
É lamentável que o Enem, o Exame Nacional do Ensino Médio, revele ano após ano a progressiva deterioração da qualidade de nosso ensino. Não foi diferente em 2006. Os números do provão, realizado pelo Ministério da Educação, MEC, em 27 de agosto, com uma participação recorde de cerca de 2,7 milhões de estudantes (de cerca de 3,7 milhões inscritos), mostram que de zero a 100 a média em redação caiu de 55,96 pontos no ano anterior para 52,08, e a média nas questões objetivas, de 39,41 para 36,90. Em termos relativos, isso significa que o grau de aprendizado escolar no país, englobados os ensinos fundamental e médio, piorou em apenas um ano 6,9% em redação e 6,4% nas questões objetivas. Diante da uniformidade dos critérios de avaliação adotados, mesmo que possa ter havido alguma diferença de interpretação por parte dos julgadores, trata-se de um dado preocupante. Que futuro se pode esperar de um país quando suas crianças dos cursos básico e secundário são reprovadas em massa num teste de conhecimentos objetivos e passam raspando num de manifestação escrita, ambos realizados em caráter oficial? E, se o provão fosse restrito às escolas públicas, o resultado seria ainda mais desastroso, porque todas as melhores notas ficaram com as instituições particulares.
À divulgação dos números na quarta-feira pelo MEC seguiu-se uma onda previsível de críticas à atual qualidade do ensino no país, formuladas por respeitáveis analistas. Um deles, o jornalista Rolf Kuntz, de O Estado de S. Paulo, compara com grande lucidez a superficialidade das prioridades econômicas adotadas no Brasil, ao largo de uma maior atenção para com a educação, e a política de longo prazo praticada pelos países emergentes da Ásia, inclusive a China, que tratam de formar capital humano para incorporar tecnologias e assim dar qualidade ao seu crescimento econômico. Sobre o nosso sistema de ensino, em particular, diz Kuntz: "Mas nenhum plano ou programa de aceleração do crescimento (referindo-se ao PAC) será completo sem uma boa estratégia de reforma educacional. O governo federal, no entanto, continua a agitar bandeiras muito mais vistosas do que eficazes. Promete a democratização do ensino superior, sem cuidar seriamente da formação básica dos estudantes e do fortalecimento do ensino médio. Mantém na pauta a distribuição de computadores baratos a escolas públicas, quando deveria cuidar muito mais de objetivos elementares, como o ensino de português, matemática e rudimentos de ciências. Enquanto essas tarefas continuam negligenciadas, o presidente anuncia triunfalmente a inclusão da história da África no currículo. É o terceiro-mundismo extravasando da política externa para a educação. O rumo é o Terceiro Mundo, não o terceiro milênio".
Nada haveria a acrescentar a essa brilhante análise, a não ser, talvez, uma pitada de sugestões sobre como melhorar os ensinos fundamental e médio no país. Quanto mais os brasileiros de boa cabeça e conhecedores do assunto, como Kuntz, que além de jornalista é professor universitário, e o senador Cristovam Buarque, que fez toda uma campanha presidencial pregando uma revolução pelo ensino, aliarem as críticas às sugestões, mais poderão ajudar a transformar a agenda da educação em questão prioritária no Brasil.
Os dados sócio-econômicos do Enem 2006 indicam que o desafio principal para melhorar a qualidade do ensino está em escapar de alguma forma ao cerco da pobreza. A renda familiar de 84,9% dos participantes do provão do ano passado que responderam a uma pesquisa feita pelo MEC é de apenas um a cinco salários mínimos. Isso significa que quase nove entre dez estudantes pertencem a famílias cujos ganhos somados de seus membros atingem, no máximo, 1 750 reais por mês. Mais 8,8% situam-se na faixa de cinco a dez mínimos e 1,6% declararam não ter rendimento nenhum.
Quando a batalha diuturna pela sobrevivência se impõe a todas as outras necessidades, não se pode esperar que o ensino dado na escola seja complementado nos lares, entre outros fatores pela falta de tempo dos pais. Ainda hoje, na zona rural, muitos deles só concordam em manter os estudos dos filhos se estes puderem ajudar na roça ao menos por meio período. E, nas cidades, a maioria dos pais consegue falar com os filhos apenas nos fins de semana, porque em dia de batente saem para o trabalho antes da luz do sol e voltam para casa noite alta. Assim, o escasso complemento de ensino, se há, é dado pelas mães, quando não trabalham fora ou não têm prole excessivamente numerosa. Por falar nisso, até entre os próprios estudantes revela-se o hábito de cedo procriar. Quase 16% (15,8%), casados ou não, já têm filhos, alguns (1%), até quatro ou mais.
Em tais condições, obviamente, o primeiro requisito para se poder melhorar a qualidade do ensino no Brasil, nos níveis fundamental e médio, está em aumentar o tempo de permanência na escola, e aí entra o papel do governo. Se a família não tem como sustentar, o remédio é subsidiar. É preciso gastar muito mais dinheiro também com a formação dos professores e a melhora das instalações do estabelecimento de ensino. E completar o processo com a atualização do currículo e a modernização pedagógica, porque está provado que a criança aprende mais quando participa da aula, ao invés de limitar-se a ouvir e copiar.
Para surpresa de muitos, a escola classificada em primeiro lugar no Enem 2006 fica no Piauí, o mais pobre estado brasileiro. Trata-se do Instituto Dom Barreto (brasão acima, no início do texto), de Teresina, que obteve a média geral de 74,17 pontos, a melhor do país, e deixou em segundo plano os afamados colégios Vértice (segundo colocado, com 74,12) e Bandeirantes (sexto, com 70,84), de São Paulo, e os dois Santo Agostinho do Rio de Janeiro, o do centro da cidade (terceiro lugar, com 72,31) e o da Barra da Tijuca (quinto, com 71,71). O Dom Barreto é um colégio particular fundado em novembro de 1943 por oito missionárias católicas e até hoje se mantém como uma entidade filantrópica, sem objetivo de lucro. Como ele, na lista das 20 melhores escolas do Enem 2006 há várias outras de cunho ou origem religiosos, nas quais as aulas são ministradas por mais horas do que as regulamentares. O tempo de permanência e o ensino levado a sério, portanto, fazem diferença. E os piauienses estão de parabéns, porque um povo que cuida da educação jamais se condena ao atraso e à pobreza.
À divulgação dos números na quarta-feira pelo MEC seguiu-se uma onda previsível de críticas à atual qualidade do ensino no país, formuladas por respeitáveis analistas. Um deles, o jornalista Rolf Kuntz, de O Estado de S. Paulo, compara com grande lucidez a superficialidade das prioridades econômicas adotadas no Brasil, ao largo de uma maior atenção para com a educação, e a política de longo prazo praticada pelos países emergentes da Ásia, inclusive a China, que tratam de formar capital humano para incorporar tecnologias e assim dar qualidade ao seu crescimento econômico. Sobre o nosso sistema de ensino, em particular, diz Kuntz: "Mas nenhum plano ou programa de aceleração do crescimento (referindo-se ao PAC) será completo sem uma boa estratégia de reforma educacional. O governo federal, no entanto, continua a agitar bandeiras muito mais vistosas do que eficazes. Promete a democratização do ensino superior, sem cuidar seriamente da formação básica dos estudantes e do fortalecimento do ensino médio. Mantém na pauta a distribuição de computadores baratos a escolas públicas, quando deveria cuidar muito mais de objetivos elementares, como o ensino de português, matemática e rudimentos de ciências. Enquanto essas tarefas continuam negligenciadas, o presidente anuncia triunfalmente a inclusão da história da África no currículo. É o terceiro-mundismo extravasando da política externa para a educação. O rumo é o Terceiro Mundo, não o terceiro milênio".
Nada haveria a acrescentar a essa brilhante análise, a não ser, talvez, uma pitada de sugestões sobre como melhorar os ensinos fundamental e médio no país. Quanto mais os brasileiros de boa cabeça e conhecedores do assunto, como Kuntz, que além de jornalista é professor universitário, e o senador Cristovam Buarque, que fez toda uma campanha presidencial pregando uma revolução pelo ensino, aliarem as críticas às sugestões, mais poderão ajudar a transformar a agenda da educação em questão prioritária no Brasil.
Os dados sócio-econômicos do Enem 2006 indicam que o desafio principal para melhorar a qualidade do ensino está em escapar de alguma forma ao cerco da pobreza. A renda familiar de 84,9% dos participantes do provão do ano passado que responderam a uma pesquisa feita pelo MEC é de apenas um a cinco salários mínimos. Isso significa que quase nove entre dez estudantes pertencem a famílias cujos ganhos somados de seus membros atingem, no máximo, 1 750 reais por mês. Mais 8,8% situam-se na faixa de cinco a dez mínimos e 1,6% declararam não ter rendimento nenhum.
Quando a batalha diuturna pela sobrevivência se impõe a todas as outras necessidades, não se pode esperar que o ensino dado na escola seja complementado nos lares, entre outros fatores pela falta de tempo dos pais. Ainda hoje, na zona rural, muitos deles só concordam em manter os estudos dos filhos se estes puderem ajudar na roça ao menos por meio período. E, nas cidades, a maioria dos pais consegue falar com os filhos apenas nos fins de semana, porque em dia de batente saem para o trabalho antes da luz do sol e voltam para casa noite alta. Assim, o escasso complemento de ensino, se há, é dado pelas mães, quando não trabalham fora ou não têm prole excessivamente numerosa. Por falar nisso, até entre os próprios estudantes revela-se o hábito de cedo procriar. Quase 16% (15,8%), casados ou não, já têm filhos, alguns (1%), até quatro ou mais.
Em tais condições, obviamente, o primeiro requisito para se poder melhorar a qualidade do ensino no Brasil, nos níveis fundamental e médio, está em aumentar o tempo de permanência na escola, e aí entra o papel do governo. Se a família não tem como sustentar, o remédio é subsidiar. É preciso gastar muito mais dinheiro também com a formação dos professores e a melhora das instalações do estabelecimento de ensino. E completar o processo com a atualização do currículo e a modernização pedagógica, porque está provado que a criança aprende mais quando participa da aula, ao invés de limitar-se a ouvir e copiar.
Para surpresa de muitos, a escola classificada em primeiro lugar no Enem 2006 fica no Piauí, o mais pobre estado brasileiro. Trata-se do Instituto Dom Barreto (brasão acima, no início do texto), de Teresina, que obteve a média geral de 74,17 pontos, a melhor do país, e deixou em segundo plano os afamados colégios Vértice (segundo colocado, com 74,12) e Bandeirantes (sexto, com 70,84), de São Paulo, e os dois Santo Agostinho do Rio de Janeiro, o do centro da cidade (terceiro lugar, com 72,31) e o da Barra da Tijuca (quinto, com 71,71). O Dom Barreto é um colégio particular fundado em novembro de 1943 por oito missionárias católicas e até hoje se mantém como uma entidade filantrópica, sem objetivo de lucro. Como ele, na lista das 20 melhores escolas do Enem 2006 há várias outras de cunho ou origem religiosos, nas quais as aulas são ministradas por mais horas do que as regulamentares. O tempo de permanência e o ensino levado a sério, portanto, fazem diferença. E os piauienses estão de parabéns, porque um povo que cuida da educação jamais se condena ao atraso e à pobreza.
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