Os garotos colecionavam figurinhas de seus times, encontradas em balas, e trocavam as sobras com os amigos em disputas de pife-pafe. Os dicionários registram esse nome como o de um jogo de baralho semelhante ao buraco e à cacheta, mas nas calçadas daquele tempo os meninos desafiavam "Pife!", e os colegas respondiam "Pafe!", batendo com a palma da mão no monte de figurinhas e ganhando as que conseguiam virar do avesso.
Muitos sabiam de cor a escalação completa do time para o qual torciam. Paixões clubísticas se formavam entre os pequenos e depois se consolidavam na adolescência por causa dos ídolos. Boa parte da atual torcida do Santos nasceu na era Pelé, que começou em meados dos anos 50, atravessou os 60 e invadiu os 70. No Corinthians, o goleiro Gilmar, o meia Luizinho e o centro-avante Baltazar, campeões do quarto centenário da cidade de São Paulo em 1954, o meia Rivelino (na época seu nome era grafado com um 'l'), de meados da década de 60 até 1974, o fatídico ano em que o time perdeu uma decisão de campeonato para o arqui-rival Palmeiras, e o atacante Sócrates, entre fins de 70 e parte dos anos 80, também formaram legiões de torcedores.
Bons tempos, enterrados para sempre pela Lei Pelé e seu complemento, a extinção da antiga Lei do Passe. Muito antes de ser ministro de governo e assim poder bancar a mudança na legislação, o rei do futebol já havia dito: "O jogador é um escravo". Referia-se às dificuldades dos profissionais da bola de se livrarem do vínculo com o clube. Com o passe na mão este impunha sua vontade, seja nas condições de trabalho, seja na renovação dos contratos.
Hoje os jogadores, os mais famosos principalmente, deixaram de ser escravos para se tornar mercenários. Correm atrás mais do dinheiro do que da bola. Amor à camisa virou papo para boi dormir, com raras exceções. Duas delas são os goleiros Marcos, do Palmeiras, e Rogério Ceni, do São Paulo. Estes, pode-se afirmar, merecem busto à entrada do estádio. Já os demais... bem, esses não têm sequer como fazer parte de álbuns de figurinhas, se os meninos ainda tivessem o hábito de colecioná-los.
O veterano centro-avante Cristian ficou só um mês no Corinthians. O novato lateral direito Fagner, ainda outro dia na categoria juvenil, nem se apresentou ao clube depois do Sub-20 disputado pela seleção brasileira. Foi para o PSV holandês, com um contrato de cinco anos, e não deu satisfações. O lateral esquerdo Gustavo Nery foi outro que sumiu: simplesmente abandonou o emprego por não gostar do técnico, Leão. E vai por aí afora. Todos cuidam dos próprios interesses, com seus empresários e advogados. Não estão nem aí para os marmanjos e garotinhos das arquibancadas.
Existe hoje um divórcio irremediável nos campos de futebol, entre a paixão dos torcedores e o pragmatismo dos jogadores. Assim, os ídolos vão desaparecendo, alguns porque se transferem para o exterior em busca dos dólares, a maioria porque troca de clube como político que muda de partido, à cata de migalhas. Jovens promessas não se firmam porque bastam alguns jogos bem disputados para ter a praga dos empresários, na verdade agenciadores baratos atrás de dinheiro fácil, batendo à porta, prometendo-lhes mundos e fundos em algum clube estrangeiro, qualquer que seja. Por falar nisso, os argentinos Tevez e Mascherano não devem estar muito felizes por terem trocado o calor da nação corintiana pela frieza do país e do clube inglês cujo nome, traduzido literalmente, é 'Presunto do Oeste'. Mas eles que se danem, já que também mandaram uma banana para o glorioso alvinegro do Parque São Jorge.
quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007
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