quarta-feira, 28 de março de 2007
Um novo confisco
O que está em curso é uma espécie de segundo confisco da poupança da população. Para se ter uma idéia do tamanho da maroteira, calcula-se, segundo alguns especialistas consultados pela repórter Márcia De Chiara, do jornal O Estado de S. Paulo, que os bancos públicos e privados estão devendo cerca de 1,9 trilhão de reais em indenizações aos poupadores, por conta de correções monetárias a menor feitas nos planos heterodoxos de combate à inflação Bresser (1987), Verão (1989), Collor 1 (1990) e Collor 2 (1991). Esse valor corresponde a cerca de um ano todo de PIB brasileiro, ou seja, algo como 900 bilhões de dólares em moeda atual. E o direito a ter esse ressarcimento é líquido e certo para os poupadores em geral, porque resulta de muitas ações judiciais já transitadas em julgado, com ganho de causa dado aos impetrantes contra os bancos.
Em tal circunstância, como um governo digno desse nome deveria agir? Obviamente, em primeiro lugar alertando a população sobre o fato. Em segundo, instruindo-a sobre os procedimentos necessários. Em terceiro, assumindo a ação coletiva, como defensor da população, colocando em jornais, revistas e sites um formulário a ser preenchido e entregue a algum órgão público para que este o encaminhe aos bancos. E, em quarto, mandando os bancos pagarem o que devem.
Mas alguém viu ou ouviu alguma declaração de um ministro do governo sobre isso? Leu algum anúncio colocado em site, jornal ou revista? Recebeu alguma instrução a respeito? Certamente que não. O governo se omite e cala, o que é sinônimo de proteger os banqueiros, em vez da população. E os banqueiros, para defender seus régios lucros, hoje maiores do que em qualquer outra época no país, também ficam mudinhos, com cara de santo. Nenhum comunicado aos clientes, de quem tomam tanto dinheiro. Só se mexem quando o poupador vai a uma agência reclamar seus direitos, pedindo uma cópia da microfilmagem dos extratos de contas de poupança mantidas em determinados períodos dos planos heterodoxos. Mas não de graça, claro. Cobram 7 reais por folha de extrato.
O titular das contas de caderneta ainda tem de munir-se de muita paciência para obter o ressarcimento. Com as cópias dos extratos na mão, precisa contratar um advogado especializado e esperar durante cerca de longos três anos até a ação ser julgada. O dinheiro também não lhe chega por inteiro. Os honorários de um bom advogado estão na faixa de 20 a 25% do valor total da indenização. Alguns bancos oferecem um acordo para que o cliente possa ter abreviado o tempo de espera. Mas aí, além dos honorários advocatícios, o cliente paga mais 10% para o banco.
De toda forma, como pouco é melhor que nenhum, vale a pena ir atrás. Afinal, se você possuía caderneta de poupança naqueles períodos, o dinheiro é seu.
Aliás, não só a caderneta de poupança. O problema da correção monetária a menor afetou igualmente o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, o FGTS dos trabalhadores assalariados, porque o indexador utilizado para ambos sempre foi o mesmo, antigamente a ORTN, e depois a TR. Mas sobre isso o mutismo é ainda maior, já que a obrigação pelo pagamento passa a ser diretamente do governo.
Não custa lembrar, mais uma vez. Esse governo que aí está foi eleito por um partido que se diz dos trabalhadores. Imaginem o que faria se outro nome o partido tivesse.
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O passo-a-passo a seguir, de instruções para os poupadores, foi copiado da reportagem de Márcia De Chiara, publicada no caderno de Economia do Estadão do dia 20 de março último:
"Agência – Procurar a agência bancária na qual tinha poupança em 1987, 1989, 1990 e 1991.
Documentos – Munido de CPF e RG redigir um requerimento para o banco solicitando a microfilmagem do extrato da poupança para os seguintes períodos: junho e julho de 1987; janeiro e fevereiro de 1989; abril e maio de 1990; janeiro, fevereiro e março de 1991. (Comentário do blog: se você conhece o gerente do banco, peça a ele, não precisa redigir o requerimento.)
Comprovante – Exigir o protocolo da solicitação. O banco não pode cobrar mais do que 7 reais por folha de extrato. (Comentário: este procedimento também não é necessário se você conhece o gerente. Só não dá para evitar a tarifa.)
Profissional – De posse dos extratos, o poupador deve procurar um advogado especializado para entrar com o processo.
Cálculo – Se o saldo da poupança na época for de até 14 000 reais (40 salários mínimos), ou de até 21 000 reais (60 salários), o processo poderá correr no juizado especial estadual e federal, respectivamente, sem advogado. Nesse caso, o poupador tem de saber fazer o cálculo da correção a que tem direito. (Comentário: o cálculo é praticamente impossível para os leigos. De 1987 para cá, não só a moeda nacional mudou três vezes de nome como os índices de inflação adotados oficialmente, e que deram base à correção monetária, variaram entre INPC, IPC, de novo INPC e depois IPCA. Para se fazer a correção é preciso montar um número-índice com mudanças para os diferentes índices de inflação no mês exato de sua adoção. Outro complicador para se chegar às cifras em real é que, em 1990, no Plano Collor 1, o valor da moeda foi dividido por 1 000 uma segunda vez. A primeira tinha sido em 1986, com o Plano Cruzado.)
Valor – Em caso de processo comum, as custas ficam em torno de 1% do valor da causa, com pagamento na entrada do processo.
Honorários – Os honorários advocatícios variam de 20% a 25% do valor da causa, pagos quando o poupador recebe o dinheiro."
Enfim, vá ao banco e boa sorte. Neste caso, como em outros, você estará sozinho, porque esse governo que aí está prefere ficar do lado dos poderosos. Povo, para ele, só serve para apertar os botões da maquininha eletrônica nas eleições.
quinta-feira, 22 de março de 2007
O cérebro dos políticos
Para realizar o estudo, o psicólogo americano Marc Hauser, da Universidade Harvard, e o neurologista português António Damásio, da Universidade do Sul da Califórnia, lideraram uma equipe que submeteu diversos voluntários a um teste de perguntas morais relacionadas, algumas delas, a situações extremas, com a participação no grupo de seis portadores de lesão no córtex frontal ventromedial. O resultado do teste mostrou que estes últimos tendem a pensar de modo mais 'utilitário' que os demais, ou seja, enquanto os outros manifestam uma evidente dificuldade de escolha entre, por exemplo, o sacrifício de um filho e a salvação de várias pessoas, os portadores de lesão optam com frieza pela decisão que pouparia mais vidas.
Uma das perguntas feitas aos voluntários referia-se a uma situação imaginária na qual famílias estão escondidas num porão, com soldados inimigos em sua caça próximos delas, e um bebê começa a chorar. O que fazer? Permitir a descoberta do esconderijo ou tapar a respiração da criança por tempo suficiente para matá-la, para evitar que chorasse? Os portadores de lesão no córtex responderam que o correto seria matar a criança.
"Como os pacientes com a lesão que estudamos presumivelmente carecem de emoções sociais ou morais apropriadas, seus julgamentos são mais baseados em considerações utilitárias do que em fatores emocionais", explicou Michael Koenigs, um dos colaboradores de Hauser e Damásio, ao repórter da Folha. Isso não significa, segundo Koenigs, que essas pessoas se tornaram más ou cruéis. Apenas tendem a tomar suas decisões de modo mais calculista e frio, porque para perguntas situadas em contextos normais, não limítrofes, suas respostas foram semelhantes às dos demais participantes da pesquisa.
Os professores Hauser e Damásio cometeram apenas uma falha em seu estudo, talvez de propósito: não incluíram entre os voluntários pesquisados alguns representantes dos políticos brasileiros. Se o tivessem feito, provavelmente concluiriam que há um grupo de pessoas com problema congênito no córtex frontal ventromedial, e que em qualquer situação age somente de acordo com seus próprios interesses.
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Muitos políticos brasileiros, talvez a maioria, pautam suas ações pelo fisiologismo mais rasteiro, dando uma banana aos pruridos éticos e à coerência ideológica. Basta ver o que acontece na atual reforma ministerial. Na melhor tradição de mensaleiros e sanguessugas, consciências se vendem por trinta dinheiros, inimigos de ontem se tornam comensais hoje e ex-aliados tidos como fiéis mudam de banda por interesses contrariados. Um personagem emblemático, embora não ministeriável, pelo menos por ora, é o ex-presidente Collor. Chamado de ladrão por Lula não há muito tempo e, depois de devolver-lhe a ofensa qualificando-o de chefe de quadrilha no primeiro mandato do presidente petista, Collor ontem declarou-se emocionado por ser recebido por Lula no Planalto, com outros parlamentares de seu partido, o PTB. Desculparam-se ambos pelo respectivo destempero no passado? Não se sabe, porque se o fizeram isso não veio a público. Mas, se não o fizeram, é muito feio, porque agem com uma caradura de deixar enrubescido um monge de pedra.
Após ter votado em peso contra o governo na véspera, na tentativa de instalação da CPI do Apagão Aéreo pela oposição, o PDT ontem apoiou o recurso do PT que sepultou a iniciativa. O PT na oposição, como se lembra, sempre foi um campeão em pedidos de CPI. Só durante a gestão do tucano Geraldo Alckmin no governo de São Paulo quis instalar mais de 60. Motivo da transmutação do PDT: um emissário do Planalto fez saber ao partido que perderia o prometido Ministério da Previdência, caso mantivesse sua posição.
No outro extremo, o adesista de carteirinha Ciro Gomes, do PSB, votou contra a CPI de novo, juntamente com a colega Luiza Erundina. Motivo: seu partido perdeu a pasta da Integração Nacional, ocupada pelo próprio Ciro durante o primeiro mandato de Lula. E o afilhado político de Ciro, Pedro Brito, que vinha ocupando o Ministério, ficou a ver navios, porque Lula já escolheu Geddel Vieira Lima, do PMDB, como novo ministro. Geddel, como todos sabem, foi um dos mais contundentes críticos do petismo quando o presidente do país era Fernando Henrique Cardoso.
Para não deixar o PSB ao relento, Lula pensa em retirar do Ministério dos Transportes o setor de portos e aeroportos, para abrigá-lo numa Secretaria com status de Ministério. Seria a 35.a pasta ministerial do governo, número que dá uma idéia do apetite dos políticos brasileiros por cargos e benesses usufruídos com o dinheiro público. Mas aqui Lula encontra a resistência do PR, o ex-PL de Valdemar Costa Neto, aquele que vendeu o partido ao governo por 10 milhões de reais, conforme ele próprio confessou antes de renunciar ao mandato para não ser cassado. O PR, a quem o Ministério dos Transportes está prometido, não admite receber uma pasta com menos cargos do que no figurino original.
E assim la nave va. A maioria dos políticos cuida primeiro de si, como prova a votação do nababesco aumento salarial de 91% para os parlamentares federais, a ser realizada possivelmente ainda hoje. Quanto aos interesses dos eleitores, bem, mas isso é hora de lembrar-se deles quando o assunto em pauta é encher o próprio bolso?
segunda-feira, 19 de março de 2007
Miopia no marketing
A concentração excessiva das empresas nos estratos de consumo suntuário, sobretudo em países pobres como o Brasil, constitui de fato um dos maiores casos de miopia no marketing industrial. Ajudadas pela força de penetração da TV, as indústrias bombardeiam diariamente as donas-de-casa com o anúncio de seus produtos voltados mais para as classes A e B, de alimentos a artigos de higiene doméstica e pessoal. Ou seja, dirigem-se a 100% do público quando, na verdade, apenas 20% ou 30% dele tem poder aquisitivo para consumir produtos desse tipo.
A propaganda massiva causa prejuízos evidentes à administração de orçamentos familiares modestos. Quando uma dona-de-casa, influenciada pela TV, adquire um produto de limpeza ao dobro ou mais do preço de um similar de caráter popular, ela está, obviamente, reduzindo a verba doméstica reservada para os gêneros básicos que alimentam a família, bem como para os transportes e a educação.
As próprias empresas também acabam pagando o preço pela insensibilidade diante da realidade social. Um exemplo clássico, ocorrido no Brasil, foi o da indústria automobilística. Quando tinha o Fusca como seu carro-chefe, a Volkswagen chegou a dominar 70% do mercado brasileiro. Algum executivo de opacas luzes, no entanto, decidiu que o foco da empresa seria dirigido aos segmentos de maior poder aquisitivo, e a fabricação do popular carrinho foi abandonada. Não contente, a Volkswagen ainda associou-se à Ford em busca de economias de escala, numa fusão que tinha tudo para dar errado, pela diferença de cultura entre as fabricantes alemã e americana. Resultado: acabou com os burros na água, perdendo a liderança de mercado e os lucros, e precisou voltar atrás na associação com a Ford. Enquanto isso, a esperta Fiat italiana lançou seu carro popular, o Uno, na brecha aberta com a saída do Fusca, e passou a ocupar o lugar que antes era da Volks.
O alerta feito pelo vice-presidente da IFC, portanto, merece ser ouvido por todas as empresas produtoras de bens de consumo. Na América Latina, onde 70% da população se situa na faixa dos mais pobres do mundo, não faz sentido um marketing concentrado em consumo suntuário. Os fabricantes, evidentemente, não precisam renunciar aos lançamentos mais elaborados, que dão maior lucro por unidade. Mas seria mais inteligente ampliar as opções para o mercado, com a oferta simultânea de produtos populares. Tal estratégia contribuiria não só para reforçar o conhecimento do nome da empresa, detalhe essencial na disputa pelos consumidores, como também para tornar mais estável no tempo o fluxo de receitas e lucros.
Nesse sentido, a indústria de celulares tem tido um comportamento exemplar, no Brasil como no resto do mundo. A ampla gama de seus produtos atende a praticamente todos os gostos e necessidades. Quem só quer telefonar tem os seus modelos, assim como aquele que também quer ouvir música, ver vídeos ou tirar fotografias. Para tornar completo o leque, falta um aparelho que permita sintonizar estações de TV, como já existe em outros países. Mas o serviço só terá sucesso com tarifa reduzida, porque ao atual custo por minuto ninguém quererá assistir por inteiro a um jogo de futebol ou a um capítulo de novela.
Nada se pode fazer, enfim, sem levar em conta o alcance do poder aquisitivo dos consumidores, se o objetivo dos fabricantes for o de ter uma ampla participação no mercado. Qualquer tentativa em contrário corre o risco de ser catalogada como de miopia no marketing.
sábado, 17 de março de 2007
Crimes hediondos
A justiça civilizada nunca pode rebaixar-se à barbárie dos transgressores, por mais que julgue crimes hediondos. É por isso que, mesmo admitindo a pena de morte, repudia a tortura. Não faz parte de seus desígnios a crueldade, ela tem de procurar apenas ser justa. Mesmo porque existe sempre o risco do erro, de reparação tão mais difícil quanto maior for o castigo imposto à vítima.
O justiçamento popular é condenável exatamente por não atentar para o princípio elementar que rege a justiça legal, o de punir somente depois de comprovado o delito. Se ele erra em sua avaliação apressada, quem há de reparar o prejuízo causado? Advogados sequiosos por dinheiro costumam inculpar o Estado, mas num caso como o de Daniele Toledo do Prado se torna evidente a soma da ganância à má-fé nessa atitude.
Mãe de uma menina de 1 ano e 8 meses, Victória Maria do Prado Iori Carvalho, pobre, Daniele passou por um calvário no Hospital Universitário de Taubaté, interior de São Paulo. Segundo o relato da repórter Simone Menocchi, do jornal O Estado de S. Paulo, entre uma internação e outra da filha no hospital ela foi violentada sexualmente por um estudante de medicina. Depois, quando a menina morreu, em outubro do ano passado, uma médica da equipe do hospital apontou como causa a existência de cocaína na mamadeira. A Polícia Civil comprovou os indícios da droga e Daniele foi presa, mandada para a penitenciária feminina de Pindamonhangaba, cidade vizinha a Taubaté. Lá, sofreu um justiçamento por parte das outras detentas. Além de apanhar, teve uma caneta tipo Bic enfiada na orelha e o tímpano rompido, mas só no dia seguinte foi transferida para um hospital e, depois, para outro presídio, em Tremembé, onde ficou por mais 36 dias até que um novo exame, feito nas vísceras da criança morta e na mamadeira, mostrou que não havia cocaína.
Estuprada, surda de um ouvido e ainda sem a filha, por quem tanto lutou, Daniele era afinal inocente do crime que lhe atribuíram. Ela hoje tem apenas 22 anos. Como você reagiria ao saber do que lhe aconteceu, se ela fosse sua filha, ou sua irmã? O golpe nela desferido pelo sistema repressor não foi tão cruel e hediondo quanto o arrastamento do menino João Hélio pelas ruas do Rio de Janeiro?
sexta-feira, 2 de março de 2007
Lente cor-de-rosa
Há onze anos, desde 1996, o Brasil vem crescendo abaixo da média mundial. Num ranking de 177 países elaborado pelo Fundo Monetário Internacional, FMI, com base no crescimento econômico obtido nos últimos dez anos, o Brasil ocupa apenas a 142.a posição. Ou seja, estamos na rabeira, no meio daquela turma que na corrida de São Silvestre só entra para fazer figuração.
Por que crescemos tão pouco? Há várias razões, mas uma das principais é a enormidade da carga tributária que sufoca a sociedade brasileira. No ano passado, o peso dos impostos alcançou o equivalente a 38,8% do PIB, um recorde, depois de aumentar de novo cerca de 1 ponto percentual, como nos anos anteriores. Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, IBPT, cada brasileiro pagou em média pouco mais de 4 400 reais durante o ano para sustentar o governo, aqui incluídos o federal, os estaduais e os municipais. "O excesso de tributação", disse o presidente do IBPT, Gilberto Luiz do Amaral, ao divulgar os dados ontem, "retira poder de compra dos salários, ao mesmo tempo em que aumenta o preço final de mercadorias e serviços, fazendo retrair o consumo, afastando investimentos produtivos e dificultando a geração de empregos formais".
Vivemos, enfim, uma situação deplorável por todos. Menos pelo presidente Lula, que ri e dança como a fazer troça da tristeza em volta. Em conversa com jornalistas durante o café da manhã de ontem no Planalto, segundo a colunista da Folha de S. Paulo, Eliane Cantanhêde, ele deu a seguinte declaração de boca cheia: "A área econômica está blindada pelo sucesso". Sucesso onde, cara-pálida? Será que ele pensa ser presidente de algum outro país?
terça-feira, 27 de fevereiro de 2007
O 79.o Oscar

Isso explica a série de injustiças cometidas ao longo da história do prêmio, que no entanto não chega a desmerecê-lo. Também nos festivais de cinema europeus mais importantes, Cannes, Veneza e Berlim, em que o júri é formado por um pequeno número de cineastas e artistas convidados, já houve decisões criticáveis. Além disso, o democrático colégio eleitoral do Oscar não se viu obrigado, nem neste ano, nem nos últimos vinte ou trinta, a fazer suas escolhas diante de uma safra de obras-primas. Ou seja, como os concorrentes ao prêmio de certa forma se equivaliam em torno de uma média elevada, a proclamação do resultado final, qualquer que fosse, não traduziria uma injustiça clamorosa.
Bem diferente foi o que aconteceu, por exemplo, em 1939. Naquele ano desfilaram diante dos membros da Academia, além do vencedor E o Vento Levou, de Victor Fleming, com Clark Gable e Vivien Leigh, clássicos absolutos como No Tempo das Diligências, um dos maiores westerns de John Ford, o número 1 do gênero, com John Wayne, O Mágico de Oz, a maravilhosa fábula com Judy Garland, dirigida também por Fleming, o inesquecível Ninotchka, com Greta Garbo, do mestre Ernst Lubitsch, A Mulher Faz o Homem, de Frank Capra, com um vibrante James Stewart, e sobretudo O Morro dos Ventos Uivantes, de William Wyler, com Laurence Olivier e Merle Oberon. Presença obrigatória em qualquer lista dos maiores filmes da história, O Morro (Wuthering Heights), conseguiu ser na condensação da linguagem cinematográfica até melhor do que o livro de Emily Bronté, no qual se baseou, num caso raro. Mesmo assim, perdeu o Oscar para o melodrama épico E o Vento Levou, bastante inferior a ele como obra de arte mas de grande sucesso nas bilheterias.
Onde talvez a 79a. premiação do Oscar tenha exagerado é no tom politicamente correto. Pela primeira vez houve uma mestre de cerimônias mulher, a apresentadora de TV Ellen De Generes, que não bastasse o gênero é ainda lésbica assumida. Simpática mas nada brilhante, as piadinhas sem graça de Ellen só parecem ter agradado mesmo é a Jack Nicholson, o cara que mais se diverte nas festas do Oscar. Ele ri por qualquer coisa. Riu até quando Ellen, em desespero de causa, começou a passar um aspirador de pó diante da primeira fila da platéia, para tentar parecer engraçada. A bola mais cantada do evento, a premiação de Martin Scorsese como melhor diretor, em sua sexta indicação, muito menos por Os Infiltrados e muito mais pelo conjunto da obra (ainda que seus melhores filmes sejam os de vinte ou trinta anos atrás), foi confirmada, assim como a do documentário ecológico Uma Verdade Inconveniente, produzido pelo ex-vice-presidente e candidato presidencial democrata derrotado pelo republicano Bush, Al Gore. A canção-tema do documentário, I Need to Wake Up (Preciso Acordar), que não é lá essas coisas, também foi premiada, dando à compositora e intérprete, Melissa Etheridge, outra lésbica assumida, a oportunidade de se referir à sua companheira como 'minha mulher' durante o agradecimento pela estatueta. Para completar, a escolhida para o prêmio humanitário Jean Hersholt foi Sherry Lansing, uma ex-atriz e ex-executiva da Paramount conhecida por suas ações em campanhas da Cruz Vermelha e de combate ao câncer.
Faz parte do espetáculo hollywoodiano, e também da concepção americana de vida, inserir em qualquer festa um chamado às massas para as causas nobres. Nada contra, mas o exagero incomoda. Um Oscar pelo conjunto da obra só faz sentido quando é concedido de forma honorária, e não por um filme qualquer. Charles Chaplin, Stanley Donen e o ator Peter O'Toole ganharam os seus dessa forma. No domingo foi a vez do compositor Ennio Morricone, que teve o discurso despojado e comovente, em italiano, traduzido por Clint Eastwood. A Academia faz com freqüência essa espécie de pedido de desculpas em público por erros cometidos no passado. Que, às vezes, são cabeludos. O'Toole, por exemplo, de novo candidato este ano, teve sua interpretação como o major T. E. Lawrence, em Lawrence da Arábia, clássico dirigido por David Lean, escolhida por críticos e colaboradores da prestigiosa revista americana Premiere, no ano passado, como a melhor de toda a história do cinema. No entanto, perdeu a estatueta de 1962 para Gregory Peck, de O Sol é para Todos (To Kill a Mockingbird), de Robert Mulligan. Além de galã um ótimo ator, Peck havia sido indicado antes quatro vezes sem levar o prêmio. Assim, levou o de 1962 pelo conjunto da obra, mesmo que seu trabalho como o advogado Atticus Finch não pudesse ser comparado à genial recriação de O'Toole para o torturado guerreiro inglês de terras árabes.
sábado, 24 de fevereiro de 2007
As casas mais caras

A revista americana Forbes, famosa pela lista dos homens mais ricos do mundo, é uma publicação de negócios que, além de elaborar primorosos perfis sobre empresários e bilionários, ultimamente tem diversificado a área de cobertura em seu assunto predileto, o do bem-viver propiciado pelo dinheiro de sobra. Em sua mais recente edição, a revista faz um apanhado das casas mais caras do mundo.
A primeira da lista é o castelo de Updown Court, em Windlesham, Surrey, na Inglaterra. Com o exagero de 103 quartos e outras acomodações, cercados por 58 acres de jardins e uma floresta nativa, a propriedade consegue ser maior que o Palácio de Buckingham, residência da rainha, e vale 70,3 milhões de libras, ou 138 milhões de dólares.
A segunda é a mansão construída, em estilo rancho, pelo príncipe Bandar bin Sultan bin Abdul Aziz, ex-embaixador da Arábia Saudita nos Estados Unidos, no alto de uma montanha em Aspen, no Colorado. Com 15 quartos e 16 banheiros, num imenso terreno de 95 acres, o Starwood Ranch, ou Hala Ranch, está avaliado em 135 milhões de dólares.
Ambas logo serão rebaixadas no ranking porque o magnata americano do ramo de construções, Tim Blixseth, dono de uma fortuna pessoal avaliada em 1,2 bilhão de dólares, está erguendo uma mansão em madeira e pedra dentro do parque nacional de Yellowstone, no Colorado, para passar seus fins-de-semana. E aos possíveis interessados ele já avisa que poderá vendê-la por 155 milhões de dólares.
Haja dinheiro para comprar casas assim. E também para mantê-las, com seus numerosos empregados.
terça-feira, 13 de fevereiro de 2007
Na zona do agrião
O virtuose Pagão foi, de fato, um centro-avante de fina estirpe. Perseguido por seguidas contusões com suas canelas de vidro, foi mandado embora do Santos mas se vingou do ex-time jogando pelo São Paulo. Infernizou de tal modo a defesa adversária que o Santos precisou fugir da raia para não sofrer um vexame histórico. Quando o placar já estava em 4 a 1 para os inimigos, Pelé e companhia aproveitaram o fato de ter dois jogadores expulsos para simular contusões até reduzir o time a 7, obrigando o juiz a encerrar a partida antes do tempo. Não se permitiam substituições naquela época.
O sucessor do branquelo Pagão no Santos, um negrinho endiabrado que estreou ao lado de Pelé com apenas 15 anos de idade, foi no entanto melhor do que ele. Antônio Wilson Vieira Honório, o Coutinho, começou logo em sua primeira partida oficial com dois gols na vitória do Santos por 3 a 0 sobre o Vasco da Gama, no torneio Rio-São Paulo de 1958, para dizer a que viera. Ficaram famosas no mundo todo suas tabelinhas com o Rei, sempre em sentido vertical e com conclusões letais, ora dele, ora do companheiro. Ali, dentro da área, ou da zona do agrião, como dizia o cronista e técnico João Saldanha, este blogueiro nunca viu ninguém mais perfeito. Como não conheci o jogo de Heleno, Friedenreich, Feitiço, Teleco, Servílio e Leônidas da Silva, não posso afirmar que Coutinho foi o maior de todos. Mas certamente mais do que Romário ele foi, apesar de o baixinho ter sido considerado um gênio na área até por Johan Cruyff, o comandante de ataque da seleção holandesa, a Laranja Mecânica que encantou o mundo na década de 70.
Em meados dos anos 60, o Corinthians montou um time de respeito, com o mestre Dino Sani, que se projetara no São Paulo, como volante, e o então novato Rivelino, o maior jogador que já defendeu as cores do clube, como meia-armador. A torcida compareceu em peso aquela noite ao Pacaembu, confiante em que seu time acabaria com o tabu contra o Santos, que vinha desde 1957.
Iniciado o jogo, Pelé quase não conseguia andar no gramado, tal a marcação exercida sobre ele. Dino dava as cartas no meio-de-campo, secundado por Rivelino. Houve um lance magnífico, desses de ficarem registrados para a história. A bola caiu entre Pelé e Dino. O Rei investiu como um touro, bem ao seu feitio. Só que Dino chegou antes, e com um leve toque tentou dar um chapéu no adversário. Ao ver a bola cruzando sobre sua cabeça, Pelé ergueu as duas mãos, apanhou-a e ofereceu-a a Dino. Não foi só um gesto cavalheiresco. Houve majestade nele, de um rei que se recusava a ser humilhado. Quem imaginaria um lance com essa qualidade, hoje em dia?
Pois bem, mas o jogo seguia quente, com muita marcação de parte a parte. Sem espaço, Pelé esticou três passes para dentro da área. E Coutinho fez os três gols. Sentado no cimento ao fim da partida, enrolado na bandeira e a expressão perdida, o corintiano desolado com os 3 a 0 era a imagem da torcida derrotada mais uma vez pelo quase invencível Santos daquela época.
Coutinho era de uma frieza irritante diante do gol. Nunca dava um chutão, apenas colocava a bola com sutileza, longe do alcance do goleiro. Parecia enxergar brechas na defesa que ninguém mais via.
Uma contusão séria e malcurada no joelho, mais a tendência precoce para engordar, abreviaram sua carreira. Por isso, jogou pouco também na Seleção brasileira. Pelo Santos, disputou 457 partidas e marcou 370 gols. Encerrou a carreira com apenas 27 anos, no Saad, de São Caetano do Sul, município do ABC paulista, depois de sair do Santos e ter uma rápida passagem por outros times, como o Vitória, da Bahia, o Bangu, do Rio, e o Atlas, do México.
Salve, Coutinho.
Reparação moral
Está coberto de razão o leitor. A corte suprema e o Parlamento não devem, de fato, tomar decisões de afogadilho, pressionados por uma opinião pública que se mostra chocada pela bárbara execução de uma criança, arrastada do lado de fora de um carro por 14 ruas e 7 quilômetros no Rio de Janeiro. Um motorista que emparelhou seu automóvel com o dos assassinos, um deles menor de idade, para avisar que havia um corpo do lado de fora, ouviu do condutor do veículo roubado, de acordo com evidências Diego Nascimento da Silva, de 18 anos: "É um boneco de Judas". João Hélio Fernandes, o garoto trucidado, tinha 6 anos, idade da inocência até para futuros assaltantes, estupradores e homicidas.
Mas se a feitura de leis e a aplicação deles requerem equilíbrio, o argumento usado contra a redução da maioridade penal no Brasil é pífio. Todos, da ministra Ellen Gracie ao presidente do Senado, Renan Calheiros, do ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior ao presidente da OAB, Cezar Britto, passando pelo advogado Ricardo Cabezón, presidente da Comissão de Direitos da Criança e do Adolescente da mesma entidade, afirmam que a diminuição de 18 para 16 anos da idade-limite para a condenação por crimes "não resolve o problema". E cada qual acrescenta, a seu juízo, o que seria preciso mudar nas condições sociais, econômicas e educacionais do país para ajudar as leis a se tornarem mais eficientes.
Podem até estar certos, de um ponto de vista global e humanista. Mas diante de um crime como o cometido contra João Hélio o que a família quer, e também a sociedade, é muito mais uma reparação moral do que a resolução do problema para evitar a morte de outras crianças. Além do mais, uma melhora substancial nas condições sócio-econômicas no Brasil somente ocorrerá, e com otimismo, décadas adiante. Até lá, como agiremos: faremos algo ou manteremos os braços cruzados, porque a simples mudança da lei não resolve?
Atualmente, um menor infrator permanece no máximo três anos recluso na Febem, não importa o tipo de crime, se um roubo, um latrocínio ou uma execução cruel, como a de João Hélio e da adolescente Liana Friedenbach, de 16 anos, estuprada e degolada a golpes de facão em Embu-Guaçu, São Paulo, pelo menor 'Champinha'. Como paliativo, a Justiça tem decretado a permanência do menor em manicômios judiciários após os três anos prescritos na lei. Agora, a OAB e o Congresso se mostram dispostos a aumentar o prazo máximo para cinco anos, o que também não passa de um paliativo.
Na Inglaterra e nos Estados Unidos, meninos de 12 anos já foram condenados à morte por assassinato. A pena capital continua em pleno vigor em vários estados americanos, e em certos países muçulmanos ela é aplicada, legalmente, pelos próprios familiares da vítima, de acordo com a Lei de Talião, 'olho por olho, dente por dente'. Seriam todos esses países bárbaros, e o Brasil o único civilizado? Por aqui, um assassino serial pode ser condenado a centenas de anos de prisão na soma dos crimes, mas a consolidação das penas reduz o tempo máximo de carceragem a 30 anos. E presos de boa conduta passam para o regime semi-aberto após cumprir apenas 1/6 da sentença condenatória. Nada de cadeira elétrica, injeção letal ou prisão perpétua. É o respeito servil aos direitos humanos – dos criminosos, não das vítimas.
A ambigüidade campeia. A população elege do presidente da República ao último dos vereadores, mesmo parte sendo analfabeta, e há gente do PT querendo eternizar Lula no Planalto por meio de um plebiscito com força constitucional. Mas ninguém leva adiante a idéia de convocar um referendo popular sobre a pena de morte. Obviamente, porque ela passará, contra toda a tradição católica do Brasil, a oposição da CNBB e da OAB e demais entidades e partidos políticos, a maioria de esquerda.
O azarão Obama

Obama em frente a uma estátua do Super-Homem: ele tem a força
Com a popularidade do atual presidente George W. Bush no fundo do poço, sobretudo por conta da desastrada intervenção militar no Iraque, o Partido Democrata tem grandes chances de voltar a ocupar a Casa Branca após as eleições do próximo ano. E com uma mulher, a primeira da história americana nesse cargo, a senadora Hillary Clinton, favorita disparada nas pesquisas.
Por tudo que precisou agüentar, sem perder a classe, durante e após o rumoroso caso de seu marido, o ex-presidente Bill Clinton, com a estagiária Monica Lewinski, e também por sua experiência, conhecimentos e simpatia, Hillary merece o favoritismo. Só que agora, no meio do caminho de uma futura indicação por seu partido, que parecia tranqüila, existe uma pedra. E ela se chama Barack Obama, o jovem senador negro, de 45 anos, pelo estado de Illinois. É extraordinário que na maior democracia do mundo o próximo presidente possa ser uma mulher ou um negro.
Há outros pré-candidatos pelo Partido Democrata, menos cotados: os veteranos senadores Joseph R. Biden, Jr., do Delaware, e Christopher John Dodd, de Connecticut; John Edwards, também senador, da Carolina do Norte, e candidato a vice na chapa democrata derrotada por Bush em 2004; o deputado federal Dennis Kucinich; os governadores de Iowa, Tom Vilsack, e do Novo México, Bill Richardson, este, um ex-secretário de Energia no governo Bill Clinton; e o ex-senador Mike (Maurice Robert) Gravel, o mais velho, de 77 anos. Nenhum deles deverá ser páreo para Hillary e Obama.
Carismático e articulado, Obama – que, por sinal, tem um 'Hussein' no seu nome completo, Barack Hussein Obama, Jr., para tormento de Bush – não é um militante das causas da raça. Já recebeu por isso não poucas críticas, tanto do movimento negro quanto de adversários brancos. Em 2000, quando concorria a uma cadeira na Câmara dos Representantes (Deputados), seu oponente, o republicano Bobby Rush, disse que ele "não era suficientemente negro" para merecer os votos de sua gente. Obama parece não dar importância a essas acusações, assim como para as mais recentes pesquisas, que indicam maciça preferência dos negros por Hillary, e não por ele.
Filho de pai africano, do Quênia, e mãe americana branca, do Kansas, que se conheceram num curso de extensão universitária em Honolulu, capital da ilha do Havaí, lá se casaram, geraram a criança e depois se divorciaram, o menino Obama foi criado pelos avós maternos e fez seus primeiros estudos na mesma ilha. O pai Obama foi para os Estados Unidos, onde se doutorou por Harvard, voltou para o Quênia e morreu num acidente de carro quando o filho tinha 21 anos. A mãe, Ann Dunham, morreu mais tarde, de câncer. Tinha-se casado de novo, agora com um indonésio, mantendo sua predileção pelas minorias.
Levado pelos avós para os Estados Unidos, Obama passou a adolescência em Chicago. Graduou-se em Ciência Política pela Universidade de Columbia, e depois em Direito, com louvor, por Harvard. Foi o primeiro presidente negro da prestigiosa Harvard Law Review, a revista de assuntos jurídicos da quase quadricentenária universidade. Abriu um escritório de advocacia para defender direitos civis e sempre trabalhou para os mais humildes, brancos ou negros. Eleito para o Senado estadual do Illinois, em 1996, e reeleito em 2002, elaborou leis que beneficiaram trabalhadores pobres com a devolução do Imposto de Renda, a ampliação do acesso ao sistema de seguro-saúde e a realização de campanhas preventivas contra a AIDS e o aumento da rede de assistência aos soropositivos. O único de seus projetos voltados especificamente para os negros foi o que fez instalar câmeras de vídeo nas salas de interrogatório policiais, para coibir a perseguição racial. Dá para ver, por esse currículo, que Obama é feito de outra extração, comparado ao atual presidente americano.
Casado com Michelle Robinson desde 1992, e pai de Malia, nascida em 1999, e Sasha, nascida em 2001, Obama se tornou conhecido no país ao ser eleito para o Senado americano em 2004, proferir um célebre discurso na convenção nacional de seu partido naquele ano e criticar seguidamente o governo, seja pela demora no atendimento das vítimas do furacão Katrina, seja pela campanha militar no Iraque. Sua pré-candidatura à Presidência dos Estados Unidos foi lançada no último sábado, no mesmo local (a antiga sede legislativa de Springfield, capital do estado de Illinois) em que Abraham Lincoln lançou a dele, em 1858. Obama, por enquanto, não passa de um azarão, mas que impõe respeito. Hillary que se cuide.
O cinema já mostrou um presidente americano negro, interpretado pelo grande ator Morgan Freeman, no filme Impacto Profundo (Deep Impact, de 1998). O que era mera ficção pode transformar-se em realidade, mais cedo do que se imaginava.
sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007
Os números do Enem

À divulgação dos números na quarta-feira pelo MEC seguiu-se uma onda previsível de críticas à atual qualidade do ensino no país, formuladas por respeitáveis analistas. Um deles, o jornalista Rolf Kuntz, de O Estado de S. Paulo, compara com grande lucidez a superficialidade das prioridades econômicas adotadas no Brasil, ao largo de uma maior atenção para com a educação, e a política de longo prazo praticada pelos países emergentes da Ásia, inclusive a China, que tratam de formar capital humano para incorporar tecnologias e assim dar qualidade ao seu crescimento econômico. Sobre o nosso sistema de ensino, em particular, diz Kuntz: "Mas nenhum plano ou programa de aceleração do crescimento (referindo-se ao PAC) será completo sem uma boa estratégia de reforma educacional. O governo federal, no entanto, continua a agitar bandeiras muito mais vistosas do que eficazes. Promete a democratização do ensino superior, sem cuidar seriamente da formação básica dos estudantes e do fortalecimento do ensino médio. Mantém na pauta a distribuição de computadores baratos a escolas públicas, quando deveria cuidar muito mais de objetivos elementares, como o ensino de português, matemática e rudimentos de ciências. Enquanto essas tarefas continuam negligenciadas, o presidente anuncia triunfalmente a inclusão da história da África no currículo. É o terceiro-mundismo extravasando da política externa para a educação. O rumo é o Terceiro Mundo, não o terceiro milênio".
Nada haveria a acrescentar a essa brilhante análise, a não ser, talvez, uma pitada de sugestões sobre como melhorar os ensinos fundamental e médio no país. Quanto mais os brasileiros de boa cabeça e conhecedores do assunto, como Kuntz, que além de jornalista é professor universitário, e o senador Cristovam Buarque, que fez toda uma campanha presidencial pregando uma revolução pelo ensino, aliarem as críticas às sugestões, mais poderão ajudar a transformar a agenda da educação em questão prioritária no Brasil.
Os dados sócio-econômicos do Enem 2006 indicam que o desafio principal para melhorar a qualidade do ensino está em escapar de alguma forma ao cerco da pobreza. A renda familiar de 84,9% dos participantes do provão do ano passado que responderam a uma pesquisa feita pelo MEC é de apenas um a cinco salários mínimos. Isso significa que quase nove entre dez estudantes pertencem a famílias cujos ganhos somados de seus membros atingem, no máximo, 1 750 reais por mês. Mais 8,8% situam-se na faixa de cinco a dez mínimos e 1,6% declararam não ter rendimento nenhum.
Quando a batalha diuturna pela sobrevivência se impõe a todas as outras necessidades, não se pode esperar que o ensino dado na escola seja complementado nos lares, entre outros fatores pela falta de tempo dos pais. Ainda hoje, na zona rural, muitos deles só concordam em manter os estudos dos filhos se estes puderem ajudar na roça ao menos por meio período. E, nas cidades, a maioria dos pais consegue falar com os filhos apenas nos fins de semana, porque em dia de batente saem para o trabalho antes da luz do sol e voltam para casa noite alta. Assim, o escasso complemento de ensino, se há, é dado pelas mães, quando não trabalham fora ou não têm prole excessivamente numerosa. Por falar nisso, até entre os próprios estudantes revela-se o hábito de cedo procriar. Quase 16% (15,8%), casados ou não, já têm filhos, alguns (1%), até quatro ou mais.
Em tais condições, obviamente, o primeiro requisito para se poder melhorar a qualidade do ensino no Brasil, nos níveis fundamental e médio, está em aumentar o tempo de permanência na escola, e aí entra o papel do governo. Se a família não tem como sustentar, o remédio é subsidiar. É preciso gastar muito mais dinheiro também com a formação dos professores e a melhora das instalações do estabelecimento de ensino. E completar o processo com a atualização do currículo e a modernização pedagógica, porque está provado que a criança aprende mais quando participa da aula, ao invés de limitar-se a ouvir e copiar.
Para surpresa de muitos, a escola classificada em primeiro lugar no Enem 2006 fica no Piauí, o mais pobre estado brasileiro. Trata-se do Instituto Dom Barreto (brasão acima, no início do texto), de Teresina, que obteve a média geral de 74,17 pontos, a melhor do país, e deixou em segundo plano os afamados colégios Vértice (segundo colocado, com 74,12) e Bandeirantes (sexto, com 70,84), de São Paulo, e os dois Santo Agostinho do Rio de Janeiro, o do centro da cidade (terceiro lugar, com 72,31) e o da Barra da Tijuca (quinto, com 71,71). O Dom Barreto é um colégio particular fundado em novembro de 1943 por oito missionárias católicas e até hoje se mantém como uma entidade filantrópica, sem objetivo de lucro. Como ele, na lista das 20 melhores escolas do Enem 2006 há várias outras de cunho ou origem religiosos, nas quais as aulas são ministradas por mais horas do que as regulamentares. O tempo de permanência e o ensino levado a sério, portanto, fazem diferença. E os piauienses estão de parabéns, porque um povo que cuida da educação jamais se condena ao atraso e à pobreza.
quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007
Futebol sem ídolos
Muitos sabiam de cor a escalação completa do time para o qual torciam. Paixões clubísticas se formavam entre os pequenos e depois se consolidavam na adolescência por causa dos ídolos. Boa parte da atual torcida do Santos nasceu na era Pelé, que começou em meados dos anos 50, atravessou os 60 e invadiu os 70. No Corinthians, o goleiro Gilmar, o meia Luizinho e o centro-avante Baltazar, campeões do quarto centenário da cidade de São Paulo em 1954, o meia Rivelino (na época seu nome era grafado com um 'l'), de meados da década de 60 até 1974, o fatídico ano em que o time perdeu uma decisão de campeonato para o arqui-rival Palmeiras, e o atacante Sócrates, entre fins de 70 e parte dos anos 80, também formaram legiões de torcedores.
Bons tempos, enterrados para sempre pela Lei Pelé e seu complemento, a extinção da antiga Lei do Passe. Muito antes de ser ministro de governo e assim poder bancar a mudança na legislação, o rei do futebol já havia dito: "O jogador é um escravo". Referia-se às dificuldades dos profissionais da bola de se livrarem do vínculo com o clube. Com o passe na mão este impunha sua vontade, seja nas condições de trabalho, seja na renovação dos contratos.
Hoje os jogadores, os mais famosos principalmente, deixaram de ser escravos para se tornar mercenários. Correm atrás mais do dinheiro do que da bola. Amor à camisa virou papo para boi dormir, com raras exceções. Duas delas são os goleiros Marcos, do Palmeiras, e Rogério Ceni, do São Paulo. Estes, pode-se afirmar, merecem busto à entrada do estádio. Já os demais... bem, esses não têm sequer como fazer parte de álbuns de figurinhas, se os meninos ainda tivessem o hábito de colecioná-los.
O veterano centro-avante Cristian ficou só um mês no Corinthians. O novato lateral direito Fagner, ainda outro dia na categoria juvenil, nem se apresentou ao clube depois do Sub-20 disputado pela seleção brasileira. Foi para o PSV holandês, com um contrato de cinco anos, e não deu satisfações. O lateral esquerdo Gustavo Nery foi outro que sumiu: simplesmente abandonou o emprego por não gostar do técnico, Leão. E vai por aí afora. Todos cuidam dos próprios interesses, com seus empresários e advogados. Não estão nem aí para os marmanjos e garotinhos das arquibancadas.
Existe hoje um divórcio irremediável nos campos de futebol, entre a paixão dos torcedores e o pragmatismo dos jogadores. Assim, os ídolos vão desaparecendo, alguns porque se transferem para o exterior em busca dos dólares, a maioria porque troca de clube como político que muda de partido, à cata de migalhas. Jovens promessas não se firmam porque bastam alguns jogos bem disputados para ter a praga dos empresários, na verdade agenciadores baratos atrás de dinheiro fácil, batendo à porta, prometendo-lhes mundos e fundos em algum clube estrangeiro, qualquer que seja. Por falar nisso, os argentinos Tevez e Mascherano não devem estar muito felizes por terem trocado o calor da nação corintiana pela frieza do país e do clube inglês cujo nome, traduzido literalmente, é 'Presunto do Oeste'. Mas eles que se danem, já que também mandaram uma banana para o glorioso alvinegro do Parque São Jorge.
terça-feira, 6 de fevereiro de 2007
Desenhos que são pinturas

Escritores e poetas como Rabelais (O Gigante Gargântua), Ariosto (Orlando, o Furioso), Balzac (Contos), Dante (A Divina Comédia), Cervantes (Dom Quixote), Milton (O Paraíso Perdido), e Poe (O Corvo) tiveram seus textos enriquecidos pelo traço magistral de Doré, que ora desenhava as imagens a bico de pena, ora as gravava em madeira para reproduzi-las nas edições. Freqüentemente citado pelas ilustrações do paraíso, do inferno e do purgatório que fez para A Divina Comédia, a obra de Dante lhe exigiu trabalho mais pelas minúcias contidas em cada imagem do que, propriamente, pela quantidade de desenhos. No total, foram 136 as ilustrações feitas por ele para os poemas do genial italiano, lidos em tradução por não conhecer a língua original do livro. Bem menos que as 377 de Dom Quixote ou as 248 das Fábulas de La Fontaine, portanto.
Uma edição inglesa de luxo da Bíblia, de 1865, também lhe exigiu ilustrações de elaboração detalhada, como se pode ver pelo exemplo acima, criação do artista para reproduzir a morte de Abel pelas mãos de seu irmão, Caim. Já o desenho de baixo mostra as impressões de viagem para uma Londres de muitas fábricas, em plena revolução industrial. O desenho Sobre Londres, por Trilho, é de 1870.
De barriga cheia
Entre salário e vantagens como verbas de gabinete e auxílio-moradia cada parlamentar recebe hoje, segundo o ministro, em torno de 70 000 reais por mês. "Eu ganho 24 500 reais", declarou Mello, de acordo com uma reportagem de hoje do jornal O Estado de S. Paulo. "Mas tenho um sócio que é o próprio Estado e aí o meu líquido está em torno de 17 000 reais." Propôs ainda trocar sua carga de trabalho pela dos deputados e senadores. "Que eles assumam os 12 000 processos que conduzo no Supremo e eu assumo o trabalho deles, de três dias da semana, de terça a quinta-feira."
Ao saber das afirmações feitas por Mello, parlamentares da situação e da oposição saíram em defesa da própria categoria. Um deles, o líder do PR, Luciano Castro (RR), alegou que a verba de gabinete, de 50 000 reais por mês, é recebida para pagar funcionários. E lembrou que seu cargo não é vitalício, ao contrário do que ocorre no STF. Outro, o senador Gilvan Borges (PMDB-AP), choramingou que vive no vermelho por ter um salário líquido reduzido a 11 000 reais. Nenhum deles, contudo, respondeu à proposta de Mello de trocar a carga de trabalho.
O ministro Marco Aurélio Mello, que já presidiu o STF, é normalmente um homem sensato, mas desta vez esqueceu-se de fazer uma ressalva. Poderia ter dito que ganha muito em comparação com a grande maioria dos brasileiros, mas não em relação aos parlamentares, em vez de simplesmente revelar o seu salário e lamentar os descontos no contracheque, que também atingem trabalhadores cujos holerites não passam de uma fração do dele. Nunca é demais lembrar que o salário mínimo no Brasil, hoje, é de 350 reais. O ministro ganha 70 vezes isso todo mês, ou, para dramatizar um pouco, o que é pago, em troca de muito suor, a 70 chefes de família no país. Quanto aos parlamentares, empenhados em forçar o STF a aprovar o absurdo aumento por eles pretendido, de 91% nos salários, em nome da isonomia entre os poderes – esquecidos de que na Constituição os ganhos no Supremo estão dispostos como um teto, e não como um piso -, não merecem ter seus argumentos comentados com isenção de espírito. Não só porque, de fato, ganham muito mais que os ministros do STF, com suas verbas variadas, como também porque não trabalham.
No clamor da refrega ouviu-se uma solitária voz da razão, a do senador Jefferson Péres, do PDT do Amazonas. "Temos regalias e privilégios que os ministros do Supremo não têm", reconheceu o senador, citando como exemplo a verba indenizatória de 15 000 reais recebida por deputados e senadores para custear as despesas do cargo em seus estados. Um político exemplar, assim como seu colega de partido Cristovam Buarque, do Distrito Federal, Péres caracterizou-se como um oposicionista combativo. Ele parece, assim, um estranho no ninho num PDT que acaba de aderir, de mala e cuia, às hostes do governo.
O Estado é o problema
E assim vamos. Acabamos de ver, perplexos, o rabo da lagartixa do atraso se recompondo, a volta de todos os canalhas denunciados nos escândalos, a retomada de todos os vícios da legislatura passada, sob a arrogância populista do presidente negando o óbvio - que a Previdência não tem déficit e poderá gastar sem cortes. Como disse Dora Kramer, 'Lula será elogiado pelos acertos que não fez (Plano Real) e não será cobrado pelos erros que vai fazer agora, que serão empurrados para seu sucessor. Não adianta: povo ignorante e intelectuais idiotas não entendem que o Estado não é a solução; é o problema. Ninguém entende que o Estado não é a cura, mas a doença. Um país clamando por modernidade vive dramaticamente preso a um imaginário político arcaico e ridículo."
(Arnaldo Jabor, em sua crônica de hoje nos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo)
sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007
Com o pé esquerdo
"Caviloso, maquiavélico, arrogante", prossegue Kujawski, "se eleito, a primeira coisa que vai fazer será preparar a anistia de José Dirceu, sem sombra de dúvida o homem mais perigoso do Brasil. Suas companhias são de assustar: além de Dirceu, João Paulo Cunha, Professor Luizinho, José Mentor, Valdemar Costa Neto, Severino Cavalcanti, Bruno Maranhão (o invasor da Câmara) e Paulo Maluf."
Ao irrefutável artigo de Kujawski caberia acrescentar, talvez, a informação de que Arlindo Chinaglia fez da promessa de lutar pelo ignominioso aumento de 91% proposto para os parlamentares a principal bandeira de sua campanha.
Pois bem. Com tudo isso, Chinaglia foi eleito ontem o novo presidente da Câmara de Deputados do Brasil, ao derrotar em segundo turno o outro candidato governista, o então presidente da casa Aldo Rebelo, do PCdoB, por 261 votos contra 243. No primeiro turno, quando concorreu também com o oposicionista Gustavo Fruet, do PSDB, obteve 236 votos, contra 175 dados a Rebelo e 98 ao deputado paranaense da oposição. Um pouco antes, no Senado Federal, a disputa já se definira em favor do também aliado incondicional do governo Renan Calheiros, do PMDB alagoano, reeleito por 51 votos a 28, ao derrotar o oposicionista José Agripino, do PFL do Rio Grande do Norte.
O Congresso Nacional, já se ouviu dizer várias vezes, é uma caixa de ressonância da opinião pública prevalecente em questões políticas no país. O resultado das eleições para as presidências da Câmara e do Senado só confirma essa afirmação. Assim como ocorreu na escolha do presidente da República, os piores candidatos venceram. Pelé, afinal, estava certo quando disse que os brasileiros não sabiam votar. Os interesses corporativistas que amesquinham nosso Congresso e o populismo barato que condena nosso povo ao atraso passam como rolos compressores sobre qualquer discurso pelo resgate da ética e da dignidade na política nacional, e o resultado é apresentado como a manifestação da voz das ruas em nossa democracia. Seria ridículo se não fosse trágico, mas é assim mesmo que a maioria dos brasileiros decide sobre o seu futuro. As urnas não mentem.
E lá vamos nós para mais quatro anos do mesmo na nova legislatura da Câmara, iniciada ontem com a posse dos deputados eleitos ou reeleitos, vários deles da turma dos sanguessugas e dos mensaleiros. Se havia alguma esperança de recuperação da desgastada imagem da casa ela se desvaneceu logo no primeiro dia, porque a maioria dos empossados já começou votando no bilioso deputado petista de São Paulo para seu presidente.
Com o blocão de oito partidos formado para apoiar Chinaglia (PT, PMDB, PP, PR, PTB, PSC, PTC e PTdoB), mais o bloquinho de cinco que fechou com Rebelo (PSB, PDT e PCdoB, além dos minúsculos PAN e PMN), o governo Lula conta hoje com nada menos de 341 deputados para aprovar o que quiser na Câmara, de simples decretos e medidas provisórias a emendas constitucionais. A oposição, pobre dela, e também do país, está reduzida a apenas três partidos: PSDB, PFL e PSP. Assim como Hugo Chávez na Venezuela, portanto, Lula pode até governar por decretos, já que o Congresso no Brasil não serve para mais nada a não ser dizer amém ao Executivo. Sendo assim, por que não concordar logo com os 91% de aumento para os deputados e senadores, para torná-los os mais bem pagos do mundo? Afinal, não faz bem ao nosso ego sermos os maiorais, pelo menos em alguma coisa?
sábado, 27 de janeiro de 2007
Almoço grátis
Por ironia, a voz da razão em meio ao tiroteio entre o governo e a oposição em torno do assim chamado Programa de Aceleração do Crescimento tem sido a do presidente Lula, que não possui diploma de economista como Serra e Mantega. Em Davos, na Suíça, onde foi participar do Fórum Econômico Mundial, Lula disse ontem, dois dias depois de o Banco Central reduzir a taxa Selic em apenas 0,25 ponto percentual, para 13% ao ano – e não em 0,5 ponto, como esperavam parte do mercado e o próprio Mantega -, que os juros não podem cair por mágica. "Todos nós gostaríamos de uma taxa mais baixa no Brasil, mas você não pode reduzi-la por mágica", afirmou.
De fato, nas atuais condições do país, mesmo com a melhora dos fundamentos econômicos nos últimos anos, mérito sobretudo de Lula, que se não fosse pelo escândalo da quebra de sigilo do caseiro Francenildo teria mantido Antonio Palocci na Fazenda até hoje, só um governante totalmente irresponsável mandaria baixar a taxa Selic a toque de caixa, jogando para a platéia.
Para começar, a dívida mobiliária da União, em termos líquidos, ainda se mantém na ordem de 50% do PIB. Junto com a carga tributária, de escorchantes 38% do PIB, essa dívida sufoca o setor privado, porque drena para os títulos do governo recursos que poderiam estar aplicados na produção. Mesmo assim, a Previdência oficial fechou o ano passado com um déficit de 42 bilhões de reais, e que só tende a crescer. E, para completar, o aumento de renda das famílias com a queda da inflação e os reajustes salariais reais tem impulsionado o consumo.
Diminuir os juros reais para um nível 'civilizado' de 2 a 3% ao ano da noite para o dia, embora isso possa ser desejável por todos, equivaleria assim a dinamitar o precário equilíbrio macroeconômico que permite obter as atuais baixas taxas de inflação. E, se os juros não podem ser reduzidos com celeridade, também não se pode querer que o dólar suba com rapidez, porque as exportações vão bem apesar do real supervalorizado e a remuneração paga pelos títulos públicos continua a atrair recursos estrangeiros para o país.
Trata-se, realmente, de uma armadilha, porque a conjunção desses fatores impede um maior crescimento econômico, por falta de investimentos. Existe poupança suficiente, mas esta não se transforma em investimento porque no meio do caminho uma grande parte é capturada pelo financiamento da dívida pública. Hoje, a taxa de formação de capital em relação ao PIB é da ordem de 19%, quando o Brasil precisaria elevá-la acima dos 25% a cada ano para pensar um crescimento econômico sustentável de 5%.
Como se faz para sair dessa armadilha? Só existe um caminho: a redução do tamanho do Estado, para diminuir a carga tributária e a concorrência pelos recursos de financiamento. O problema é que esse processo também demora. Para não haver rupturas desastrosas, em primeiro lugar se deve diminuir a dívida, com a manutenção dos superávits primários em 4,25% do PIB ou até mais, em segundo economizar onde for possível no orçamento público e, em terceiro, retomar o processo de privatizações interrompido no atual governo. Para completar, deve-se reformar a Previdência e o sistema tributário.
Isso, sim, seria uma verdadeira agenda para o crescimento sustentável. Pode demorar, pode doer, mas não existe almoço grátis em economia, ao contrário do que o governo tenta fazer crer com esse PAC, cuja única medida de contenção de despesas é a limitação da folha salarial do funcionalismo a um teto de crescimento de 1,5% real a cada ano, mas que deverá ser derrubada com facilidade no Judiciário, assim como a utilização do Fundo de Garantia dos trabalhadores para financiar projetos de infraestrutura.
O PAC nasce condenado porque se trata de um programa mais inflacionário do que de crescimento. O Banco Central, certamente, levou esse aspecto em conta quando decidiu cortar a taxa Selic em apenas 0,25 ponto percentual. Lula, portanto, faz bem em apoiar Henrique Meirelles, o presidente do Banco Central, contra seu ministro da Fazenda, Mantega.
quarta-feira, 24 de janeiro de 2007
Osso bom, esse
A possibilidade de um terceiro mandato foi aventada pelo cientista político Leôncio Martins Rodrigues, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, e também vem sendo discutida como uma ameaça real pelos cardeais do PSDB. O candidato tucano à Presidência nas últimas eleições, Geraldo Alckmin, tinha como uma de suas bandeiras de campanha, como se recorda, o fim da reeleição.
O engraçado é que ninguém no ano passado se lembrou da brecha legal. Nenhum jurista veio a público para alertar os tucanos, nem estes se preocuparam em consultar os especialistas. Resultado: ou se muda o discurso agora, o que ficaria feio, ou se faz o jogo do lulo-petismo. O PSDB vê-se numa sinuca de bico por seu descuido, com perdão do trocadilho.
Já o PT, que antes de chegar ao poder sempre combateu a reeleição, equiparando-a a um crime de lesa-pátria nos tempos do governo Fernando Henrique, igualmente teria de mudar seu discurso, mas isso lhe custa muito pouco. Para quem patrocinou o Mensalão e outras formas de compra de apoio parlamentar, fez vista grossa para a ação dos sanguessugas, arranjou dólares para rechear cuecas, dispôs-se a pagar uma pequena fortuna por um dossiê falso, e ainda despreza como simples 'erros' os crimes cometidos, dar o dito pelo não dito é a menor das dificuldades.
Existe também o exemplo, bem-sucedido na opinião dos petistas, do companheiro Hugo Chávez pelas bandas da Venezuela. Com a ausência da oposição nas últimas eleições formou-se um Congresso maciçamente situacionista, o qual acaba de conferir a Chávez poderes para governar por decreto e concorrer a quantas reeleições quiser. O caudilho já havia revelado sua intenção de não largar o ossinho por pelo menos 30 anos. O Congresso brasileiro não é muito diferente do venezuelano. Até um partido como o PDT, que ontem se destacava na oposição, hoje adere ao governo, seduzido pelas benesses prometidas em troca da venda de sua consciência. E mesmo o Brasil, constatemos a contragosto porque é verdade, não difere em essência das republiquetas de banana coirmãs da América Latina.
Lá e aqui
(José Pastore, professor da FEA-USP, em artigo publicado ontem no jornal O Estado de S. Paulo, sobre o reajuste salarial aprovado pelos congressistas brasileiros, matéria atualmente sub judice. Detalhe notado pelo professor: o PIB brasileiro está em torno de 650 bilhões de dólares, enquanto o dos EUA ultrapassa os 12 trilhões)
Ênfase e correção
O modismo é uma praga no jornalismo. Não me refiro aos neologismos importados, alguns dos quais acabam se consagrando no vernáculo pelo uso popular. Até porque, todos hão de concordar, futebol é preferível a ludopédio, e motorista a sinesíforo. Também não está em discussão o emprego de certos verbos adaptados de termos ingleses, como ocorre com freqüência em textos sobre informática, porque quem escreve 'disponibilizar' não merece sequer comentário.
Refiro-me à utilização do recurso de ênfase. O recurso é justificável para realçar uma idéia ou informação no texto. Os melhores autores clássicos se valeram dele. Mas precisa ser bem usado para cumprir sua finalidade.
Não é o que acontece com o modismo 'exato', um adjetivo associado, no caso, à noção de tempo. Uma repórter escreveu que o presidente Lula falou durante exatos 15 minutos no discurso de lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento, PAC. Como não estava com um cronômetro na mão, ela fez no mínimo uma afirmação temerária. Não poderiam ter sido 14 minutos e 50 segundos, ou 15 minutos e 10 segundos? Mesmo que a diferença fosse de apenas 1 segundo, não seriam 'exatos 15 minutos'.
A correção é o primeiro requisito da informação jornalística. Se a repórter escrevesse apenas "falou durante 15 minutos" ou, num assomo de honestidade, "falou durante cerca de 15 minutos", prestaria uma informação de melhor qualidade. A ênfase, nesse caso, não apenas foi desnecessária como contraproducente.