quarta-feira, 3 de janeiro de 2007

Duas mães

Diz um chiste popular que pais pode haver muitos, mas mãe é uma só. Trata-se, claro, de uma agressão às leis biológicas, porque um óvulo é sempre fecundado por apenas um espermatozóide, mesmo no caso de gêmeos univitelinos, e nunca por dois ou três em tempos separados. Por isso, juízes e legisladores do mundo inteiro curvavam-se à realidade natural de que toda criança tem apenas um pai e uma mãe biológicos.
Curvavam-se, porque ontem um tribunal canadense da cidade de Ontário decidiu oficialmente declarar mãe de uma criança uma segunda mulher, companheira da mãe biológica. Aconteceu o seguinte, segundo a agência France Presse. Duas mulheres que vivem juntas há 16 anos decidiram ter um filho, e para tanto pediram a um amigo que doasse o esperma. Uma delas se inseminou com o produto da doação, engravidou e deu à luz uma criança, cinco anos atrás. Depois, foram novamente ao mesmo amigo – sujeito de bom coração, esse – para pedir que reconhecesse sua paternidade, e ele aceitou. Num primeiro momento, portanto, a criança foi registrada com pai e mãe, normalmente. Depois, sentindo-se prejudicada, a companheira da mãe biológica entrou com uma ação na Justiça para pleitear a condição de mãe associada, ou algo do gênero, sob a alegação de que a decisão de ter a criança fora tomada em conjunto pelas duas. A Corte de Apelações de Ontário lhe deu ganho de causa, baseada numa lei que desde 2005 admite o casamento entre pessoas do mesmo sexo no Canadá.
O homossexualismo existe desde tempos imemoriais, mas a união legalizada entre dois homens ou entre duas mulheres é uma prática ainda muito recente e restrita a poucos países. O Canadá assume, assim, a vanguarda das nações mais liberais em matéria de direitos civis com a inusitada sentença baixada pelo tribunal de Ontário.
Resta ver se tudo pode ser resumido ao politicamente correto. Terá a criança canadense a mesma felicidade de suas duas mães declaradas? Como ela se sentirá ao passar pelo constrangimento de explicar seu insólito registro de nascimento, na escola, no clube, e mais tarde no trabalho? Como apresentará duas mães para a namorada ou namorado ou, pior, para a futura sogra?
Constrangimentos não são nada perto do carinho que a criança terá de duas mães, dirão alguns. Isso é certo, mas também não se pode ignorar a posição de barganha a que ela está sendo submetida. Nunca antes criança nenhuma precisou passar por esse tipo de situação para ter um lar.
Diante de duas mulheres que reivindicavam a maternidade de um bebê, o rei Salomão sacou da espada para decepar ao meio a criança, de modo que cada uma delas tivesse a sua parte. Foi então que a mãe verdadeira se revelou, ao proteger o bebê com seu corpo e implorar ao rei que o desse à outra mulher, mas com vida. Salomão, então, ordenou a entrega da criança a ela e a punição da farsante.
Teria feito melhor a corte de Ontário se agisse como Salomão, ou a turma do politicamente correto diria que o sábio rei da Bíblia não estava com nada?

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