
Frente e verso da medalha do Nobel de literatura
Todo ano, a cada anúncio do ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, muitos de nós, brasileiros, sentimos uma certa dor-de-cotovelo pelo esquecimento dos autores nacionais. Não foi diferente desta vez, com a escolha do romancista turco Orhan Pamuk, de 54 anos, traduzido em 34 línguas e considerado um dissidente em seu país por denunciar massacres e perseguições de armênios e curdos na Turquia.
O prêmios de literatura e o de paz, embora remotamente, são os únicos aos quais poderíamos aspirar, porque em física, química, medicina (ou fisiologia) e economia, as outras categorias contempladas pelo Nobel, o sonho se torna praticamente impossível. Com a enorme quantidade de pesquisas e estudos acadêmicos produzidos nessas áreas em suas milionárias universidades, os Estados Unidos empalmam quase tudo, relegando até o conjunto dos países europeus a uma participação marginal. Ao longo da história das premiações do Nobel, iniciada em 1901, no entanto, entre as 766 pessoas e 19 organizações laureadas no total até agora o Brasil não conseguiu incluir sequer um nome. Em alguns momentos, houve quem apostasse em Jorge Amado ou Zilda Arns, para literatura e paz, respectivamente, mas passamos bem ao largo.
E o pior é que nossa produção literária de qualidade vem escasseando com o passar dos anos. Mesmo Jorge Amado, o mais popular romancista brasileiro do século passado, morto em 2001, não podia ser comparado a Erico Verissimo e, sobretudo, Guimarães Rosa, autor do monumental Grande Sertão, Veredas, ou aos poetas Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira, todos eles falecidos antes. Hoje, nosso escritor mais traduzido lá fora, Paulo Coelho, não passa de um fazedor de subliteratura.
Dificilmente teremos nos próximos anos, portanto, algum nome para se integrar ao time dos latino-americanos ganhadores do Nobel de literatura, composto até aqui de dois chilenos (Gabriela Mistral, em 1945, e Pablo Neruda, em 1971, ambos poetas), um guatemalteco (Miguel Angel Asturias, em 1967), um colombiano (Gabriel García Márquez, em 1982) e um mexicano (Octavio Paz, em 1990). Até hoje, na história do prêmio, o único autor em língua portuguesa aquinhoado foi o luso José Saramago, em 1998.
Não é possível afirmar, além disso, que se vivo fosse Guimarães Rosa poderia nos garantir o sonhado Nobel. A Academia Sueca tem privilegiado ao longo do tempo a literatura de cunho universalista, e muito da magia da prosa roseana, que vem do linguajar regional, recolhido do povo do interior de Minas em suas andanças como médico, se perde na tradução. Mas se isso servir de consolo não estamos sós em matéria de injustiça no Nobel literário, neste subcontinente. Entre os argentinos, Jorge Luis Borges e Julio Cortázar também não foram lembrados, assim como Juan Rulfo e Carlos Fuentes entre os mexicanos e Mario Vargas Llosa entre os peruanos. De toda forma, como Fuentes e Llosa seguem vivos, ainda podem chegar lá, ao contrário do que ocorre conosco.
Quanto ao Nobel da paz, cujo ganhador neste ano é o indiano Muhammad Yunus, conhecido como o 'banqueiro dos pobres' por ter instituído um sistema de microcrédito que já beneficiou cerca de 6 milhões de pessoas em diversos países, a elasticidade do critério adotado impede qualquer tipo de previsão acerca dos futuros laureados, ou seja, até a surpresa com um brasileiro pode ser admitida. Curiosamente, o prêmio de maior significado é concedido não pelos suecos da Real Academia de Ciências (física, química e economia, este último, instituído somente bem mais tarde, em 1969), do Instituto Karolinska (medicina ou fisiologia) e da Academia Sueca para o Prêmio Nobel (literatura), mas por um comitê de cinco membros nomeados pelo Parlamento norueguês. Alfred Nobel, o milionário inventor da dinamite, que deixou a maior parte de seus bens para a fundação com seu nome criada para distribuir os prêmios, foi quem dispôs assim em seu testamento, pouco antes de sua morte, em 1896. E não se deu ao trabalho de explicar a razão de sua escolha aos compatriotas suecos.
Pamuk, o banqueiro Yunus e os seis americanos ganhadores em física, química, medicina e economia, receberão seus prêmios em cerimônia a ser realizada com a presença do rei Gustavo, da Suécia, no dia 10 de dezembro, em Estocolmo. Apenas para o ganhador do prêmio da paz haverá uma outra cerimônia, a realizar-se em Oslo, com a presença do rei Harald, da Noruega, para o recebimento da quantia de cerca de 1,36 milhão de dólares (10 milhões de coroas suecas), igual para todos os premiados. Além do dinheiro, os vencedores recebem um diploma e uma medalha de ouro 34 quilates, cujo frontispício (cara) vem cunhado com o mesmo retrato de Alfred Nobel e cujo verso (coroa) varia conforme a categoria da láurea.
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