domingo, 29 de outubro de 2006

A vitória do símbolo

Não há como explicar a folgada reeleição de Lula pela ótica da moralidade, do programa de governo ou da ideologia. Erraram, pois, todos os que aconselharam Geraldo Alckmin a fazer uma coisa ou outra. Sugeriram-lhe bater duro nos escândalos, e ele bateu. Recomendaram-lhe acentuar as diferenças na visão de governo, e ele acentuou. Alertaram que era perigoso deixar o adversário posar de pai dos pobres e ele, além de prometer manter e ampliar o Bolsa Família, deixou-se filmar comendo a 1 real o almoço nos restaurantes do programa Bom Prato, criados pelo governo tucano em São Paulo, e abraçando gente humilde por onde passava.
Os conselheiros de Alckmin falharam porque ele enfrentava não um adversário comum, mas sim um símbolo, uma espécie de super-herói da mobilidade social brasileira, o operário gente como a gente que chegou lá em cima. Qualquer outro como Alckmin, cara de classe média, diploma universitário, mulher bonita, filha com emprego em loja chique e ainda com o defeito de ser conhecido praticamente só dentro do estado de São Paulo como político, perderia hoje para o ex-retirante nordestino, vendedor de amendoins quando moleque, ex-torneiro mecânico que deixou um dedo da mão esquerda na fábrica, corintiano, cachaceiro, iletrado, marido dedicado de uma ex-viúva cujos filhos abrigou, além de ter com ela outros, fiel aos ex-companheiros operários e ainda por cima um presidente que estendeu o Bolsa Família a cerca de 12 milhões de famílias. Sem essa identificação da persona de seu adversário com a multidão de humilhados e ofendidos que habita o país, Alckmin jamais poderia ser tão convincente quanto ele no recém-assumido papel de outro pai dos pobres. Mais: nascido no interior de São Paulo, tornou-se refém da onda antipaulista deflagrada no segundo turno para favorecer o nordestino Lula – uma falácia, porque o presidente mantém residência fixa em São Paulo há quase tanto tempo quanto Alckmin tem de vida.
Os números da eleição em segundo turno mostram também o peso dos votos ressentidos ou envergonhados, os primeiros, vindos das camadas humildes, e os segundos, da classe média politicamente correta. Eleger o candidato gente como a gente, e não o outro, é uma forma de os oprimidos pela miséria se vingarem das madames e seus maridos de nariz empinado que gastam num mês o que seus empregados às vezes levam uma vida para ganhar. Já para aquela parcela da classe média que no estádio de futebol vai para a arquibancada podendo pagar por uma cadeira numerada só para ser solidária com as massas, eleger esse mesmo candidato é uma maneira de aliviar a vergonha que sentem como participantes ativos de um sistema de acumulação de riquezas que a cada dia aprofunda o fosso entre um pequeno número de privilegiados e uma grande horda de deserdados. Ao jogar os pobres contra os ricos e o Norte-Nordeste contra São Paulo, portanto, o comando de campanha do presidente acertou em cheio, no sentido de exacerbar os ânimos sociais e regionalistas e assim capturar votos antes dados a Alckmin.
Por isso, Lula teve mais votos do que no primeiro turno e seu adversário, menos. O presidente reeleito ampliou sua vantagem nos estados em que vencera no dia 1.o e recuperou grande parte de terreno nos quais perdera. Por exemplo, em Minas Gerais, onde vencera por 1 milhão de votos no primeiro turno, agora ganhou por 3,2 milhões. E em São Paulo, onde perdera por 3,8 milhões de votos, agora reduziu essa diferença para 1 milhão.
A falta de escrúpulos costuma encontrar terreno fértil na política. Lula e seus aloprados, que na verdade são é muito espertos, se deram bem com o expediente condenável de jogar uma parte do país contra outra para alcançar seu objetivo. Mais pudica, a campanha de Alckmin foi penalizada, e até por acreditar demais no discurso a favor da ética. Para quem vota com ressentimento ou vergonha pela má consciência, denúncias de corrupção não passam de café pequeno.

sábado, 28 de outubro de 2006

Febeapá na Globo

Este blogueiro desligou a TV antes de acabar o primeiro bloco do último e mais aguardado dos debates televisivos entre os dois candidatos presidenciais, realizado na noite desta sexta-feira pela Rede Globo. Ele não suportou o conjunto de elementos que, a seu ver, transformou esse evento tão valorizado previamente num legítimo exemplar do festival de besteiras que assola o país, o febeapá tão bem definido por Stanislaw Ponte Preta. A repetitividade das perguntas e respostas, assim como da postura adotada pelos candidatos, foi o elemento principal quanto ao conteúdo, a julgar pelo primeiro bloco. Mas o que tornou o espetáculo insuportável foi o fiasco de uma idéia, aprovada por não se sabe quem dentro da Globo, de fazer do debate um programa de auditório, como se Lula e Geraldo Alckmin fossem aprendizes do Faustão, e não aspirantes ao cargo mais alto da República. Para completar a impressão de bagunça, novamente ninguém se preocupou em tornar visível para os debatedores um cronômetro. Além de o tempo dado para as perguntas e as réplicas e tréplicas ser insuficiente – 40 segundos e 1 minuto, respectivamente -, a falta desse cronômetro visível levava o mediador William Bonner a todo momento interromper ao meio o raciocínio dos candidatos, que como qualquer pessoa normal não têm um relógio dentro de suas cabeças.
A seleção da platéia, então, foi nada menos que ridícula. Foram levadas ao estúdio 40 pessoas entre o eleitorado indeciso, em trabalho feito em conjunto entre a rede de TV e o Ibope, e algumas delas sorteadas para dirigir perguntas aos candidatos. Estes, para cumprir o combinado com a produção do programa, passaram então a falar só para a pessoa perguntadora, em pé na bancada reservada à pequena platéia, e não para o conjunto dos telespectadores. Tentavam, como é natural, ligar o assunto com outros que gostariam de comentar, e com isso o inquiridor sorteado ficava sem a sua resposta. Para piorar, lá vinha o mediador interromper o raciocínio dos candidatos por estouro de tempo. Difícil imaginar algo mais atroz para se assistir na telinha.
De mais a mais, se a Globo julga brilhante a idéia de falar só para os indecisos, que não passam de 5% do eleitorado a esta altura da campanha, ela que é a líder disparada em audiência no país, isso é um caso para exame de sanidade mental. E, convenhamos, eleitor que até agora, restando pouco mais de 24 horas para o acionamento das urnas eletrônicas, ainda não decidiu em quem vai votar, não merece o menor respeito. No seu caso, recomenda-se substituir o divã do analista pelo banco de madeira da escola básica.
É lamentável que se transforme um evento de inegável importância institucional num mero programa de auditório de TV, pela sanha da Globo por audiência. Além disso, fazer tantos debates em tão pouco tempo é contraproducente. A repetição se torna inevitável, e o que era para ser respeitado vira motivo de chacota.

terça-feira, 24 de outubro de 2006

Preparem o bolso

Como diria Drummond, e agora, José? No dia 28 próximo, véspera da eleição presidencial em segundo turno por aqui, vence o prazo dado por Evo Morales para que a Petrobrás ou assine um novo contrato, com cláusulas leoninas como o cancelamento do acordo mediante simples aviso prévio de 30 dias dado pelo governo, ou se retire da Bolívia. Assim mesmo, com uma mão na frente e outra atrás, sem direito a nada depois de ter investido 1,5 bilhão de dólares no país. Escusado dizer que a negociação simultânea sobre as condições de fornecimento do gás natural ao Brasil, por meio do extenso gasoduto também construído com dinheiro brasileiro, obviamente será endurecida, com os bolivianos não recuando um milímetro do aumento de preços pretendido e que está sendo imposto em desrespeito a um contrato em plena vigência.
Para reforçar tal convicção, a Bolívia assinou na semana passada com a Argentina um acordo de 20 anos, pelo qual se compromete a quadruplicar o fornecimento de gás ao país vizinho, dos atuais 7,7 milhões de m3/dia para 27,7 milhões de m3, elevando-o já em 2008 para 16 milhões de m3 com o gasoduto a ser construído pela Enarsa, estatal argentina. Só com esse aumento já estará praticamente esgotada a atual capacidade produtiva boliviana, como nota o jornal O Estado de S. Paulo em editorial publicado hoje, o que põe sob sério risco o suprimento do gás ao Brasil.
É nisso que dá uma política externa terceiro-mundista, desavergonhadamente populista, por meio da qual o governo Lula acha por bem defender mais os interesses de países estrangeiros do que os nossos, chegando ao desplante de elogiar a demonstração de soberania do governo Morales. Preparemos, portanto, o bolso. Além dos alimentos, já em alta por conta da frustração da safra, também o gás natural vai subir, logo após a reeleição anunciada de Luiz Inácio Lula da Silva.

Nossas crianças de nome estrangeiro

"Reparem nos nomes das pessoas. A cada nova investida da mídia, uma nova geração de brasileiros se desgarra da história para flutuar, como asteróides errantes, no mundo das identidades imaginárias: chamam-se "Michael" ou "Diane", quase que invariavelmente grafados Máiquel, ou Máicom, e Daiane. Inútil explicar isto pelo mero senso de macaquice. O fenômeno reflete uma doença mais profunda: a completa vulnerabilidade de um povo desprovido do senso de retaguarda histórica.
Não estou criticando os pais dessas crianças. O que os motiva é um impulso elevado e nobre. Dar nome a uma criança é libertá-la da escravidão natural e protegê-la sob o manto da tradição e da cultura. É subtraí-la da insignificância empírica para elevar sua existência a um sentido universal. O nome de um anjo, Miguel, Gabriel, faz de seu nascimento uma mensagem de Deus. O nome de um santo, João, Pedro, Teresa, Inês, alista-a entre os beneficiários de acontecimentos miraculosos. Os de um animal nobre, de um astro do céu - Leão, Hélio e Eliana - associam-na ao simbolismo espiritual das coisas da natureza. Ao chamar suas crianças de Máiquel e Daiane, o brasileiro pobre expressa o protesto da sua alma contra a sociedade que as condenou a uma existência irrisória e cinzenta, e busca associá-las à corrente dos prestígios que representa a vida realizada, plena, feliz.
Mas, em primeiro lugar, Máiquel e Daiane são falsos sentidos universais. Não são nomes de gente. São griffes, copiadas errado de uma língua desconhecida, falada num país distante do qual essas crianças estão ainda mais excluídas do que de uma possível vida feliz na sua terra natal. Para augurar uma vida feliz a essas crianças seria preciso chamá-las Miguel e Diana, nomes de forças sutis sem referência geopolítica. A modulação norte-americana exorcisa o arcanjo e a deusa, não deixando em seu lugar senão os rótulos que farão de duas vidas humanas os reflexos anônimos de duas imagens efêmeras.
Há nesse hábito brasileiro um fundo de autocondenação, um evidente sintoma depressivo. Chamar a uma criança Máiquel ou Daiana é declarar que ela só seria feliz se tivesse nascido nos Estados Unidos. Mas ao mesmo tempo seu próprio nome, com grafia errada, prova que não nasceu. Ela está, portanto, condenada ao infortúnio.
Esses nomes não são bons augúrios, como os do arcanjo São Miguel e da deusa Diana: são pragas sinistras lançadas sobre inocentes. Precisamente por carregar nome grotescos essas crianças terão dificuldade de ascender socialmente no seu próprio país. Em segundo lugar, o personagem cujo nome se copia é, em si mesmo, um nada, um fogo-fátuo, destinado a desaparecer sob a maré de novas imagens da mídia. Aos quarenta anos, quem carregue seu nome será um anacronismo vivo, como o é hoje quem se chame Neil, por conta de Neil Sedaka, ou Pat, em homenagem a Pat Boone.
As intenções dos pais terão se desvanecido junto com essas glórias de quinze minutos. Os nomes dessas crianças serão as marcas aviltantes de uma irrecorrível condenação à insignificância."
(Olavo de Carvalho, filósofo e jornalista, em nota de observação ao artigo de sua autoria 'A origem da burrice nacional', publicada na revista Bravo!, edição de dez./1999-jan./2000)

domingo, 22 de outubro de 2006

Novo ídolo?

Ah, como é bom ver de novo o Brasil no alto do pódio da Fórmula 1, sobretudo em Interlagos! Como emociona ver um piloto, à moda de Ayrton Senna, fazer a volta da vitória com uma mão no volante e a bandeira brasileira na outra! Com Felipe Massa neste domingo de sol em São Paulo pudemos sentir outra vez o peito estufado por um legítimo orgulho nacionalista, algo que muito poucas outras atividades além do esporte conseguem propiciar.
Será Massa um novo fenômeno brasileiro na categoria mais nobre do automobilismo, na qual já tivemos três campeões mundiais, entre eles Senna, nosso esportista mais amado? Só o tempo dirá. E Massa pode esperar, afinal só tem 25 anos. (Jackie Stewart, o inglês tricampeão mundial, saiu-se uma vez com uma piada simpática a respeito da habilidade dos brasileiros nas pistas: "Perguntam-me por que são tão bons", disse ele. "Respondo que talvez seja pela água que tomam.")
O certo é que Massa, junto com o espanhol Fernando Alonso, sagrado hoje bicampeão mundial, e o inglês Jenson Button, com os quais subiu ao pódio, e mais o finlandês Kimi Raikkonen, é um dos principais candidatos a herdar a coroa do grande campeão Michael Schumacher no reino da Fórmula 1. O alemão sete vezes campeão mundial, feito não obtido por nenhum outro corredor na história, despediu-se da carreira hoje com um show de pilotagem em Interlagos.
A corrida deste domingo foi, aliás, perfeita para marcar a redenção de Schumacher, ou Schumi para os íntimos, perante a torcida brasileira. Por muito tempo torcemos contra ele, temerosos de que pudesse ofuscar a memória de Senna. Agora que se aposenta rendemos-lhe homenagens, por seus muitos méritos como piloto, por gostar de futebol como nós, por ser um boa-praça, filantropo como Senna, e ainda por ser amigo do nosso possível novo ídolo, Felipe Massa.

Cheiro de queimado

Digam o que disserem os membros da tropa de choque do presidente Lula escalados para protegê-lo das labaredas do caso nesta reta final de campanha, existe agora uma prova irrefutável do envolvimento do Palácio do Planalto no escândalo do dossiê. Trata-se da confirmação, dada pelo próprio autor dos telefonemas, de que no mesmo dia da prisão dos dois petistas em São Paulo com 1,75 milhão de reais em cédulas de real e dólar, reunidos para a compra dos documentos falsos, a chefia do Gabinete da Presidência e o responsável pelo setor de inteligência do comitê do candidato presidencial andaram trocando informações. Gilberto Carvalho, o chefe do Gabinete, declarou candidamente, na sexta-feira passada, que ligou duas vezes para Jorge Lorenzetti, o encarregado da inteligência, no dia 15 de setembro passado, a primeira logo depois das 10 horas da manhã e a segunda logo depois das 18 horas. E ontem reforçou seu testemunho, dizendo para a repórter Vera Rosa, do jornal O Estado de S. Paulo, que seus telefonemas tiveram por fim cumprir "um dever de Estado, de buscar informações para o presidente Lula frente a uma notícia imprecisa que havia chegado". Não se acusa Carvalho de fugir de seus deveres funcionais. O problema de sua versão é que, àquela altura, ninguém sabia – nem a Polícia Federal, que tomava os primeiros depoimentos de Gedimar Passos e Valdebran Padilha, os dois petistas presos com o dinheiro – que Lorenzetti era, como se evidenciou depois, o mentor da compra do dossiê. Por que o secretário particular do presidente ligou justamente para ele em busca de pormenores, e não para qualquer outro membro graduado do comitê, é a pergunta a ser respondida.
A PF constatou também que nas proximidades do estouro do caso Lorenzetti entrou em contato com outro peixe graúdo do PT, o ex-ministro José Dirceu. Embora tenha sido cassado e apeado do governo, Dirceu continua atuante junto à coordenação da campanha de Lula. Mas como o teor de sua conversa com Lorenzetti é desconhecido, por não ter havido quebra de sigilo, e a data da ligação telefônica é imprecisa, não há como comprovar seu envolvimento no chamado dossiêgate.
Ainda ontem, em evento político de campanha nomeado 'Ato Nordestino' e realizado em São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo, os senadores Aloizio Mercadante e Eduardo Suplicy, do PT, e o presidente da Câmara, Aldo Rebelo, do PC do B, entre outros, trataram de inocentar o secretário particular de Lula. Segundo Mercadante, o fato de Carvalho ter ligado para Lorenzetti no dia da prisão de Gedimar e Valdebran "não caracteriza envolvimento". Disse mais o candidato derrotado ao governo de São Paulo, de acordo com a Folha Online: "É evidente que ele não participou. O papel dele como chefe de gabinete é informar (o presidente) de fatos que acontecem". Suplicy, por sua vez, considerou "satisfatórios" os esclarecimentos dados por Carvalho. E Rebelo qualificou como "políticos" os desdobramentos ocorridos a partir da investigação policial.
Se não foram três comentários idiotas, foram um escárnio à opinião pública. O envolvimento do secretário particular de Lula no escândalo do dossiê está mais do que caracterizado com seus dois telefonemas no dia da prisão dos correligionários petistas. Seus esclarecimentos não têm nada de satisfatórios. E quanto aos desdobramentos, compete agora ao TSE decidir se a participação direta do Planalto no caso configura ou não um crime eleitoral punível com a impugnação da candidatura Lula.

sexta-feira, 20 de outubro de 2006

Troca de barco

A mais recente pesquisa do Ibope, divulgada hoje à noite pelo Jornal Nacional, da Rede Globo, indica que o presidente-candidato Lula segue aumentando a dianteira na corrida pelos votos do próximo dia 29. Segundo o instituto, cuja sondagem se realizou nos dias 18 e 19, portanto antes do debate televisivo na rede SBT, ocorrido na noite de quinta-feira, o presidente tem agora 57% dos votos, 21 pontos percentuais à frente de Geraldo Alckmin (36%). Votos brancos e nulos são 3% e os indecisos somam 4%.
Para quem continua firme com o candidato oposicionista, a má notícia é que a nova pesquisa mostra uma aceleração na tendência de migração de votos verificada anteriormente. O eleitorado de Lula cresceu 5 pontos percentuais em relação à sondagem feita apenas uma semana antes, no dia 12, enquanto o de Alckmin encolheu 4 pontos. E como a massa dos que votam branco ou nulo ou estão indecisos diminuiu somente 1 ponto, no primeiro segmento, conclui-se que nesta etapa final da campanha para o segundo turno levas maiores de eleitores abandonam o barco de Alckmin para pular no de Lula, de acordo com a surrada ótica de 'não perder o voto'.
A pouco mais de uma semana do veredicto das urnas, tais números não deixam margem a dúvida quanto ao resultado final das eleições. Mas se estas terminam no dia 29, como lembra Reinaldo Azevedo em seu blog, a política continua. E uma fatura pesada será cobrada do lulo-petismo logo após a festa da vitória, porque uma parte do mar de lama levantado a respeito das atividades do governo e de seu partido já está sob exame na esfera judicial.
Sina triste essa, do Brasil. Em lugar de ter suas esperanças renovadas pela posse do presidente reeleito, o país assistirá, do primeiro ao, provavelmente, último dia do mandato dele, a uma sucessão de sessões parlamentares e de cenas de tribunal destinadas à apuração e ao julgamento de malfeitorias velhas e novas imputadas ao círculo íntimo do poder. Até no Haiti o povo encontra motivos para orgulhar-se mais de sua democracia.

Ironias sem nexo

Nada como a continuidade para aumentar a abrangência das discussões. O debate de ontem à noite entre os dois candidatos presidenciais, na rede SBT, versou mais sobre programas de governo e menos sobre corrupção, graças sobretudo ao oposicionista Geraldo Alckmin, que enunciou com segurança e firmeza uma série de ações que pretende desenvolver, se eleito, nas áreas econômica e social, enquanto seu adversário político se limitava a ler uma enxurrada de números sem maiores explicações. O ex-governador paulista abandonou também a posição defensiva na questão das privatizações, ao afirmar que elas ajudaram a melhorar a situação das empresas vendidas pelo governo e de setores como a telefonia. E adicionou uma pitada de veneno dizendo que não fará como os petistas, que privatizaram a máquina pública para si próprios.
A ex-prefeita paulistana Marta Suplicy terá de encontrar agora um outro argumento para criticar Alckmin, a quem chamou, logo após o encerramento do debate televisivo anterior, na rede Band, de 'candidato de plástico' moldado por assessores do PSDB, já que, a seu ver, ele nada mais fizera além de citar de forma monocórdica denúncias de corrupção. Tratava-se de uma aleivosia, porque também naquele encontro Alckmin foi mais explícito e convincente do que seu oponente em questões programáticas e ontem quem se repetiu a todo momento, como se tivesse uma cartilha decorada, foi Lula. Este, aliás, precisou a certa altura recolher o rabo entre as pernas no debate de ontem, depois de usar a expressão 'samba de uma nota só', derivada do tom supostamente monocórdico do candidato tucano, para diminuir a resposta dada por ele no quesito corrupção, formulado pela produção do programa de TV. "Não é apenas uma nota, mas um milhão e setecentos e cinqüenta mil", devolveu Alckmin, numa referência à montanha de cédulas de dinheiro apreendidas com os petistas presos no caso do dossiê Vedoin.
Outras ironias usadas por Lula contra o oponente também soaram suspeitas. Sua citação do PCC como principal beneficiário da alegada falta de segurança no estado de São Paulo, durante a gestão Alckmin, por exemplo, ficou incompleta sem a lembrança de que a organização criminosa, além de jogar coquetéis Molotov nos ônibus e metralhar portas bancárias, faz proselitismo político em favor do PT. E na questão dos juros de quase 50% no governo Fernando Henrique Cardoso, contra os atuais 13,75% da taxa Selic (aqui Lula escorregou mais uma vez ao tentar dar um número de cabeça: falou em 6,85%), faltou dizer que seu antecessor tentava evitar que as reservas cambiais brasileiras virassem pó, no auge de uma crise financeira de dimensão mundial.
Lula não se deu bem ainda quando tentou valorizar a pretensa distribuição de renda promovida por seu governo com a lembrança de que o Brasil já chegou a crescer 10% ao ano, mas deixando os pobres mais pobres. Esse cenário corresponde ao período de 1968 a 1973, o mais tenebroso da repressão às liberdades políticas comandada pela ditadura militar e, paradoxalmente, o de maior crescimento continuado do PIB, em décadas. O então chamado czar da economia, Delfim Netto, teve a sorte de comandar a pasta da Fazenda numa conjuntura internacional extremamente favorável, com oferta de dinheiro abundante e o barril do petróleo custando apenas 2,50 dólares, e ainda por cima contando com a casa arrumada pelos antecessores, os ministros do Planejamento e da Fazenda do governo Castelo Branco, respectivamente Roberto Campos e Octávio Gouvêa de Bulhões. Mas se Delfim, mesmo fazendo a economia crescer perto de 10% ao ano, pouco se lixou para o destino dos miseráveis do país, ele agora é cabo eleitoral de Lula, acolhido com todas as honras tanto pelo presidente-candidato quanto pelo PT. Se isso não representa uma contradição entre discurso e prática, então não se sabe o que mais o mesmo elástico pode prender.

quarta-feira, 18 de outubro de 2006

O aviso dos números

Circulam por e-mail duas continhas de somar e subtrair, a propósito da eleição presidencial do próximo dia 29. "Se você quiser fazer o Brasil crescer", diz a mensagem que acompanha as contas, "some, não diminua".
A coincidência é realmente extraordinária. A eleição é dia 29/10/06? Pois some 29+10+6 e o resultado será 45, o número de Geraldo Alckmin. Já a subtração 29–10–6 dá 13, o número de Lula.
Durma-se com uma numerologia dessas.

terça-feira, 17 de outubro de 2006

Coerência e burrice

Muitas pessoas, incluídos anônimos, intelectuais e artistas, passam a vida aferrados ao princípio da coerência. Abandonar um ideal defendido com ardor e desprendimento por longo tempo, nem pensar. Além disso, o que diriam os amigos e admiradores?
O ex-ministro da ditadura Jarbas Passarinho tem assim razão ao afirmar, em seu artigo periódico publicado no jornal O Estado de S. Paulo de hoje, que a esquerda pode ter várias faces, mas mesmo dividida não vota em quem não pertença à grei. Como exemplos desse comportamento cita Chico Buarque, Frei Betto e o vice de Heloísa Helena na candidatura à Presidência, o economista autodidata César Benjamin. E no mesmo jornal uma leitora, Ruth de Souza Lima e Hellmeister, na seção Fórum dos Leitores, lamenta a decisão do PSOL de tender à adesão a Lula, depois de toda a violenta campanha contra ele desfechada pela senadora alagoana no primeiro turno.
Quer dizer, a coerência defendida por esse pessoal obedece a graduações. Determinados princípios podem ser deixados de lado, menos o principal, a coerência ideológica. À combativa senadora só faltou dizer, com todas as letras, que além de corruptos e ladrões de toda espécie o PT abriga alguns assassinos. Em mais de um momento deixou essa insinuação no ar, quando nem os líderes dos partidos da oposição ousaram a tanto, mesmo nos acalorados debates em torno dos casos paulistas de Celso Daniel, em Santo André, e Toninho, em Campinas. Vale mencionar, aqui, a recente denúncia da revista Veja, de que o petista Gedimar Passos, preso com parte do dinheiro levantado para pagar o dossiê calunioso do chefão dos sanguessugas, Luiz Antônio Vedoin, dono da empresa Planam, contra políticos tucanos, só mudou seu depoimento anterior à Polícia Federal, passando a inocentar o guarda-costas de Lula, Freud Godoy, depois de receber nas dependências da própria força, na calada da noite e na presença do delegado autor da permissão para a entrada, uma visita irregular de Godoy, acompanhado de outro guarda-costas palaciano, José Carlos Espinoza. É impossível saber o que Godoy e seu colega falaram para Gedimar, porque nem eles nem o delegado envolvido são tontos a ponto de dar detalhes para a imprensa. Mas pouca coisa não deve ter sido.
Quando a coerência se confunde com a cegueira, no entanto, o que antes poderia ser visto como um traço de honestidade passa a sê-lo como sinônimo de burrice. É clássica a imagem do homem que monta uma idéia pela vida toda, pela simbiose com a cavalgadura.
A Chico Buarque, um gênio em seu ofício, autor tão importante para a nossa música popular quanto Noel Rosa, certamente não faltam luzes, assim como para o escritor Luis Fernando Verissimo ou para o ator Paulo Betti. Mesmo assim, os três, entre milhões de outros, votam em Lula, Chico por não se comover com o discurso anticorrupção do PFL, Verissimo por manter a visão de ser o neoliberalismo um monopólio da direita e Betti por entender que política se faz pondo a mão naquilo que começa com a letra 'm'. As justificativas dadas por eles para seus votos sintetizam o pensamento da parcela mais esclarecida da população que pretende assegurar mais quatro anos de mandato para o chefe da nação mais enlameado da história da República. As falcatruas cometidas, apesar da dimensão monstruosa, são perdoadas ou, pior, coonestadas, com o argumento de não existir uma prática política limpa. E quanto a programas de governo essa camada de eleitores pró-Lula enxerga progressismo na distribuição de simples esmolas. O grave nesse comportamento é o fato de a miopia voluntária cultivada em nome da ideologia traduzir-se em prejuízos alheios, pelo retardamento dos avanços do país.
Com a adesão ao capitalismo de todos os bastiões do socialismo desde a queda do muro de Berlim, em 1989, inclusive da Rússia, de seus antigos satélites e até da Albânia, com exceção de tiranias como Cuba e Coréia do Norte, tornou-se algo démodé qualificar atitudes de esquerda como progressistas. O mundo mostrou que não havia como distribuir riquezas antes de acumulá-las pela via do conservadorismo econômico, numa confirmação da tese da partilha do bolo somente após o crescimento deste. A inversão de etapas, como ficou provado repetidas vezes, fazia perdurar e ainda aprofundar o atraso do país, ao invés de abreviá-lo.
No caso brasileiro, o governo atual poderia ser aceito se fosse apenas produto de um equívoco ideológico. Mas, longe disso, ele constitui uma fraude porque, para começar, seu Bolsa-Família, uma junção de programas criados pelo presidente anterior, Fernando Henrique Cardoso, diante da impraticabilidade do Fome Zero de Lula, assumiu um caráter meramente eleitoreiro. Em lugar de ensinar a pescar, limita-se a dar o peixe. Que futuro tal prática assistencialista de cunho demagógico pode assegurar para o país? Pois, tirando o assistencialismo, o que o atual governo fez foi manter a política econômica herdada do antecessor, acentuando a ortodoxia com o aumento dos juros reais. Se o governo FHC foi neoliberal – como quer Verissimo, a despeito de todas as reformas modernizantes feitas na época, incluindo as privatizações anatematizadas pelo PT -, este governo Lula o foi em dobro. A prova é que nunca os bancos lucraram tanto, enquanto o país deixa de aproveitar a conjuntura internacional favorável para crescer mais.
O discurso de esquerda revigorado para o segundo turno das eleições, por parte dos detentores do poder, não passa portanto de um engodo. Só não enxerga essa verdade aquele que renuncia às próprias luzes para adotar as de sua cavalgadura.

sexta-feira, 13 de outubro de 2006

Sonho distante


Frente e verso da medalha do Nobel de literatura

Todo ano, a cada anúncio do ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, muitos de nós, brasileiros, sentimos uma certa dor-de-cotovelo pelo esquecimento dos autores nacionais. Não foi diferente desta vez, com a escolha do romancista turco Orhan Pamuk, de 54 anos, traduzido em 34 línguas e considerado um dissidente em seu país por denunciar massacres e perseguições de armênios e curdos na Turquia.
O prêmios de literatura e o de paz, embora remotamente, são os únicos aos quais poderíamos aspirar, porque em física, química, medicina (ou fisiologia) e economia, as outras categorias contempladas pelo Nobel, o sonho se torna praticamente impossível. Com a enorme quantidade de pesquisas e estudos acadêmicos produzidos nessas áreas em suas milionárias universidades, os Estados Unidos empalmam quase tudo, relegando até o conjunto dos países europeus a uma participação marginal. Ao longo da história das premiações do Nobel, iniciada em 1901, no entanto, entre as 766 pessoas e 19 organizações laureadas no total até agora o Brasil não conseguiu incluir sequer um nome. Em alguns momentos, houve quem apostasse em Jorge Amado ou Zilda Arns, para literatura e paz, respectivamente, mas passamos bem ao largo.
E o pior é que nossa produção literária de qualidade vem escasseando com o passar dos anos. Mesmo Jorge Amado, o mais popular romancista brasileiro do século passado, morto em 2001, não podia ser comparado a Erico Verissimo e, sobretudo, Guimarães Rosa, autor do monumental Grande Sertão, Veredas, ou aos poetas Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira, todos eles falecidos antes. Hoje, nosso escritor mais traduzido lá fora, Paulo Coelho, não passa de um fazedor de subliteratura.
Dificilmente teremos nos próximos anos, portanto, algum nome para se integrar ao time dos latino-americanos ganhadores do Nobel de literatura, composto até aqui de dois chilenos (Gabriela Mistral, em 1945, e Pablo Neruda, em 1971, ambos poetas), um guatemalteco (Miguel Angel Asturias, em 1967), um colombiano (Gabriel García Márquez, em 1982) e um mexicano (Octavio Paz, em 1990). Até hoje, na história do prêmio, o único autor em língua portuguesa aquinhoado foi o luso José Saramago, em 1998.
Não é possível afirmar, além disso, que se vivo fosse Guimarães Rosa poderia nos garantir o sonhado Nobel. A Academia Sueca tem privilegiado ao longo do tempo a literatura de cunho universalista, e muito da magia da prosa roseana, que vem do linguajar regional, recolhido do povo do interior de Minas em suas andanças como médico, se perde na tradução. Mas se isso servir de consolo não estamos sós em matéria de injustiça no Nobel literário, neste subcontinente. Entre os argentinos, Jorge Luis Borges e Julio Cortázar também não foram lembrados, assim como Juan Rulfo e Carlos Fuentes entre os mexicanos e Mario Vargas Llosa entre os peruanos. De toda forma, como Fuentes e Llosa seguem vivos, ainda podem chegar lá, ao contrário do que ocorre conosco.
Quanto ao Nobel da paz, cujo ganhador neste ano é o indiano Muhammad Yunus, conhecido como o 'banqueiro dos pobres' por ter instituído um sistema de microcrédito que já beneficiou cerca de 6 milhões de pessoas em diversos países, a elasticidade do critério adotado impede qualquer tipo de previsão acerca dos futuros laureados, ou seja, até a surpresa com um brasileiro pode ser admitida. Curiosamente, o prêmio de maior significado é concedido não pelos suecos da Real Academia de Ciências (física, química e economia, este último, instituído somente bem mais tarde, em 1969), do Instituto Karolinska (medicina ou fisiologia) e da Academia Sueca para o Prêmio Nobel (literatura), mas por um comitê de cinco membros nomeados pelo Parlamento norueguês. Alfred Nobel, o milionário inventor da dinamite, que deixou a maior parte de seus bens para a fundação com seu nome criada para distribuir os prêmios, foi quem dispôs assim em seu testamento, pouco antes de sua morte, em 1896. E não se deu ao trabalho de explicar a razão de sua escolha aos compatriotas suecos.
Pamuk, o banqueiro Yunus e os seis americanos ganhadores em física, química, medicina e economia, receberão seus prêmios em cerimônia a ser realizada com a presença do rei Gustavo, da Suécia, no dia 10 de dezembro, em Estocolmo. Apenas para o ganhador do prêmio da paz haverá uma outra cerimônia, a realizar-se em Oslo, com a presença do rei Harald, da Noruega, para o recebimento da quantia de cerca de 1,36 milhão de dólares (10 milhões de coroas suecas), igual para todos os premiados. Além do dinheiro, os vencedores recebem um diploma e uma medalha de ouro 34 quilates, cujo frontispício (cara) vem cunhado com o mesmo retrato de Alfred Nobel e cujo verso (coroa) varia conforme a categoria da láurea.

quarta-feira, 11 de outubro de 2006

Imagem purificadora


Em homenagem à Padroeira do Brasil, que os católicos reverenciam no dia de amanhã, e a propósito do excesso de concupiscência revelado por muitos políticos no país, este blog publica a imagem purificadora de um dos tesouros maiores da humanidade, a Pietà, de Michelangelo. Uma das várias versões do mesmo tema feitas pelo gênio da escultura, da pintura e da arquitetura do Renascimento, este impressionante monumento esculpido a partir de um bloco maciço de mármore é o que está guardado na Catedral de São Pedro, em Roma, protegido por um vidro reflexivo à prova de fotos e balas desde que um lunático chamado Lazlo Toth, um geólogo australiano de origem húngara, proclamando-se o próprio Cristo ressuscitado, danificou a marteladas, em 1972, o nariz, o cotovelo esquerdo e um dos dedos da mão esquerda da Virgem. O artista - Michelangelo Buonarroti, nascido em 1475 em Caprese e morto em 1564 em Roma - terminou a estátua, de 1,74 metro de altura e 1,95 metro de largura na base, em 1499.
Quanto aos políticos concupiscentes, que uma vez instalados no poder ou em suas cercanias mal conseguem disfarçar o melado a lambuzar-lhes os beiços, também no espírito da data vai aqui, para eles, um conselho de Santo Agostinho: "Não podendo ser casto, sede cauto".

Meu voto, não

"Meu pai foi um honesto (morreu pobre) e dedicado delegado de polícia e sempre me dizia de seu orgulho de pertencer à Polícia Civil do Estado de São Paulo, mesmo sendo uma profissão perigosa. Como filho, sei o que é um pai sair de casa todo dia e beijar os filhos e a esposa como se fosse a última vez... Mas eu também me orgulhava de meu pai, inclusive porque todos os meus amigos sabiam que ele era um dos 'mocinhos' que punham e mantinham na cadeia os bandidos. Sr. presidente Lula, por mim e pela memória de meu pai, aquele orgulhoso delegado de porta de cadeia, o meu voto o senhor não vai levar!"
(Paulo Boccato, na seção Fórum dos Leitores do jornal O Estado de S. Paulo de hoje)

terça-feira, 10 de outubro de 2006

Ignorância e má-fé

O PT e seus candidatos, bem como suas lideranças, têm tratado as privatizações como um crime de lesa-pátria. Ainda hoje de manhã, o presidente-candidato Lula declarou à Rádio Bandeirantes, em referência a seu opositor Geraldo Alckmin, que "a única coisa que ele sabe fazer é vender coisas" e que "o PSDB não devia ser candidato a nada, devia ser candidato a (dirigir) uma empresa de vender empresas estatais". Da mesma forma, o candidato petista ao governo do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra, tenta colar a imagem de 'privatista' à sua adversária do PSDB, Yeda Crusius. Para tanto, no debate televisivo realizado ontem à noite na Rede Band, em Porto Alegre, questionou a escolha do vice de Yeda, o empresário Paulo Afonso Feijó, do PFL, ex-presidente da Federação das Associações Empresariais do estado. Ao mesmo tempo, determinou a assessores que mostrassem no seu programa eleitoral reportagens antigas nas quais Feijó defendeu privatizações. Por sua vez, o líder do PT na Câmara dos Deputados, Henrique Fontana, também gaúcho, afirmou ontem que "quem vendeu a Vale (Companhia Vale do Rio Doce) pode muito bem vender a Petrobrás", procurando com isso ligar o governo de Fernando Henrique Cardoso à candidatura de Alckmin.
Somente a indigência mental e cultural dos candidatos, do líder na Câmara e da maioria dos dirigentes do partido, somada à má-fé, pode explicar esse discurso petista. Ninguém que conheça um pouco de história econômica ignora a importância das privatizações para a modernização de um país, seja nos Estados Unidos, seja na Europa (com Margaret Thatcher na Inglaterra e com o socialista François Mitterrand na França), e mesmo na América Latina, com um Chile transformado em modelo de social-democracia bem-sucedida depois de vender todas as estatais que podia. E querer que até um empresário privado fale mal das privatizações não é apenas boçal, é ilógico. Diante de uma asneira desse tamanho, não dá nem para recorrer à justificativa do viés ideológico do partido.
Dizem os petistas que defendem o patrimônio público ao combater a privatização. Mas que patrimônio, caras-pálidas? Que riquezas traziam à população a Rede Ferroviária Federal com seus prejuízos de mais de um bilhão de reais todos os anos, cobertos com recursos do orçamento federal, ou um sistema Telebrás no qual se formavam filas para adquirir um telefone, ao custo de um terço de carro popular? Não é muito melhor agora, depois das privatizações, com os contribuintes deixando de dar dinheiro do bolso para cobrir os prejuízos das estatais e tendo telefones fixos e celulares à vontade, obtidos até de graça?
Há mais: depois de ser vendida ao setor privado, a Vale do Rio Doce se tornou muito mais eficiente, produtiva e lucrativa. Ela é hoje a empresa privada que mais investe no Brasil. Ocupa um lugar de primeira relevância no mundo entre as companhias mineradoras. E seus acionistas, muitos dos quais são trabalhadores que compraram as ações com dinheiro sacado do Fundo de Garantia, erguem as mãos para o céu com a contínua valorização na bolsa de valores ou com o lucro obtido na venda de seus papéis.
Também a Petrobrás, parcialmente privatizada, cresceu ao entrar nas bolsas, aqui e nos Estados Unidos, pois passou a ter mais dinheiro para pesquisar e explorar petróleo. Mesmo o Banco do Brasil, como instituição financeira, é muito mais eficiente e ágil do que a Caixa Econômica Federal por ter capital aberto, enquanto a Caixa segue como um mastodonte inteiramente estatal. O segredo da melhora dessas empresas está nas regras de governança do mercado de capitais, que inibem maracutaias ao acabar com a impunidade, e na cobrança de resultados feita pelos acionistas. Cabe, pois, a pergunta: qual patrimônio você escolheria, aquele que o obriga todo ano a pagar mais impostos para cobrir prejuízos de estatais, ou aquele que lhe propicia dividendos e bonificações, além de um bom lucro com a venda de seus papéis na bolsa? Os petistas, por incrível que pareça, ficam com a primeira alternativa.
É óbvio que se uma estatal com prejuízo onera os contribuintes de impostos, ocorre o contrário com uma estatal lucrativa. Mas, no conjunto delas, tanto no Brasil quanto em outros países a experiência demonstrou que a maioria tende ao prejuízo, pela ineficiência da gestão comandada pelo compadrio político, e não pela capacitação técnica.
Sabedor de tudo isso, porque tem quadros preparados, o PSDB tem de sair da defensiva nesse assunto. Por que não assumir que é, de fato, um partido privatista? E por que não encarar de frente, também, a questão do déficit da Previdência, cuja resolução é essencial para equilibrar as contas públicas? Demagogia se combate com verdades, e não se admite covardia em matéria tão relevante para o país. O Brasil merece mais do que políticos preocupados apenas em não perder votos.

segunda-feira, 9 de outubro de 2006

A ética de Lula

O falecido Mário Covas, um paradigma de honradez na vida pública, foi citado tanto pelo candidato oposicionista Geraldo Alckmin, seu discípulo político, quanto pelo presidente-candidato Lula, durante o debate da noite de ontem na Rede Band de televisão. Alckmin, como não poderia deixar de ser, o fez com reverência. "O Mário Covas dizia que se um auxiliar errasse o erro seria dele, porque ele o tinha colocado no cargo", afirmou. "Covas assumia suas responsabilidades."
Já Lula, mesmo sem falar mal do grande político, um dos fundadores do PSDB, usou de seu nome em proveito próprio e com falso testemunho. Sobre a postura ética de Covas, fez questão de lembrar que foi por interferência dele que o PSDB deixou de apoiar Collor (que hoje apóia Lula) no segundo turno das eleições de 1989. Depois, em relação ao escândalo do dossiê Vedoin, que envolveu seu governo e seu partido, o PT, num escândalo com clara influência no resultado do primeiro turno das eleições, Lula disse a Alckmin: "Você sabe que fui eu quem não deixou sair o Dossiê Cayman, porque sou contra esse tipo de coisa". O alvo principal do Dossiê Cayman, como se recorda, era o então presidente Fernando Henrique Cardoso, contra quem Lula concorria nas eleições de 1998. Mas o falso documento incluía também os nomes de Covas, do falecido ex-ministro das Comunicações Sérgio Motta e do governador eleito de São Paulo, José Serra, como possuidores, assim como Fernando Henrique, de milionárias contas num paraíso fiscal do Caribe.
O falso testemunho dado por Lula se desnuda diante de uma reportagem publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, em 22 de setembro passado. Em depoimento ao repórter Ricardo Muniz, o ex-pastor evangélico Caio Fábio D'Araújo Filho, personagem central no caso Cayman, como suposto intermediário dos fraudadores que queriam vender o dossiê a peso de ouro, afirma ter sido pressionado pelo Partido dos Trabalhadores, e mesmo por Lula, para divulgar o falso documento. Na época, Caio Fábio estava à frente de um projeto com fins sociais denominado Fábrica de Esperança, no município de Acari, no Rio. Vejam o seu relato, copiado da reportagem:
"Segundo Caio Fábio, em meados de 1998 Lula fez uma visita à Fábrica de Esperança. 'Naquele dia apareceu lá um cara que Lula conhecia há muito mais tempo do que eu e que tinha sido a pessoa que me contou a história de Cayman na Flórida. Eles se abraçaram como velhos amigos. Esse indivíduo me disse: 'Reverendo, eu não disse pro senhor que é todo mundo igual? Contei aquela história pro Lula e ele está louco atrás daquilo'. Depois o próprio Lula me abordou: 'Como você não me conta uma coisa dessas?'
A partir daquele momento, líderes do PT passaram a pressioná-lo. 'Havia ligações, meia-noite, todo dia, às vezes a Bené (Benedita da Silva) estava chorando: 'Meu reverendo, pelo amor de Deus, salva a gente. Sem essa história o Lulinha não vai ganhar. Nós jamais vamos conseguir. Não deixa a gente nessa, pelo amor de Deus.' Deus é minha testemunha, e as contas telefônicas também, de quem ligava pra quem. Até mesmo o José Dirceu veio ao Rio conversar comigo. A covardia foi tão grande que à medida que o tempo foi passando, e ficou patente que a papelada era uma grande operação de falsificação, eles foram transferindo tudo para as minhas costas.'
Processado por calúnia por Fernando Henrique, Caio Fábio só se viu livre das acusações no ano passado - inocentado pelo depoimento de Eduardo Jorge, ex-secretário de FHC. Aos 51 anos, casado pela segunda vez, rompido com o meio evangélico e líder de uma comunidade cristã alternativa com 3 000 membros em Brasília, Caio Fábio está recomeçando. 'Minha reclusão passou da hora de acabar. Mas nada quero com temas políticos, só quero propagar a fé bíblica' , diz. 'Em 1998 eu fui deixado com uma mão na frente e outra atrás por um PT que posou de ético. E é tudo mentira. O pessoal do PT é que ficou atrás de mim."

Portanto, Lula falseia os fatos quando posa de ético que impediu a divulgação do dossiê. A verdade é que, por ter sido comprovada rapidamente a falsidade dos documentos pela Polícia Federal, Lula, que de bobo não tem nada, tirou o corpo fora a tempo.

Chuchu com espinhos

O primeiro debate televisivo do segundo turno entre os dois candidatos presidenciais, transmitido pela rede Band e encerrado por volta das 11 horas da noite de ontem, reservou uma surpresa: a contundência da atuação do oposicionista Geraldo Alckmin. Com certeza, muito poucos entre os que não participam da coordenação de sua campanha esperavam que o chuchu fosse bater tão forte, sobretudo o seu oponente, chamado por mais de uma vez de mentiroso por ele, olho no olho e ao vivo e em cores. Em alguns momentos Lula pareceu grogue, como se tivesse levado um direto no queixo.
Nenhuma das provocações feitas pelo presidente-candidato ficou sem resposta de Alckmin. Já Lula tergiversou na maioria das questões formuladas pelo adversário, a ponto de, em desespero de causa, criticar até o presidente americano George W. Bush pela intervenção militar no Iraque. Aconteceu no terceiro bloco do debate, quando ele respondia a uma pergunta do tucano sobre os fracassos da política externa – a encampação de bens da Petrobrás na Bolívia, a invasão de produtos chineses após o reconhecimento daquele país como de economia de mercado pelo Brasil, e a preterição do Brasil na eleição tanto para o comando da Organização Mundial do Comércio quanto para o Conselho de Segurança da ONU - em razão da tibieza do governo. Eis o que disse o presidente-candidato: "Se Bush tivesse o bom senso que tenho, não teria feito a guerra do Iraque". Bush, certamente, não vai gostar quando souber.
Enquanto Alckmin se manteve no ataque o tempo todo, citando de cabeça uma profusão de números sobre sua gestão em São Paulo e a do adversário no governo federal, perguntando com insistência sobre a origem do dinheiro no escândalo do dossiê e ainda prometendo vender o luxuoso avião presidencial, o Aerolula, para com isso construir cinco hospitais (contra nenhum feito nos quatro anos do mandato de Lula), o presidente-candidato precisou ler as perguntas escritas por sua assessoria numa folha de papel, nos dois primeiros blocos. Alvo de ironia do oposicionista, a partir do terceiro bloco procurou mostrar maior autonomia, mas vez por outra voltava à mesma folha. Na cartilha preparada para ele havia menções às 69 tentativas de instalação de CPIs pelos petistas durante a gestão de Alckmin em São Paulo e às irregularidades que o ex-ministro da Saúde Barjas Negri, depois nomeado presidente da CDHU pelo governo paulista, teria cometido. Em ambas essas provocações Lula foi ridicularizado pelo adversário. No caso das CPIs, porque além de o PT não ter feito outra coisa na Assembléia Legislativa paulista durante aquele período a não ser a coleta de assinaturas para elas, com temas que iam da destinação da verba publicitária da Nossa Caixa ao suposto escândalo das arbitragens no futebol, desde 1988 – portanto, há quase vinte anos, como lembrou Alckmin – a instalação de tais comissões depende de sua aprovação pelo plenário, o que o partido de Lula jamais conseguiu. E no de Barjas Negri porque Lula disse ter ele sofrido 102 condenações do Tribunal de Contas do estado, uma grossa mentira, até porque não compete ao órgão absolver ou condenar ninguém. No máximo, aprova ou desaprova contas de órgãos públicos. Somente depois, na esfera da Justiça propriamente dita, é que uma conta reprovada pode redundar em punição para o acusado, com a devolução do dinheiro malversado ao erário. Mas até aí muita água corre sob a ponte, tanto que o recém-eleito deputado federal Paulo Maluf nunca precisou pagar do próprio bolso pelos fuscas com que presenteou, como governador paulista na época, os jogadores da seleção brasileira de 1970, embora condenado até pelo Supremo Tribunal Federal. A sentença depois foi anulada.
O debate deixou nos espectadores, pelo menos entre aqueles que não militam no PT, a impressão nítida de ter havido um vencedor, Alckmin, e um perdedor, Lula. A enquete feita logo depois pelo UOL confirmava a impressão. Por volta da 1h20 da madrugada, já tendo votado mais de 125 000 internautas, o resultava estava 61% para o ex-governador paulista contra 39% para o atual presidente. Fosse um jogo de futebol, o resultado seria uma goleada.

sábado, 7 de outubro de 2006

Palco iluminado

O Diretório Nacional do PT reuniu-se ontem em São Paulo durante sete horas, a portas fechadas, para decidir o que fazer com os envolvidos no escândalo do dossiê contra políticos tucanos, e não produziu nada além de um traque junino com tanta conversa. Na decisão mais aguardada, o deputado Ricardo Berzoini, presidente do partido, foi apenas instado a licenciar-se do cargo até o esclarecimento do caso, o que ele fez em declaração escrita. Nesta, sem enganar ninguém, tenta vender a versão de que seu afastamento teve caráter voluntário, "em nome da unidade e coesão do Partido dos Trabalhadores" e para evitar que os fatos ligados ao dossiê continuem a ser "utilizados por pessoas que querem impedir o Brasil de continuar avançando para uma democracia plena com justiça social". É de chorar de rir.
Durante o período de afastamento de Berzoini, decidido não por ele e sim pelo partido, para limpar a área com vistas à reeleição de Lula no próximo dia 29, assume o cargo interinamente Marco Aurélio Garcia, que antes também havia substituído o deputado na coordenação da campanha do presidente. "Tenho absoluta certeza de que rapidamente será lançada a luz necessária sobre esse episódio", afirmou ontem Garcia, após a reunião. "Para isso nós contamos com os mecanismos de investigação do Estado republicano e que vou me ver livre desse abacaxi e devolvê-lo ao meu querido amigo e companheiro." Outra pérola. Então a presidência do partido que obteve a maior votação no país para a renovação do Congresso e continua como favorito, com seu candidato, ao Palácio do Planalto, não passa de um abacaxi? Com pensamentos assim a comandá-lo, o que esperar do partido no futuro? De toda forma, Garcia foi pelo menos mais espontâneo que Berzoini na sua declaração, além de indicar que sua interinidade deve durar apenas o tempo necessário à reeleição de Lula e mais algum, para não dar má impressão ao distinto público.
O diretório decidiu também, ontem, abrir processo administrativo contra o ex-secretário do Ministério do Trabalho Oswaldo Bargas e o ex-diretor do Banco do Brasil Expedito Veloso. Dois outros envolvidos no escândalo, o churrasqueiro preferido do presidente Lula e ex-diretor do Banco do Estado de Santa Catarina, Jorge Lorenzetti, e Hamilton Lacerda, ex-braço direito do senador Aloizio Mercadante na campanha ao governo do estado de São Paulo, já tinham tomado a iniciativa de desfiliar-se do partido, por carta. Como peixes pequenos, Bargas e Veloso, se vierem a ser expulsos, não comoverão a platéia.
Encerrada a encenação petista, Lula vai todo fagueiro ao seu primeiro debate televisivo com o adversário Geraldo Alckmin, na noite de domingo. Certamente dirá que o PT e seu governo não escondem as sujeiras debaixo do tapete, embora fatos pregressos mostrem o contrário. Mas se podem ser compreendidas num partido político, manobras desse tipo não se concebem numa investigação, de 'Estado republicano' como diria Garcia, conduzida pela Polícia Federal. A força subordinada ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, vem se comportando na apuração do caso do dossiê com uma discrição além da conta. Até as fotos da montanha de cédulas de dinheiro, em real e dólar, só chegaram à imprensa porque um delegado despeitado as passou por baixo do pano. Com esse andar da carruagem, é de duvidar que algum dia a PF aponte os verdadeiros mandantes do crime e, junto com eles, a origem do 1,75 milhão de reais apreendidos com os dois intermediários petistas presos perto do aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Está aí uma aposta, válida principalmente para depois do encerramento da eleição presidencial.

Assunto urgente

A cláusula de barreira, um dispositivo da Lei dos Partidos Políticos destinado a reduzir a mixórdia atual do panorama partidário no país, está sendo aplicada pela primeira vez neste ano com muitas dúvidas remanescentes. A confusão é tanta que até o Tribunal Superior Eleitoral dá três interpretações para o número de agremiações que teriam cumprido a exigência da lei nas eleições do último domingo. Numa delas, surgem 10 partidos habilitados. Noutra, 7. E, na terceira, 6. Nesta última, figuram PMDB, PT, PSDB, PFL, PP e PSB. Na penúltima, aos seis se agrega o PDT.
As dúvidas não se referem apenas à interpretação da cláusula em si (uma delas é: valem todos os votos ou apenas os de candidatos a deputado federal?), segundo a qual uma legenda deve conquistar pelo menos 5% dos votos válidos em todo o país e 2% em nove estados para ter direito a participar do sistema de lideranças na Câmara e no Senado, nomear representantes para as comissões permanentes e temporárias e manter seu tempo na propaganda gratuita de rádio e TV e seu quinhão no Fundo Partidário. Os parlamentares eleitos pelas agremiações não cumpridoras da cláusula, condenados a uma atuação isolada no Congresso, já foram apelidados de 'zumbis', ou seja, mortos-vivos.
Para escapar desse destino, é compreensível que eles e sua direção partidária se entreguem agora com sofreguidão à tentativa de fundir ou incorporar, na forma ativa ou passiva, suas agremiações com outras. Mas também aqui o TSE se mostra dividido. O presidente do tribunal, ministro Marco Aurélio Mello, no início contrário à idéia das fusões e incorporações, recuou ao ouvir outros membros da corte. Como se trata de um ponto da legislação capaz de provocar diversos recursos contestatórios por parte das legendas, o assunto provavelmente precisará ser levado, e rápido, ao plenário do TSE.
O ministro Mello está coberto de razão quando põe em dúvida, em nome da moralização dos costumes políticos, a aceitabilidade de uma concentração partidária feita ao arrepio das coligações costuradas para as eleições. Mas tudo indica que o TSE se curvará a razões práticas, pois a aplicação a ferro e fogo da letra da lei poderia vir a prejudicar a atuação parlamentar de cerca de um quarto do Congresso eleito.
A profusão de legendas nanicas, até agora, serviu muito mais para atrasar o avanço da democracia no Brasil do que para contribuir com ele. Vários desses partidos, vistos como monotemáticos em matéria de programa por não poderem dizer mais com seus escassos tempos na TV, não têm tido outra serventia além de se alugar a políticos conhecidos, como aconteceu ainda agora com a eleição para o Senado do ex-presidente Fernando Collor, a bordo do PRTB do homem do aerotrem, Levy Fidelix. Contudo, se a cláusula de barreira estivesse em vigor desde as eleições de 2002, como antes se previa, talvez não pudéssemos ter assistido a atuações como as de Fernando Gabeira, Chico Alencar, Heloísa Helena e mesmo do presidente do Conselho de Ética da Câmara, Ricardo Izar, todos eles beneficiados em sua combatividade, na atual legislatura, pela condição de liderança ocupada em pequenos ou médios partidos.
A longo prazo, mantida a cláusula, o Brasil pode aproximar-se do modelo prevalecente nas democracias avançadas, que funcionam muito bem com apenas duas ou três grandes legendas. Um número restrito de partidos convém aos eleitores, porque facilita a identificação ideológica dos políticos. Estes, por sua vez, vêem-se forçados à fidelidade de filiação, em vez de ficar pulando de sigla em sigla como acontece hoje no país.
Um modelo ideal para o Brasil poderia ser o de três partidos, um de centro e dois outros para as extremidades do arco ideológico. Algo assim como o PFL ocupando o lado direito, na companhia do PP, do PL e de metade do PMDB; o PSDB no centro, junto com a outra metade do PMDB, mais o PPS, o PTB e partes do PSB, do PDT e até do PT; e no lado esquerdo o PT, que teria de volta o pessoal do PSOL e do PV e juntaria o restante dos partidos ditos trabalhistas. Com certeza, esse sistema restrito confundiria menos a cabeça dos eleitores do que hoje, mesmo que ao longo do tempo os programas partidários tendessem a convergir para o centro, forçados pela realidade capitalista da economia.

sexta-feira, 6 de outubro de 2006

Desapego aos fatos

Dos vários assuntos nos quais o presidente-candidato Lula deveria ser mais bem assessorado para não dizer bobagens, um é a economia. A respeito dos programas heterodoxos de combate à inflação adotados desde a década de 80, num ciclo encerrado com o Plano Real, em 1994, Lula afirmou ontem o seguinte, de acordo com o jornal O Estado de S. Paulo: "Podemos pegar o Plano Collor, o Verão, o Bresser, o Real e podemos ir pegando outros planos para ver quanto tempo duraram". E arrematou: "O mais importante deles, que teve a maior política de distribuição de renda deste país, o Plano Cruzado, durou de 26 de fevereiro de 1986 até as eleições de novembro".
A referência à duração dos planos só pode ter ocorrido por um lapso de Lula. O Cruzado, de autoria da equipe do então ministro da Fazenda, Dilson Funaro, de fato existiu no período citado até acabar no estelionato eleitoral cometido pelo governo José Sarney, em novembro de 1986, quando mal fechadas as urnas o então presidente mandou editar o Cruzado 2, com uma alta generalizada de preços artificialmente represados. O plano durou, portanto, apenas nove meses. Já o Real, criado pela equipe do então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, no governo Itamar Franco, em junho de 1994, dura até hoje, portanto há mais de doze anos. Logo, foi uma referência totalmente sem sentido.
Lula parece ter apagado da memória também que seu partido, o PT, foi contra tanto o Cruzado quanto o Real, por ver neles prejuízos à classe trabalhadora pelo achatamento da renda. Agora muda o discurso e o conceito acerca dos programas de estabilização, mas não o desprezo pela matemática. Se o PT nunca conseguiu entender, por ter fugido da escola, que a simples redução da inflação já resulta no aumento da renda dos trabalhadores e da população em geral, e não no achatamento, Lula demonstra hoje ter aprendido apenas parcialmente essa lição. É verdade que o Cruzado promoveu uma distribuição de renda com o congelamento de preços, porque o ônus do processo inflacionário sempre recai mais sobre os pobres do que os ricos, mas o Real fez muito mais nesse sentido. Não só por sua maior durabilidade como também pelo fato de que, na época da adoção do Cruzado, a inflação era de cerca de 15% ao mês, enquanto na do Real chegava a quase 50%.
Lula, certamente, quis com sua fala agradar o aliado Sarney e jogar pedras no telhado do adversário Geraldo Alckmin, candidato da coligação PSDB-PFL. Deu-se mal porque exagerou na retórica e falseou nos números.

Preto no branco

"Lula falou, em entrevista coletiva após o anúncio do segundo turno, que nos debates vai comparar os feitos de seu governo com os do anterior. Creio que precise ser perguntado a ele: se seu governo não tivesse vindo depois do de FHC, que consolidou o real, a Lei de Responsabilidade Fiscal, combateu bravamente a inflação, saneou os bancos via Proer, deu trilho seguro à economia do Brasil e pôde enfrentar, sem tantos prejuízos para o país, cinco crises mundiais, renegociou a dívida com os estados e continuou a redistribuição de renda iniciada por Magalhães Teixeira (PSDB) em Campinas, com seu Bolsa-Escola, combate ao trabalho infantil, etc. - que, juntados, deram origem ao Bolsa-Família -, Lula teria condições de realizar todos os feitos que apregoa? E não se pode esquecer que FHC sempre teve de lutar contra o PT, que não queria aprovada nenhuma dessas medidas."
(Eni Maria Martin de Carvalho, na coluna Fórum dos Leitores do jornal O Estado de S. Paulo de hoje)

terça-feira, 3 de outubro de 2006

Questão de estilo

Um tanto quanto desenxabido pela surpresa negativa do primeiro turno, o comando político da campanha do presidente-candidato Lula anuncia agora que partirá para o ataque. Para tanto, já convocou para participar do esforço conjunto governadores eleitos do PT tidos como bons de voto, entre eles Jaques Wagner, da Bahia, e Marcelo Déda, de Sergipe. E também o boquirroto ex-ministro da Integração Nacional Ciro Gomes, eleito deputado federal pelo Ceará e cuja maneira de se expressar, com violência desmedida a propósito de qualquer assunto, por vezes passa a impressão de ser ele alguém mentalmente desequilibrado. Ontem, ao sair de uma reunião com o comando, no Palácio da Alvorada, fiel ao seu estilo Ciro foi logo enumerando para os repórteres o que a seu ver são escândalos não apurados da gestão Fernando Henrique, como os casos Marka, FonteCindam, Sudam e da privatização da telefonia. "Se falhas houve, vamos corrigi-las", disse, referindo-se à campanha do primeiro turno. "Não é razoável que o país seja induzido a esquecer que essa gente da coalizão PSDB-PFL são os recentes responsáveis pelos mais graves escândalos impunes da história republicana brasileira." O deputado não explicou por que considera esses casos mais graves que os do mensalão, do dossiegate e da máfia dos sanguessugas, nem lhe foi perguntado se ele se esqueceu de que até alguns anos atrás fazia parte dos quadros do PSDB.
Para não dar outro tiro no pé, como se referiu ao escândalo do dossiê promovido por seus companheiros petistas, o presidente Lula faria melhor se ouvisse gente dotada de mais equilíbrio em sua campanha para o segundo turno, em especial quando for aos debates televisivos que agora não quer desperdiçar. Uma voz sensata, por exemplo, é a do ex-ministro das Relações Institucionais Jaques Wagner, que na maior proeza destas eleições conseguiu derrotar as forças do senador Antonio Carlos Magalhães na Bahia. Wagner disse considerar imprescindível a expulsão dos petistas envolvidos no escândalo do dossiê. Segundo ele, o partido precisa tomar essa atitude para evitar o risco de uma repetição do episódio. "Quando se começa a abrir qualquer tipo de pequena exceção, a pequena exceção acaba virando uma grande exceção", ponderou - coberto de razão, ao que parece, porque a julgar pelo resultado de domingo passado isso de empurrar a sujeira para debaixo do tapete não dá muito certo.
Por falar em Wagner e nas forças por ele derrotadas, na sessão de hoje à tarde do Senado ocorreu uma divertida troca de farpas entre o senador Antonio Carlos Magalhães e seu colega paulista, Eduardo Suplicy, do PT. Com aquele jeito educado, quase doce de sempre, Suplicy indagou ao baiano - que discursava da tribuna ressentido com a derrota e prometendo fazer de tudo pela vitória de Geraldo Alckmin no segundo turno, para dar o troco - se o resultado amargo na Bahia não se devera à falta de diálogo com o PT e às ofensas que ele, ACM, dirigira algumas vezes a Lula. A resposta, também como sempre no senador baiano, veio rápida e ferina: "Se Vossa Excelência, que é do PT, tem diálogo difícil com o presidente e seu partido, como posso dialogar com esse grupo de seu partido que não é o seu?", devolveu ACM. E completou: "Agora, Vossa Excelência, mesmo com seu estilo, sempre foi um homem com uma popularidade imensa em São Paulo. No entanto, desta vez o senhor teve uma votação apertada e perigosa. Seria por causa do seu estilo?" Faltaram palavras ao meigo Suplicy para a tréplica.

O fulcro do debate

Alguns analistas políticos, entre eles Fernando Abrucio, doutor em Ciência Política pela USP e professor da FGV e da PUC em São Paulo, afirmam que a população deve exigir uma discussão mais programática e menos ligada aos escândalos de corrupção, durante a campanha deste mês para o segundo turno da eleição presidencial. "Será um desserviço ao país se o debate continuar restrito às questões éticas", disse o professor no último domingo, em entrevista à TV Cultura de São Paulo.
Este blog se permite discordar frontalmente. Nenhuma eleição para presidente pode prescindir da avaliação da ética dos candidatos, mesmo quando o pleito ocorre num país não muito bem colocado no ranking mundial da moralidade em política e negócios, como o Brasil. O combate à corrupção e a outros desvios de conduta no setor público precede tudo o mais, até pela necessidade de uma nação ser guiada pelo bom exemplo vindo de seus governantes. Trata-se de um fundamento essencial à formação da nacionalidade.
Quando envolvimentos extra-conjugais são elevados à condição de escândalo nos países originados de maioria anglo-saxã, a ponto de derrubar um primeiro-ministro inglês e ameaçar de impeachment um presidente americano, ou ainda de obrigar um candidato presidencial bem cotado a desistir da campanha, o eleitorado não age nem com excesso de puritanismo nem com hipocrisia. É que, nesses países, existe o conceito arraigado de que o homem público, sobretudo o ocupante de cargo máximo ou aspirante a ele, tem de ser alguém acima de qualquer suspeita, não só com a ficha limpa como mandatário e político mas também com uma imagem imaculada como cidadão, chefe de família ou simples membro da comunidade. Apesar da soma de pecados e pecadilhos da média dos eleitores, estes não hesitam em jogar a primeira pedra sobre seus representantes do governo e do Parlamento, caso fujam desse figurino de super-homem. É como se dissessem: "Façam o que digo, não o que faço". E os homens públicos aceitam esse jogo como um preço a pagar por suas aspirações.
Por aqui, no Brasil, tendemos a perdoar com facilidade as tentações da carne, concentrando a atenção no comportamento dos políticos em suas funções eletivas. Ou seja, somos bem menos exigentes do que americanos ou ingleses nessa matéria. Portanto, querer que abramos mão também do crivo ético é demais.
No que se refere aos dois disputantes do segundo turno da eleição presidencial, além disso, a discussão centrada em programas de governo poderia soar ociosa, senão artificial. Pouco adiantaria a Lula, com todo o descrédito que pesa contra si depois de sucessivos escândalos de corrupção e um currículo de promessas não cumpridas no primeiro mandato, dizer que tudo será diferente se for reeleito. Ninguém que não tenha votado nele no último domingo se deixaria comover com esse discurso. Já seu adversário Geraldo Alckmin, bem ao contrário, beneficia-se de imagem limpa como homem público, reconhecida até nas hostes inimigas, e do fato de ter feito um esplêndido governo no estado de São Paulo. Herdeiro de finanças saneadas pelo antecessor, Mário Covas, realizou uma miríade de pequenas e grandes obras mantendo ao mesmo tempo a austeridade fiscal, inclusive com redução de impostos, numa proeza comprovadora de que o segredo da boa gestão pública reside no binômio moralidade e eficiência, justamente o que ele promete levar para o governo federal. O reconhecimento dos paulistas se expressou por um índice de aprovação superior a 60% ao final de seu mandato. Foi também graças em grande parte à sua atuação como governador que ele derrotou Lula no estado, no primeiro turno da eleição presidencial, por 54% a 37%, com quase 4 milhões de votos de diferença.
No próximo dia 29, portanto, estarão frente à frente para os eleitores dois candidatos de currículos mais do que conhecidos como gestores públicos. Um tem extensa folha de realizações para exibir. O outro tem também folha longa, mas de discursos demagógicos e autólatras proferidos durante intermináveis quatro anos. Se for para escolher pensando no que cada um deles fará no governo, não só para trazer de volta o crescimento mas também para promover as reformas de que o país tanto necessita, a decisão é fácil. E se for para escolher com base na questão ética, mais fácil ainda.

segunda-feira, 2 de outubro de 2006

Primeiras conclusões

Enquanto o Tribunal Superior Eleitoral se prepara para proclamar o resultado final das eleições do domingo, os números totalizados pela corte até a 01h44 desta segunda-feira, com 99,98% dos votos apurados, já são mais do que suficientes para permitir algumas conclusões iniciais afora a óbvia, de que o Brasil, com uma tecnologia caseira, consegue pelo menos nesse campo dar uma lição ao mundo sobre como agir para garantir a lisura e a celeridade de um processo democrático realizado com maciça participação popular e num país de dimensões continentais. Vamos a elas:
1. O PSDB sai como o grande vitorioso do dia com a surpreendente votação, de quase 42%, obtida por seu candidato presidencial Geraldo Alckmin, por quase ter virado o jogo à última hora com seu candidato ao Senado por São Paulo, Guilherme Afif Domingos, do PFL, na disputa com o favoritíssimo Eduardo Suplicy, do PT, e ainda por ter eleito quatro governadores e cinco senadores e ir para o segundo turno com mais três concorrentes a governador.
2. Ainda sobre o PSDB, ficou evidenciado que o governador Aécio Neves, reeleito com consagradores 77% para um segundo mandato em Minas Gerais, contra apenas 22% dados ao segundo colocado, Nilmário Miranda, do PT, pouco fez para ajudar o candidato presidencial de seu partido no estado. Quem recebe votação tão maciça certamente poderia ter evitado que Alckmin perdesse de Lula, em Minas, por 1 milhão de votos de diferença. Muito maior apoio o candidato presidencial recebeu em Roraima e Rondônia, lá no Norte do país, onde venceu seu adversário Lula com a ajuda do correligionário Ottomar, no primeiro estado, e de Ivo Cassol, do coligado PPS no segundo, ambos eleitos governadores.
3. O PT reforça a imagem de partido nordestino ao eleger três governadores na região e mais um no Acre. Sua maior proeza foi desbancar o carlismo na Bahia, com a vitória de Jaques Wagner, ex-ministro de Lula. Mas ninguém pode garantir que, sem o atual presidente como puxador de votos, o partido conseguiria os mesmos resultados no Nordeste.
4. Heloísa Helena partiu para o sacrifício como candidata presidencial pelo PSOL, para ajudar o partido a atingir os percentuais mínimos de votação no país exigidos pela cláusula de barreira. Desde o início, sabia que não seria eleita. O que talvez não imaginasse é que na sua vaga de senadora por Alagoas acabasse entrando o ex-presidente impichado Fernando Collor, seu inimigo político.
5. O voto leniente e o de deboche novamente marcaram presença nestas eleições. Não só voltam para o Congresso vários mensaleiros, junto com o ex-ministro Palocci da república de Ribeirão Preto, como ainda o veterano Paulo Maluf de longo prontuário, o ex-costureiro Clodovil e o Enéas da bomba atômica estão entre os mais votados para deputado federal, em São Paulo.
6. Para compensar essa falseta cometida por parte do eleitorado, cresce a presença das mulheres no primeiro time da política nacional. Nenhuma delas foi eleita ainda governadora, mas cinco disputam o segundo turno: Roseana Sarney (PFL), no Maranhão, Ana Júlia Carepa (PT), no Pará, Vilma (PSB), no Rio Grande do Norte, Denise Frossard (PDT), no Rio de Janeiro, e Yeda Crusius (PSDB), no Rio Grande do Sul. Além disso, quatro foram escolhidas senadoras, Kátia Abreu (PFL) pelo Tocantins, Maria do Carmo (PFL), esta reeleita por Sergipe, Rosalba Ciarlini (PFL), pelo Rio Grande do Norte, e Marisa Serrano (PSDB), por Mato Grosso do Sul.

Primeiras conclusões

Enquanto o Tribunal Superior Eleitoral se prepara para proclamar o resultado final das eleições do domingo, os números totalizados pela corte até a 01h44 desta segunda-feira, com 99,98% dos votos apurados, já são mais do que suficientes para permitir algumas conclusões iniciais afora a óbvia, de que o Brasil, com uma tecnologia caseira, consegue pelo menos nesse campo dar uma lição ao mundo sobre como agir para garantir a lisura e a celeridade de um processo democrático realizado com maciça participação popular e num país de dimensões continentais. Vamos a elas:
1. O PSDB sai como o grande vitorioso do dia com a surpreendente votação, de quase 42%, obtida por seu candidato presidencial Geraldo Alckmin, por quase ter virado o jogo à última hora com seu candidato ao Senado por São Paulo, Guilherme Afif Domingos, do PFL, na disputa com o favoritíssimo Eduardo Suplicy, do PT, e ainda por ter eleito quatro governadores e cinco senadores e ir para o segundo turno com mais três concorrentes a governador.
2. Ainda sobre o PSDB, ficou evidenciado que o governador Aécio Neves, reeleito com consagradores 77% para um segundo mandato em Minas Gerais, contra apenas 22% dados ao segundo colocado, Nilmário Miranda, do PT, pouco fez para ajudar o candidato presidencial de seu partido no estado. Quem recebe votação tão maciça certamente poderia ter evitado que Alckmin perdesse de Lula, em Minas, por 1 milhão de votos de diferença. Muito maior apoio o candidato presidencial recebeu em Roraima e Rondônia, lá no Norte do país, onde venceu seu adversário Lula com a ajuda do correligionário Ottomar, no primeiro estado, e de Ivo Cassol, do coligado PPS no segundo, ambos eleitos governadores.
3. O PT reforça a imagem de partido nordestino ao eleger três governadores na região e mais um no Acre. Sua maior proeza foi desbancar o carlismo na Bahia, com a vitória de Jaques Wagner, ex-ministro de Lula. Mas ninguém pode garantir que, sem o atual presidente como puxador de votos, o partido conseguiria os mesmos resultados no Nordeste.
4. Heloísa Helena partiu para o sacrifício como candidata presidencial pelo PSOL, para ajudar o partido a atingir os percentuais mínimos de votação no país exigidos pela cláusula de barreira. Desde o início, sabia que não seria eleita. O que talvez não imaginasse é que na sua vaga de senadora por Alagoas acabasse entrando o ex-presidente impichado Fernando Collor, seu inimigo político.
5. O voto leniente e o de deboche novamente marcaram presença nestas eleições. Não só voltam para o Congresso vários mensaleiros, junto com o ex-ministro Palocci da república de Ribeirão Preto, como ainda o veterano Paulo Maluf de longo prontuário, o ex-costureiro Clodovil e o Enéas da bomba atômica estão entre os mais votados para deputado federal, em São Paulo.
6. Para compensar essa falseta cometida por parte do eleitorado, cresce a presença das mulheres no primeiro time da política nacional. Nenhuma delas foi eleita ainda governadora, mas cinco disputam o segundo turno: Roseana Sarney (PFL), no Maranhão, Ana Júlia Carepa (PT), no Pará, Vilma (PSB), no Rio Grande do Norte, Denise Frossard (PDT), no Rio de Janeiro, e Yeda Crusius (PSDB), no Rio Grande do Sul. Além disso, quatro foram escolhidas senadoras, Kátia Abreu (PFL) pelo Tocantins, Maria do Carmo (PFL), esta reeleita por Sergipe, Rosalba Ciarlini (PFL), pelo Rio Grande do Norte, e Marisa Serrano (PSDB), por Mato Grosso do Sul.

domingo, 1 de outubro de 2006

Haverá segundo turno

Aleluia! O inacreditável, ainda há alguns dias, aconteceu. A eleição presidencial vai para o segundo turno, com Lula e Geraldo Alckmin. Neste momento, às 22h30 do domingo, o que garante esse resultado é o atraso na apuração dos votos no estado de São Paulo.
Em todo o país, segundo o Tribunal Superior Eleitoral, às 22h10 já tinham sido apuradas 90,98% das cédulas eleitorais habilitadas, de 125,9 milhões. Desse total, que sem os brancos e nulos resultava, no horário, em 87,2 milhões de votos válidos, Lula ficava com 49,34% e Alckmin com 40,79%.
Ocorre que, em São Paulo, a apuração estava ainda em 66,72%, com Alckmin livrando uma vantagem de cerca de 2,7 milhões de votos em relação a Lula. E como o estado possui um eleitorado gigantesco, de 28 milhões, menor em apenas cerca de 6 milhões ao de todo o Nordeste e francamente favorável ao ex-governador paulista (55% contra 36% de Lula, com dois terços dos votos apurados), a tendência que surgia nítida no horário era a de Alckmin subir e Lula descer até o final da apuração.
E sem os 50% mais 1 dos votos válidos que garantiriam sua reeleição já neste domingo, o presidente-candidato não tem outro remédio a não ser ir para o segundo turno. Azar dele e sorte do país.

A sorte está lançada

Será? Até uma semana atrás, os institutos de pesquisa indicavam que a fatura da eleição para presidente da República seria liquidada já neste dia 1.o, em turno único. Algo mudou desde então, porque ontem se divulgou que na última sondagem do Ibope antes do pleito (a de boca-de-urna, pela lei, só pode ser conhecida após o início da apuração dos votos) os adversários do presidente-candidato Lula obtinham no total dois pontos percentuais a mais que ele, 51% contra 49% dos votos válidos, enquanto o Datafolha registrava um empate em 50% a 50%. Dependendo da margem de erro, para cima ou para baixo, poderemos portanto ter segundo turno para a escolha do primeiro-mandatário da nação.
Se isso acontecer, será um pesadelo para os quadrilheiros da entourage de Lula, cujas ações levaram o país a transformar-se numa imensa delegacia de polícia e imaginavam continuar sem sustos com a boquinha, por mais quatro anos. Mas será um sonho renovado para todos os cidadãos que anseiam por um destino melhor para o Brasil do que o de ser dirigido por uma chusma de assaltantes de cofres públicos.
Todas as conquistas obtidas anteriormente no sentido de moralizar a gestão pública sofreram uma marcha-à-ré neste governo. Jamais se viu também, desde o restabelecimento das liberdades políticas com o fim da ditadura militar, tamanha ingerência do Executivo no Legislativo, a ponto de se comprarem consciências e votos de parlamentares com malas de dinheiro. E na frente econômica, com a herança da gestão anterior chamada de maldita pelos petistas mas mantida pelo governo, as melhoras observadas na renda e nos fundamentos da economia foram fruto, sobretudo, de uma conjuntura internacional extremamente favorável, com farta liquidez de recursos a beneficiar os países emergentes como o Brasil. Em outras palavras, o governo Lula nada mais fez do que rezar pela mesma cartilha que tachava de neoliberal no governo Fernando Henrique, e por isso se habilitou a colher os resultados positivos propiciados pela situação internacional. Se tivesse mudado a política econômica, a tal 'herança maldita', e adotado o que sempre preconizaram os limitados cérebros petistas, o Brasil estaria hoje mais próximo do caos do que nunca esteve nos últimos vinte anos.
Em suma, o PT cospe no prato em que seu governo come, mas permite que ele continue a usá-lo porque não tem competência para encontrar um melhor. Tanto isso é verdade que, nas adaptações que conseguiu fazer para deixar o modelo um pouco mais com a sua cara, só piorou. O superávit primário para manter a inflação sob controle passou a ser gerado, no governo Lula, à custa do aumento de impostos e não da redução de despesas, o que condena o país a crescimentos medíocres no PIB. E na junção malandra dos programas sociais compensatórios criados na gestão Fernando Henrique, para fazer o Bolsa-Família, transformou o que antes servia para educar um país para o futuro num instrumento meramente eleitoral, a serviço do projeto de poder petista. É com os milhões de votos arrebanhados em troca de um prato de comida aos miseráveis, por esse programa cujo nome mais apropriado seria Bolsa-Esmola, que Lula pode pensar em mais um mandato. Sem esse ganho, muito provavelmente seria posto fora de combate hoje mesmo.
A sorte, de todo modo, está lançada. Vamos às urnas. E com a esperança renovada de termos mais um mês para tentar pôr para correr do governo o populismo, as baixarias e o atraso representados pelo lulo-petismo no Brasil.