terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Reparação moral

No Fórum de Leitores do jornal O Estado de S. Paulo de hoje, o leitor Romano Fabris escreve: "É por se levar a sério palavras como as da presidente do Supremo Tribunal Federal, Ellen Gracie, no sentido de evitar a discussão da segurança sob o impacto de tragédias como a do assassinato do menino João Hélio, que nada se faz no Brasil, onde as tragédias são diárias e cada vez mais bestiais e aviltantes. Assim, estando sempre sob a influência de desgraças cada vez maiores, nada se discute, nada se decide, à espera de ocasião mais tranqüila, que, é óbvio, nunca virá. E os responsáveis, como a ministra, se perdem em tecnicalidades e discussões abstratas e acacianas sobre a idade ideal para se condenar alguém. Enquanto isso, nos países mais civilizados do mundo, se condenam menores de até 12 anos a longas penas por delitos até menos trágicos, ao passo que, aqui, assassinos brutais cumprem apenas um sexto de penas ridiculamente pequenas. Será que os bárbaros são eles?"
Está coberto de razão o leitor. A corte suprema e o Parlamento não devem, de fato, tomar decisões de afogadilho, pressionados por uma opinião pública que se mostra chocada pela bárbara execução de uma criança, arrastada do lado de fora de um carro por 14 ruas e 7 quilômetros no Rio de Janeiro. Um motorista que emparelhou seu automóvel com o dos assassinos, um deles menor de idade, para avisar que havia um corpo do lado de fora, ouviu do condutor do veículo roubado, de acordo com evidências Diego Nascimento da Silva, de 18 anos: "É um boneco de Judas". João Hélio Fernandes, o garoto trucidado, tinha 6 anos, idade da inocência até para futuros assaltantes, estupradores e homicidas.
Mas se a feitura de leis e a aplicação deles requerem equilíbrio, o argumento usado contra a redução da maioridade penal no Brasil é pífio. Todos, da ministra Ellen Gracie ao presidente do Senado, Renan Calheiros, do ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior ao presidente da OAB, Cezar Britto, passando pelo advogado Ricardo Cabezón, presidente da Comissão de Direitos da Criança e do Adolescente da mesma entidade, afirmam que a diminuição de 18 para 16 anos da idade-limite para a condenação por crimes "não resolve o problema". E cada qual acrescenta, a seu juízo, o que seria preciso mudar nas condições sociais, econômicas e educacionais do país para ajudar as leis a se tornarem mais eficientes.
Podem até estar certos, de um ponto de vista global e humanista. Mas diante de um crime como o cometido contra João Hélio o que a família quer, e também a sociedade, é muito mais uma reparação moral do que a resolução do problema para evitar a morte de outras crianças. Além do mais, uma melhora substancial nas condições sócio-econômicas no Brasil somente ocorrerá, e com otimismo, décadas adiante. Até lá, como agiremos: faremos algo ou manteremos os braços cruzados, porque a simples mudança da lei não resolve?
Atualmente, um menor infrator permanece no máximo três anos recluso na Febem, não importa o tipo de crime, se um roubo, um latrocínio ou uma execução cruel, como a de João Hélio e da adolescente Liana Friedenbach, de 16 anos, estuprada e degolada a golpes de facão em Embu-Guaçu, São Paulo, pelo menor 'Champinha'. Como paliativo, a Justiça tem decretado a permanência do menor em manicômios judiciários após os três anos prescritos na lei. Agora, a OAB e o Congresso se mostram dispostos a aumentar o prazo máximo para cinco anos, o que também não passa de um paliativo.
Na Inglaterra e nos Estados Unidos, meninos de 12 anos já foram condenados à morte por assassinato. A pena capital continua em pleno vigor em vários estados americanos, e em certos países muçulmanos ela é aplicada, legalmente, pelos próprios familiares da vítima, de acordo com a Lei de Talião, 'olho por olho, dente por dente'. Seriam todos esses países bárbaros, e o Brasil o único civilizado? Por aqui, um assassino serial pode ser condenado a centenas de anos de prisão na soma dos crimes, mas a consolidação das penas reduz o tempo máximo de carceragem a 30 anos. E presos de boa conduta passam para o regime semi-aberto após cumprir apenas 1/6 da sentença condenatória. Nada de cadeira elétrica, injeção letal ou prisão perpétua. É o respeito servil aos direitos humanos – dos criminosos, não das vítimas.
A ambigüidade campeia. A população elege do presidente da República ao último dos vereadores, mesmo parte sendo analfabeta, e há gente do PT querendo eternizar Lula no Planalto por meio de um plebiscito com força constitucional. Mas ninguém leva adiante a idéia de convocar um referendo popular sobre a pena de morte. Obviamente, porque ela passará, contra toda a tradição católica do Brasil, a oposição da CNBB e da OAB e demais entidades e partidos políticos, a maioria de esquerda.

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