sábado, 17 de março de 2007

Crimes hediondos

Diante de um crime bárbaro como aquele cometido contra o menino João Hélio, tomados de indignação muitos torcem para que aconteça com os algozes algo igual ou pior. Depois, com os criminosos encarcerados, se eles se tornam vítimas de alguma justiça feita por conta própria, aplaudem esse fato com entusiasmo, como se o sistema repressor numa sociedade moderna pudesse mover-se com base apenas em instintos primitivos, como no tempo das cavernas.
A justiça civilizada nunca pode rebaixar-se à barbárie dos transgressores, por mais que julgue crimes hediondos. É por isso que, mesmo admitindo a pena de morte, repudia a tortura. Não faz parte de seus desígnios a crueldade, ela tem de procurar apenas ser justa. Mesmo porque existe sempre o risco do erro, de reparação tão mais difícil quanto maior for o castigo imposto à vítima.
O justiçamento popular é condenável exatamente por não atentar para o princípio elementar que rege a justiça legal, o de punir somente depois de comprovado o delito. Se ele erra em sua avaliação apressada, quem há de reparar o prejuízo causado? Advogados sequiosos por dinheiro costumam inculpar o Estado, mas num caso como o de Daniele Toledo do Prado se torna evidente a soma da ganância à má-fé nessa atitude.
Mãe de uma menina de 1 ano e 8 meses, Victória Maria do Prado Iori Carvalho, pobre, Daniele passou por um calvário no Hospital Universitário de Taubaté, interior de São Paulo. Segundo o relato da repórter Simone Menocchi, do jornal O Estado de S. Paulo, entre uma internação e outra da filha no hospital ela foi violentada sexualmente por um estudante de medicina. Depois, quando a menina morreu, em outubro do ano passado, uma médica da equipe do hospital apontou como causa a existência de cocaína na mamadeira. A Polícia Civil comprovou os indícios da droga e Daniele foi presa, mandada para a penitenciária feminina de Pindamonhangaba, cidade vizinha a Taubaté. Lá, sofreu um justiçamento por parte das outras detentas. Além de apanhar, teve uma caneta tipo Bic enfiada na orelha e o tímpano rompido, mas só no dia seguinte foi transferida para um hospital e, depois, para outro presídio, em Tremembé, onde ficou por mais 36 dias até que um novo exame, feito nas vísceras da criança morta e na mamadeira, mostrou que não havia cocaína.
Estuprada, surda de um ouvido e ainda sem a filha, por quem tanto lutou, Daniele era afinal inocente do crime que lhe atribuíram. Ela hoje tem apenas 22 anos. Como você reagiria ao saber do que lhe aconteceu, se ela fosse sua filha, ou sua irmã? O golpe nela desferido pelo sistema repressor não foi tão cruel e hediondo quanto o arrastamento do menino João Hélio pelas ruas do Rio de Janeiro?

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