quarta-feira, 28 de março de 2007

Um novo confisco

Poucas vezes há de ter ocorrido na história da República, afora o grande assalto ao bolso da população com o confisco da poupança por ordem do então presidente Fernando Collor, um episódio como o atual em que um governo democraticamente eleito faça de forma tão descarada o jogo de uma categoria empresarial, no caso, a dos banqueiros, contra os interesses maiores da coletividade. O governo Lula, assim, falta com seu dever primordial, que é o de proteger o povo, a maioria, contra os atentados à sua segurança, de ordem pessoal ou econômica, que possam ser cometidos por uma minoria.
O que está em curso é uma espécie de segundo confisco da poupança da população. Para se ter uma idéia do tamanho da maroteira, calcula-se, segundo alguns especialistas consultados pela repórter Márcia De Chiara, do jornal O Estado de S. Paulo, que os bancos públicos e privados estão devendo cerca de 1,9 trilhão de reais em indenizações aos poupadores, por conta de correções monetárias a menor feitas nos planos heterodoxos de combate à inflação Bresser (1987), Verão (1989), Collor 1 (1990) e Collor 2 (1991). Esse valor corresponde a cerca de um ano todo de PIB brasileiro, ou seja, algo como 900 bilhões de dólares em moeda atual. E o direito a ter esse ressarcimento é líquido e certo para os poupadores em geral, porque resulta de muitas ações judiciais já transitadas em julgado, com ganho de causa dado aos impetrantes contra os bancos.
Em tal circunstância, como um governo digno desse nome deveria agir? Obviamente, em primeiro lugar alertando a população sobre o fato. Em segundo, instruindo-a sobre os procedimentos necessários. Em terceiro, assumindo a ação coletiva, como defensor da população, colocando em jornais, revistas e sites um formulário a ser preenchido e entregue a algum órgão público para que este o encaminhe aos bancos. E, em quarto, mandando os bancos pagarem o que devem.
Mas alguém viu ou ouviu alguma declaração de um ministro do governo sobre isso? Leu algum anúncio colocado em site, jornal ou revista? Recebeu alguma instrução a respeito? Certamente que não. O governo se omite e cala, o que é sinônimo de proteger os banqueiros, em vez da população. E os banqueiros, para defender seus régios lucros, hoje maiores do que em qualquer outra época no país, também ficam mudinhos, com cara de santo. Nenhum comunicado aos clientes, de quem tomam tanto dinheiro. Só se mexem quando o poupador vai a uma agência reclamar seus direitos, pedindo uma cópia da microfilmagem dos extratos de contas de poupança mantidas em determinados períodos dos planos heterodoxos. Mas não de graça, claro. Cobram 7 reais por folha de extrato.
O titular das contas de caderneta ainda tem de munir-se de muita paciência para obter o ressarcimento. Com as cópias dos extratos na mão, precisa contratar um advogado especializado e esperar durante cerca de longos três anos até a ação ser julgada. O dinheiro também não lhe chega por inteiro. Os honorários de um bom advogado estão na faixa de 20 a 25% do valor total da indenização. Alguns bancos oferecem um acordo para que o cliente possa ter abreviado o tempo de espera. Mas aí, além dos honorários advocatícios, o cliente paga mais 10% para o banco.
De toda forma, como pouco é melhor que nenhum, vale a pena ir atrás. Afinal, se você possuía caderneta de poupança naqueles períodos, o dinheiro é seu.
Aliás, não só a caderneta de poupança. O problema da correção monetária a menor afetou igualmente o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, o FGTS dos trabalhadores assalariados, porque o indexador utilizado para ambos sempre foi o mesmo, antigamente a ORTN, e depois a TR. Mas sobre isso o mutismo é ainda maior, já que a obrigação pelo pagamento passa a ser diretamente do governo.
Não custa lembrar, mais uma vez. Esse governo que aí está foi eleito por um partido que se diz dos trabalhadores. Imaginem o que faria se outro nome o partido tivesse.

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O passo-a-passo a seguir, de instruções para os poupadores, foi copiado da reportagem de Márcia De Chiara, publicada no caderno de Economia do Estadão do dia 20 de março último:
"Agência – Procurar a agência bancária na qual tinha poupança em 1987, 1989, 1990 e 1991.
Documentos – Munido de CPF e RG redigir um requerimento para o banco solicitando a microfilmagem do extrato da poupança para os seguintes períodos: junho e julho de 1987; janeiro e fevereiro de 1989; abril e maio de 1990; janeiro, fevereiro e março de 1991. (Comentário do blog: se você conhece o gerente do banco, peça a ele, não precisa redigir o requerimento.)
Comprovante – Exigir o protocolo da solicitação. O banco não pode cobrar mais do que 7 reais por folha de extrato. (Comentário: este procedimento também não é necessário se você conhece o gerente. Só não dá para evitar a tarifa.)
Profissional – De posse dos extratos, o poupador deve procurar um advogado especializado para entrar com o processo.
Cálculo – Se o saldo da poupança na época for de até 14 000 reais (40 salários mínimos), ou de até 21 000 reais (60 salários), o processo poderá correr no juizado especial estadual e federal, respectivamente, sem advogado. Nesse caso, o poupador tem de saber fazer o cálculo da correção a que tem direito. (Comentário: o cálculo é praticamente impossível para os leigos. De 1987 para cá, não só a moeda nacional mudou três vezes de nome como os índices de inflação adotados oficialmente, e que deram base à correção monetária, variaram entre INPC, IPC, de novo INPC e depois IPCA. Para se fazer a correção é preciso montar um número-índice com mudanças para os diferentes índices de inflação no mês exato de sua adoção. Outro complicador para se chegar às cifras em real é que, em 1990, no Plano Collor 1, o valor da moeda foi dividido por 1 000 uma segunda vez. A primeira tinha sido em 1986, com o Plano Cruzado.)
Valor – Em caso de processo comum, as custas ficam em torno de 1% do valor da causa, com pagamento na entrada do processo.
Honorários – Os honorários advocatícios variam de 20% a 25% do valor da causa, pagos quando o poupador recebe o dinheiro."
Enfim, vá ao banco e boa sorte. Neste caso, como em outros, você estará sozinho, porque esse governo que aí está prefere ficar do lado dos poderosos. Povo, para ele, só serve para apertar os botões da maquininha eletrônica nas eleições.

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