking mundial da moralidade em política e negócios, como o Brasil. O combate à corrupção e a outros desvios de conduta no setor público precede tudo o mais, até pela necessidade de uma nação ser guiada pelo bom exemplo vindo de seus governantes. Trata-se de um fundamento essencial à formação da nacionalidade.
Quando envolvimentos extra-conjugais são elevados à condição de escândalo nos países originados de maioria anglo-saxã, a ponto de derrubar um primeiro-ministro inglês e ameaçar de impeachment um presidente americano, ou ainda de obrigar um candidato presidencial bem cotado a desistir da campanha, o eleitorado não age nem com excesso de puritanismo nem com hipocrisia. É que, nesses países, existe o conceito arraigado de que o homem público, sobretudo o ocupante de cargo máximo ou aspirante a ele, tem de ser alguém acima de qualquer suspeita, não só com a ficha limpa como mandatário e político mas também com uma imagem imaculada como cidadão, chefe de família ou simples membro da comunidade. Apesar da soma de pecados e pecadilhos da média dos eleitores, estes não hesitam em jogar a primeira pedra sobre seus representantes do governo e do Parlamento, caso fujam desse figurino de super-homem. É como se dissessem: "Façam o que digo, não o que faço". E os homens públicos aceitam esse jogo como um preço a pagar por suas aspirações.
Por aqui, no Brasil, tendemos a perdoar com facilidade as tentações da carne, concentrando a atenção no comportamento dos políticos em suas funções eletivas. Ou seja, somos bem menos exigentes do que americanos ou ingleses nessa matéria. Portanto, querer que abramos mão também do crivo ético é demais.
No que se refere aos dois disputantes do segundo turno da eleição presidencial, além disso, a discussão centrada em programas de governo poderia soar ociosa, senão artificial. Pouco adiantaria a Lula, com todo o descrédito que pesa contra si depois de sucessivos escândalos de corrupção e um currículo de promessas não cumpridas no primeiro mandato, dizer que tudo será diferente se for reeleito. Ninguém que não tenha votado nele no último domingo se deixaria comover com esse discurso. Já seu adversário Geraldo Alckmin, bem ao contrário, beneficia-se de imagem limpa como homem público, reconhecida até nas hostes inimigas, e do fato de ter feito um esplêndido governo no estado de São Paulo. Herdeiro de finanças saneadas pelo antecessor, Mário Covas, realizou uma miríade de pequenas e grandes obras mantendo ao mesmo tempo a austeridade fiscal, inclusive com redução de impostos, numa proeza comprovadora de que o segredo da boa gestão pública reside no binômio moralidade e eficiência, justamente o que ele promete levar para o governo federal. O reconhecimento dos paulistas se expressou por um índice de aprovação superior a 60% ao final de seu mandato. Foi também graças em grande parte à sua atuação como governador que ele derrotou Lula no estado, no primeiro turno da eleição presidencial, por 54% a 37%, com quase 4 milhões de votos de diferença.
No próximo dia 29, portanto, estarão frente à frente para os eleitores dois candidatos de currículos mais do que conhecidos como gestores públicos. Um tem extensa folha de realizações para exibir. O outro tem também folha longa, mas de discursos demagógicos e autólatras proferidos durante intermináveis quatro anos. Se for para escolher pensando no que cada um deles fará no governo, não só para trazer de volta o crescimento mas também para promover as reformas de que o país tanto necessita, a decisão é fácil. E se for para escolher com base na questão ética, mais fácil ainda.

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