Sobra jogo de cena e falta objetividade nesse debate público sobre o PAC entre o governador paulista José Serra e o ministro Guido Mantega, da Fazenda. Serra está certo quando diz que o pacote de medidas é vago no que se refere à origem dos recursos, mas erra ao não explicar como o governo poderia sair da atual armadilha de juros altos e câmbio desvalorizado para obter o ambicionado crescimento econômico. E Mantega, que apesar de ser um dos pais do pacote não encontra argumentos técnicos para defendê-lo, refugia-se em ironias de palanque para mascarar a própria incompetência. "É capaz de ela (a oposição) ficar sem discurso se o PAC for um programa coerente, consistente e eficaz", disse ele ontem, segundo o jornal O Estado de S. Paulo, em resposta às críticas feitas por Serra. O emprego do condicional mostra que nem ele tem certeza do acerto das medidas.
Por ironia, a voz da razão em meio ao tiroteio entre o governo e a oposição em torno do assim chamado Programa de Aceleração do Crescimento tem sido a do presidente Lula, que não possui diploma de economista como Serra e Mantega. Em Davos, na Suíça, onde foi participar do Fórum Econômico Mundial, Lula disse ontem, dois dias depois de o Banco Central reduzir a taxa Selic em apenas 0,25 ponto percentual, para 13% ao ano – e não em 0,5 ponto, como esperavam parte do mercado e o próprio Mantega -, que os juros não podem cair por mágica. "Todos nós gostaríamos de uma taxa mais baixa no Brasil, mas você não pode reduzi-la por mágica", afirmou.
De fato, nas atuais condições do país, mesmo com a melhora dos fundamentos econômicos nos últimos anos, mérito sobretudo de Lula, que se não fosse pelo escândalo da quebra de sigilo do caseiro Francenildo teria mantido Antonio Palocci na Fazenda até hoje, só um governante totalmente irresponsável mandaria baixar a taxa Selic a toque de caixa, jogando para a platéia.
Para começar, a dívida mobiliária da União, em termos líquidos, ainda se mantém na ordem de 50% do PIB. Junto com a carga tributária, de escorchantes 38% do PIB, essa dívida sufoca o setor privado, porque drena para os títulos do governo recursos que poderiam estar aplicados na produção. Mesmo assim, a Previdência oficial fechou o ano passado com um déficit de 42 bilhões de reais, e que só tende a crescer. E, para completar, o aumento de renda das famílias com a queda da inflação e os reajustes salariais reais tem impulsionado o consumo.
Diminuir os juros reais para um nível 'civilizado' de 2 a 3% ao ano da noite para o dia, embora isso possa ser desejável por todos, equivaleria assim a dinamitar o precário equilíbrio macroeconômico que permite obter as atuais baixas taxas de inflação. E, se os juros não podem ser reduzidos com celeridade, também não se pode querer que o dólar suba com rapidez, porque as exportações vão bem apesar do real supervalorizado e a remuneração paga pelos títulos públicos continua a atrair recursos estrangeiros para o país.
Trata-se, realmente, de uma armadilha, porque a conjunção desses fatores impede um maior crescimento econômico, por falta de investimentos. Existe poupança suficiente, mas esta não se transforma em investimento porque no meio do caminho uma grande parte é capturada pelo financiamento da dívida pública. Hoje, a taxa de formação de capital em relação ao PIB é da ordem de 19%, quando o Brasil precisaria elevá-la acima dos 25% a cada ano para pensar um crescimento econômico sustentável de 5%.
Como se faz para sair dessa armadilha? Só existe um caminho: a redução do tamanho do Estado, para diminuir a carga tributária e a concorrência pelos recursos de financiamento. O problema é que esse processo também demora. Para não haver rupturas desastrosas, em primeiro lugar se deve diminuir a dívida, com a manutenção dos superávits primários em 4,25% do PIB ou até mais, em segundo economizar onde for possível no orçamento público e, em terceiro, retomar o processo de privatizações interrompido no atual governo. Para completar, deve-se reformar a Previdência e o sistema tributário.
Isso, sim, seria uma verdadeira agenda para o crescimento sustentável. Pode demorar, pode doer, mas não existe almoço grátis em economia, ao contrário do que o governo tenta fazer crer com esse PAC, cuja única medida de contenção de despesas é a limitação da folha salarial do funcionalismo a um teto de crescimento de 1,5% real a cada ano, mas que deverá ser derrubada com facilidade no Judiciário, assim como a utilização do Fundo de Garantia dos trabalhadores para financiar projetos de infraestrutura.
O PAC nasce condenado porque se trata de um programa mais inflacionário do que de crescimento. O Banco Central, certamente, levou esse aspecto em conta quando decidiu cortar a taxa Selic em apenas 0,25 ponto percentual. Lula, portanto, faz bem em apoiar Henrique Meirelles, o presidente do Banco Central, contra seu ministro da Fazenda, Mantega.
sábado, 27 de janeiro de 2007
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