terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

De barriga cheia

Há muito de desfaçatez na polêmica entre parlamentares e ministros do Supremo Tribunal Federal acerca de seus salários. O ministro Marco Aurélio Mello reagiu a críticas do novo presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia (PT-SP), aos ganhos dos membros da corte com um desafio: propôs trocar o seu salário pelo dos parlamentares, acrescido das mordomias que estes recebem.
Entre salário e vantagens como verbas de gabinete e auxílio-moradia cada parlamentar recebe hoje, segundo o ministro, em torno de 70 000 reais por mês. "Eu ganho 24 500 reais", declarou Mello, de acordo com uma reportagem de hoje do jornal O Estado de S. Paulo. "Mas tenho um sócio que é o próprio Estado e aí o meu líquido está em torno de 17 000 reais." Propôs ainda trocar sua carga de trabalho pela dos deputados e senadores. "Que eles assumam os 12 000 processos que conduzo no Supremo e eu assumo o trabalho deles, de três dias da semana, de terça a quinta-feira."
Ao saber das afirmações feitas por Mello, parlamentares da situação e da oposição saíram em defesa da própria categoria. Um deles, o líder do PR, Luciano Castro (RR), alegou que a verba de gabinete, de 50 000 reais por mês, é recebida para pagar funcionários. E lembrou que seu cargo não é vitalício, ao contrário do que ocorre no STF. Outro, o senador Gilvan Borges (PMDB-AP), choramingou que vive no vermelho por ter um salário líquido reduzido a 11 000 reais. Nenhum deles, contudo, respondeu à proposta de Mello de trocar a carga de trabalho.
O ministro Marco Aurélio Mello, que já presidiu o STF, é normalmente um homem sensato, mas desta vez esqueceu-se de fazer uma ressalva. Poderia ter dito que ganha muito em comparação com a grande maioria dos brasileiros, mas não em relação aos parlamentares, em vez de simplesmente revelar o seu salário e lamentar os descontos no contracheque, que também atingem trabalhadores cujos holerites não passam de uma fração do dele. Nunca é demais lembrar que o salário mínimo no Brasil, hoje, é de 350 reais. O ministro ganha 70 vezes isso todo mês, ou, para dramatizar um pouco, o que é pago, em troca de muito suor, a 70 chefes de família no país. Quanto aos parlamentares, empenhados em forçar o STF a aprovar o absurdo aumento por eles pretendido, de 91% nos salários, em nome da isonomia entre os poderes – esquecidos de que na Constituição os ganhos no Supremo estão dispostos como um teto, e não como um piso -, não merecem ter seus argumentos comentados com isenção de espírito. Não só porque, de fato, ganham muito mais que os ministros do STF, com suas verbas variadas, como também porque não trabalham.
No clamor da refrega ouviu-se uma solitária voz da razão, a do senador Jefferson Péres, do PDT do Amazonas. "Temos regalias e privilégios que os ministros do Supremo não têm", reconheceu o senador, citando como exemplo a verba indenizatória de 15 000 reais recebida por deputados e senadores para custear as despesas do cargo em seus estados. Um político exemplar, assim como seu colega de partido Cristovam Buarque, do Distrito Federal, Péres caracterizou-se como um oposicionista combativo. Ele parece, assim, um estranho no ninho num PDT que acaba de aderir, de mala e cuia, às hostes do governo.

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