Das cerca de 6,6 bilhões de pessoas existentes no mundo, hoje, 4 bilhões estão na chamada base da pirâmide social, com uma renda per capita anual inferior a 3 000 dólares, de acordo com um estudo divulgado nesta segunda-feira pela IFC – International Finance Corporation, braço de investimentos do Banco Mundial. Esses 60% da população mundial classificados como os mais pobres formam, no entanto, um enorme mercado de 5 trilhões de dólares por ano, merecendo, portanto, maior atenção por parte das empresas produtoras de bens de consumo e serviços, como diz o vice-presidente da IFC, Michael Klein. "O relatório dá força aos pedidos de maior engajamento dos negócios com a base da pirâmide econômica, ressaltando a necessidade do setor privado de desempenhar um papel maior no desenvolvimento", afirmou Klein no lançamento do estudo.
A concentração excessiva das empresas nos estratos de consumo suntuário, sobretudo em países pobres como o Brasil, constitui de fato um dos maiores casos de miopia no marketing industrial. Ajudadas pela força de penetração da TV, as indústrias bombardeiam diariamente as donas-de-casa com o anúncio de seus produtos voltados mais para as classes A e B, de alimentos a artigos de higiene doméstica e pessoal. Ou seja, dirigem-se a 100% do público quando, na verdade, apenas 20% ou 30% dele tem poder aquisitivo para consumir produtos desse tipo.
A propaganda massiva causa prejuízos evidentes à administração de orçamentos familiares modestos. Quando uma dona-de-casa, influenciada pela TV, adquire um produto de limpeza ao dobro ou mais do preço de um similar de caráter popular, ela está, obviamente, reduzindo a verba doméstica reservada para os gêneros básicos que alimentam a família, bem como para os transportes e a educação.
As próprias empresas também acabam pagando o preço pela insensibilidade diante da realidade social. Um exemplo clássico, ocorrido no Brasil, foi o da indústria automobilística. Quando tinha o Fusca como seu carro-chefe, a Volkswagen chegou a dominar 70% do mercado brasileiro. Algum executivo de opacas luzes, no entanto, decidiu que o foco da empresa seria dirigido aos segmentos de maior poder aquisitivo, e a fabricação do popular carrinho foi abandonada. Não contente, a Volkswagen ainda associou-se à Ford em busca de economias de escala, numa fusão que tinha tudo para dar errado, pela diferença de cultura entre as fabricantes alemã e americana. Resultado: acabou com os burros na água, perdendo a liderança de mercado e os lucros, e precisou voltar atrás na associação com a Ford. Enquanto isso, a esperta Fiat italiana lançou seu carro popular, o Uno, na brecha aberta com a saída do Fusca, e passou a ocupar o lugar que antes era da Volks.
O alerta feito pelo vice-presidente da IFC, portanto, merece ser ouvido por todas as empresas produtoras de bens de consumo. Na América Latina, onde 70% da população se situa na faixa dos mais pobres do mundo, não faz sentido um marketing concentrado em consumo suntuário. Os fabricantes, evidentemente, não precisam renunciar aos lançamentos mais elaborados, que dão maior lucro por unidade. Mas seria mais inteligente ampliar as opções para o mercado, com a oferta simultânea de produtos populares. Tal estratégia contribuiria não só para reforçar o conhecimento do nome da empresa, detalhe essencial na disputa pelos consumidores, como também para tornar mais estável no tempo o fluxo de receitas e lucros.
Nesse sentido, a indústria de celulares tem tido um comportamento exemplar, no Brasil como no resto do mundo. A ampla gama de seus produtos atende a praticamente todos os gostos e necessidades. Quem só quer telefonar tem os seus modelos, assim como aquele que também quer ouvir música, ver vídeos ou tirar fotografias. Para tornar completo o leque, falta um aparelho que permita sintonizar estações de TV, como já existe em outros países. Mas o serviço só terá sucesso com tarifa reduzida, porque ao atual custo por minuto ninguém quererá assistir por inteiro a um jogo de futebol ou a um capítulo de novela.
Nada se pode fazer, enfim, sem levar em conta o alcance do poder aquisitivo dos consumidores, se o objetivo dos fabricantes for o de ter uma ampla participação no mercado. Qualquer tentativa em contrário corre o risco de ser catalogada como de miopia no marketing.
segunda-feira, 19 de março de 2007
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário