sábado, 7 de outubro de 2006

Assunto urgente

A cláusula de barreira, um dispositivo da Lei dos Partidos Políticos destinado a reduzir a mixórdia atual do panorama partidário no país, está sendo aplicada pela primeira vez neste ano com muitas dúvidas remanescentes. A confusão é tanta que até o Tribunal Superior Eleitoral dá três interpretações para o número de agremiações que teriam cumprido a exigência da lei nas eleições do último domingo. Numa delas, surgem 10 partidos habilitados. Noutra, 7. E, na terceira, 6. Nesta última, figuram PMDB, PT, PSDB, PFL, PP e PSB. Na penúltima, aos seis se agrega o PDT.
As dúvidas não se referem apenas à interpretação da cláusula em si (uma delas é: valem todos os votos ou apenas os de candidatos a deputado federal?), segundo a qual uma legenda deve conquistar pelo menos 5% dos votos válidos em todo o país e 2% em nove estados para ter direito a participar do sistema de lideranças na Câmara e no Senado, nomear representantes para as comissões permanentes e temporárias e manter seu tempo na propaganda gratuita de rádio e TV e seu quinhão no Fundo Partidário. Os parlamentares eleitos pelas agremiações não cumpridoras da cláusula, condenados a uma atuação isolada no Congresso, já foram apelidados de 'zumbis', ou seja, mortos-vivos.
Para escapar desse destino, é compreensível que eles e sua direção partidária se entreguem agora com sofreguidão à tentativa de fundir ou incorporar, na forma ativa ou passiva, suas agremiações com outras. Mas também aqui o TSE se mostra dividido. O presidente do tribunal, ministro Marco Aurélio Mello, no início contrário à idéia das fusões e incorporações, recuou ao ouvir outros membros da corte. Como se trata de um ponto da legislação capaz de provocar diversos recursos contestatórios por parte das legendas, o assunto provavelmente precisará ser levado, e rápido, ao plenário do TSE.
O ministro Mello está coberto de razão quando põe em dúvida, em nome da moralização dos costumes políticos, a aceitabilidade de uma concentração partidária feita ao arrepio das coligações costuradas para as eleições. Mas tudo indica que o TSE se curvará a razões práticas, pois a aplicação a ferro e fogo da letra da lei poderia vir a prejudicar a atuação parlamentar de cerca de um quarto do Congresso eleito.
A profusão de legendas nanicas, até agora, serviu muito mais para atrasar o avanço da democracia no Brasil do que para contribuir com ele. Vários desses partidos, vistos como monotemáticos em matéria de programa por não poderem dizer mais com seus escassos tempos na TV, não têm tido outra serventia além de se alugar a políticos conhecidos, como aconteceu ainda agora com a eleição para o Senado do ex-presidente Fernando Collor, a bordo do PRTB do homem do aerotrem, Levy Fidelix. Contudo, se a cláusula de barreira estivesse em vigor desde as eleições de 2002, como antes se previa, talvez não pudéssemos ter assistido a atuações como as de Fernando Gabeira, Chico Alencar, Heloísa Helena e mesmo do presidente do Conselho de Ética da Câmara, Ricardo Izar, todos eles beneficiados em sua combatividade, na atual legislatura, pela condição de liderança ocupada em pequenos ou médios partidos.
A longo prazo, mantida a cláusula, o Brasil pode aproximar-se do modelo prevalecente nas democracias avançadas, que funcionam muito bem com apenas duas ou três grandes legendas. Um número restrito de partidos convém aos eleitores, porque facilita a identificação ideológica dos políticos. Estes, por sua vez, vêem-se forçados à fidelidade de filiação, em vez de ficar pulando de sigla em sigla como acontece hoje no país.
Um modelo ideal para o Brasil poderia ser o de três partidos, um de centro e dois outros para as extremidades do arco ideológico. Algo assim como o PFL ocupando o lado direito, na companhia do PP, do PL e de metade do PMDB; o PSDB no centro, junto com a outra metade do PMDB, mais o PPS, o PTB e partes do PSB, do PDT e até do PT; e no lado esquerdo o PT, que teria de volta o pessoal do PSOL e do PV e juntaria o restante dos partidos ditos trabalhistas. Com certeza, esse sistema restrito confundiria menos a cabeça dos eleitores do que hoje, mesmo que ao longo do tempo os programas partidários tendessem a convergir para o centro, forçados pela realidade capitalista da economia.

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