
Eastwood instrui o ator Ken Watanabe, protagonista de Cartas de Iwo Jima
Certas figuras públicas tornam-se vítimas de uma imagem a elas atribuída e que nem sempre corresponde à verdade. Atores de cinema e TV, principalmente, têm muitas histórias para contar a respeito. Já houve casos de atrizes de novela que apanharam na rua por conta do papel de vilã que interpretavam.
O ator americano Clint Eastwood cultivou como poucos a fama de durão no cinema, porque sua carreira foi marcada por uma maioria de filmes nos quais ele compunha um tipo meio amoral e fascistóide, tanto como pistoleiro nos westerns dirigidos por Sergio Leone, na Itália, e Don Siegel, nos Estados Unidos, quanto como policial na série Dirty Harry, também de Siegel. Mas como diretor ele tem assinado produções que desmentem essa espécie de estigma colado à sua persona cinematográfica.
Já no primeiro filme que dirigiu, em 1971, Perversa Paixão (Play Misty for Me), o personagem que interpretou, um disc jockey de rádio noturna atormentado por uma fã obsessiva, era o oposto dos feitos por ele apenas como ator. Outros títulos de sua autoria, como Bird (idem, 1988), no qual retratou o saxofonista Charlie Parker, As Pontes de Madison (The Bridges of Madison County, 1995) e Sobre Meninos e Lobos (Mystic River, 2003), também mostraram que por trás do pistoleiro frio e do policial que batia e arrebentava nas telas havia um homem sensível, condoído com os dramas vividos por gente comum. Mesmo seu faroeste crespuscular, Os Imperdoáveis (Unforgiven, 1992), pelo qual recebeu seu primeiro Oscar como diretor, continha elementos intimistas de grande densidade, bem ao contrário dos westerns que interpretou para Leone e Siegel, com exceção da obra-prima do segundo, O Estranho que Nós Amamos (The Beguiled, 1971). E Eastwood atingiu o ápice seguindo essa linha de roteiro com o maravilhoso Menina de Ouro (Million Dollar Baby, 2004), um dos grandes filmes de boxe da história, que lhe deu seu segundo Oscar de direção (e também de produção, a exemplo de Os Imperdoáveis).
Ou melhor, talvez ainda não o ápice, porque a carreira de Eastwood é marcada também por sua capacidade de ressurgir quando ninguém espera. Nos anos 60, ator conhecido apenas por uma série de TV, Rawhide, levada ao ar de 1959 a 1966 nos EUA, ele foi à Itália a convite de Leone, fez os spaghetti westerns e depois retornou a seu país como astro. No início dos 90, quando parecia que sua trajetória de sucesso como ator caminhava inexoravelmente para o ocaso, deu a volta por cima com Os Imperdoáveis. E agora, quando se supunha que depois de Menina de Ouro não haveria mais como ele se superar, está sendo indicado duplamente para o Globo de Ouro de melhor diretor, prêmio a ser distribuído em Los Angeles na noite da próxima segunda, dia 15. Ou seja, dos cinco finalistas ao prêmio, dois chamam-se Clint Eastwood, e se tratam da mesma pessoa.
Eastwood obteve a proeza dirigindo no ano passado dois filmes sobre o mesmo tema, a tomada da ilha de Iwo Jima, no Pacífico, pelas tropas americanas na Segunda Guerra. Um, A Conquista da Honra (Flags of our Fathers), traz a visão americana do episódio. O outro, e provavelmente superior, já que concorre também ao prêmio de filme estrangeiro (por não ser falado em inglês), Cartas de Iwo Jima (Letters from Iwo Jima), mostra a visão japonesa. As duas produções não somente lhe dão a condição de favorito ao Globo de Ouro na categoria como também lançam seu nome com grande força para a corrida do Oscar, a ser concedido em fevereiro.
Aos 76 anos, será Cartas de Iwo Jima o canto do cisne definitivo de Eastwood? Talvez, mas sendo ele como um vinho de boa cepa, quanto mais velho, melhor, e também pelas surpresas que já pregou aos admiradores ao longo da carreira, convém encarar a hipótese com cautela.
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