sexta-feira, 24 de agosto de 2007

A desídia da Anac

Quanto mais se desvendam os eventos antecedentes, no curso das audiências pela CPI instalada no Congresso, mais se conclui que o pavoroso acidente com o Airbus da TAM poderia ter sido evitado se a Anac, a agência reguladora do transporte aéreo, não atuasse de modo tão irresponsável e desidioso por culpa de seu aparelhamento partidário. Foi de estarrecer a revelação feita pela desembargadora Cecília Marcondes de que liberou a pista principal de Congonhas para aviões de grande porte porque recebera das mãos de Denise Abreu, a diretora da agência que na CPI declarou ser o documento apenas de uso interno, a norma posta em vigor para proibir o uso de aeronaves com reverso travado pelas companhias operadoras. Agora se fica sabendo que numa reunião com técnicos do setor em dezembro passado a Anac foi informada do risco iminente de um avião ‘varar’ a pista de Congonhas, ou seja, não conseguir frear a tempo até o fim da pista, em situações de decolagem abortada ou de aterrissagem com velocidade e altura superior às normais. O curioso é que a ata comprometedora da reunião foi revelada pela própria Denise, em novo depoimento dado à CPI, ontem. Candura ou manobra sorrateira para tentar afastar de si as suspeições?

Como se não bastasse, pilotos de onze diferentes aviões contaram à polícia que na véspera do acidente, dia 16 de julho, quando chovia mas não tanto quanto no dia seguinte em São Paulo, enfrentaram dificuldades para pousar em Congonhas. Dois disseram que por pouco não ‘vararam’ a pista, de acordo com reportagem publicada hoje no jornal O Estado de S. Paulo. Um terceiro, que derrapou e foi parar na grama. E todos, que a pista parecia um sabonete de tão escorregadia, por falta do grooving, as ranhuras que só agora estão sendo colocadas.

Mesmo assim o aeroporto estava liberado para pousos e decolagens de aviões de grande porte, porque a desembargadora Cecília, enganada pela diretora Denise, da Anac, derrubou em fevereiro a restrição decretada dias antes pelo juiz Ronald de Carvalho Filho. É evidente, diante de todos esses relatos, que a diretora da agência agiu para favorecer as companhias aéreas, ao invés de fiscalizá-las com rigor, como seria de seu dever. Por que ela o fez? Isso já é assunto de polícia.

A velocidade dos dinos


O malvado Velociraptor que aterrorizava criancinhas, no filme de Spielberg

Meu amigo Rodolfo Lucena, editor de Informática da Folha de S. Paulo, mantém um interessante blog no site do jornal a respeito de corridas, praticante que é dessa modalidade esportiva. Entre os posts mais recentes, Lucena falou de uma corrida de mulheres de salto alto em Berlim, na Alemanha, e de homens e mulheres vestidos de Elvis Presley pelas ruas de Minneapolis, nos Estados Unidos, além de publicar uma extensa entrevista com Monica Otero, uma brasileira de 51 anos, mãe de dois filhos e sobrevivente de um câncer do intestino que se tornou a primeira mulher sul-americana a completar a ultramaratona de Badwater, considerada a mais difícil do mundo. Para se ter uma idéia, os participantes dessa corrida percorrem ao todo 217 quilômetros de extensão, ou seja, mais de cinco vezes uma maratona normal. Como se não bastasse, atravessam no caminho o deserto de Mojave, na Califórnia, a uma temperatura de mais de 50 graus centígrados.

Agora o mais impagável mesmo dos posts recentes é o da velocidade dos dinossauros. Vale ler o texto abaixo, transcrito do blog de Lucena, que se chama +Corrida, e pode ser visitado por este link. É injusto classificar informações desse tipo como de cultura inútil. Afinal, todos sabemos como pode faltar assunto quando menos se espera numa reunião social ou numa roda de amigos, não é mesmo?

Meu caro amigo, vivesse você no tempo dos dinossauros e teria de ser um corredor muito, mas muito bom mesmo para conseguir escapar do brutamontes Tiranossauro Rex.

Apesar de seu tamanhão todo, o terrível carnívoro conseguia correr a quase 29 km/h, o que dá pouquinha coisa a mais do que dois minutos por quilômetro, para usar uma medida mais palpável para nosso universo corredor.

Essa foi a conclusão de um estudo realizado na Universidade de Manchester sob o comando do especialista em biomecânica Bill Sellers e do paleontologista Philip Manning.

Eles usaram um supercomputador para tentar determinar as velocidades de cinco tipos de dinossauros bípedes: Compsognathus, Velociraptor, Tyrannosaurus rex, Dilophosaurus e Allosaurus.

De acordo com o modelo desenvolvido, que foi calibrado com base em dados da velocidade de um atleta profissional de 71 kg, o mais rápido foi o Compsognathus.

Pouco conhecido do grande público, esse pequeno ser que viveu há cerca de 1560 milhões de anos tinha apenas 3 kg e uma estrutura óssea semelhante à de um lagarto. Ele conseguia correr cem metros em pouco mais de seis segundos.

Um espécime médio atingia velocidades de até 64 km/h, segundo o estudo publicado em "Proceedings of the Royal Society", o que o torna provavelmente o mais rápido bípede de todos os tempos.

Deixaria no chinelo a superveloz avestruz, a campeã dos seres de duas pernas nos dias de hoje. Segundo o modelo, um exemplar de 65 kg corre a apenas 55,4 km/h.

O Comps (para os íntimos, é claro) também dava um banho no feroz Velociraptor (foto), que foi alçado ao estrelato da violência pelo filme "Parque Jurássico". O malvadão atingia no máximo meros 40 km/h.

Claro que tudo isso é um modelo criado em computador, baseado em expectativas de desempenho de acordo com a estrutura óssea e a musculatura. Há registros de avestruzes de verdade, por exemplo, correndo a mais de 63 km/h.

Ao que os pesquisadores respondem que provavelmente também haveria Comps capazes de desempenho melhor que o previsto pelo supercomputador.


sexta-feira, 10 de agosto de 2007

A queda da bolsa

Se você é investidor e tem parte do seu suado dinheirinho aplicada na bolsa, pode estar se perguntando, a propósito da atual queda: o comprador americano de casa própria resolve dar um calote e sou eu que pago a conta? Pois é disso mesmo que se trata, porque a crise do mercado imobiliário nos Estados Unidos lança uma sombra de incerteza sobre o futuro da economia daquele e de outros países ricos, e por extensão, de todo o planeta, com reflexos inevitáveis nas bolsas de valores. Mas o mais curioso neste momento, em que o mundo torce para que não sobrevenha o pior, é observar o motivo principal da queda no preço das ações.

Pode parecer estapafúrdio, mas acontece o seguinte: assustados com a crise imobiliária americana, os grandes investidores procuram melhorar seu grau de proteção. É natural que o façam, pois bancos internacionais já estão se negando a emprestar dinheiro para as companhias financiadoras de imóveis dos Estados Unidos, e sem crédito a crise nesse mercado só tende a aumentar. E como os grandes investidores se protegem? Vendendo suas posições em ativos no Terceiro Mundo, cujos países são eufemisticamente chamados de emergentes. Ou seja, tiram o dinheiro da bolsa do Brasil e de outros lugares assim e vão comprar o quê? Títulos do Tesouro americano, considerados os mais seguros do mundo. Entenda bem: o problema surgiu nos Estados Unidos, mas é justamente para lá que correm os grandes investidores em busca de proteção. Não é absurdo, é real. E o investidor brasileiro paga a conta, com a bolsa em queda.

Donde se conclui que pobre nasceu mesmo é para financiar o consumismo dos ricos.

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Democracia de fachada

Criminosos quase sempre alegam inocência de início, por mais que as evidências reunidas contra eles digam o contrário, e se houver uma brecha tentam lançar a suspeição sobre outros. Da mesma forma, algumas figuras políticas do país fazem pouco da inteligência média dos brasileiros e procuram passar versões conspiratórias nas quais assumem, invariavelmente, o papel de vítimas.

O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, especialista na matéria, atribui à oposição um insopitável desejo golpista. O ainda presidente do Senado, Renan Calheiros, infringe o segundo mandamento ao invocar o nome de Deus em vão, ou seja, em favor de sua proclamada inocência. O ministro da Justiça, Tarso Genro, na condição de chefe supremo da Polícia Federal, busca impingir o conto da carochinha de que os dois boxeadores cubanos localizados, presos e deportados em tempo recorde quiseram voltar de moto próprio para a ilha de Fidel e o esperado garrote. E o presidente Lula, cujo apego à figura lingüística ‘nunca-antes-neste-país’ beira o paroxismo, depois de apresentar-se ontem, na capital da Nicarágua, onde pelo menos não enfrenta vaias, como o ‘único presidente’ que nunca se queixou do Congresso, soltou esta pérola, a propósito do Renangate: “Precisamos aprender a conviver com a democracia e com os percalços da democracia, que é boa, às vezes incomoda, mas ainda é o melhor regime para que a gente possa viver tranqüilamente”.

A quem pensam que enganam? A que platéia se dirigem, formada toda ela por néscios e incautos? Pois Dirceu, portador do belo nome dos poemas líricos de Tomás Antônio Gonzaga – embora não ame Marília -, ao contrário do inconfidente mineiro, português de nascimento, longe de conspirar por uma boa causa nunca fez nada senão atentar contra a democracia. É o último, portanto, que pode falar em golpe. Renan, se fosse tão temente a Deus, com certeza exibiria contas mais comprováveis e origens menos nebulosas sobre seus bens. E quanto a Tarso e a Lula, o mínimo que se pode cobrar deles é um pouco mais de seriedade na ocupação de suas funções públicas.

Um afirmar que os cubanos pediram para retornar ao país do qual tentaram fugir, e outro exortar as liberdades democráticas quando na verdade trabalha para destruí-las, seja servindo de patrono a iniciativas petistas como as de montar um Conselho Federal de Jornalismo, reclassificar os cidadãos por critério de raça, acabar com as agências reguladoras e planejar uma Constituinte para moldar um poder virtualmente monopartidário e unipessoal para o futuro, seja ordenando, ou no mínimo admitindo, a deportação sumária de dois estrangeiros em condição regular no país - falta acima de tudo verossimilhança à encenação. Como numa peça de teatro de má qualidade, o espectador não se convence, muito menos se deixa cativar.

No caso dos cubanos, falta esclarecer o essencial. O governo precisa explicar à sociedade por que optou pela deportação sumária, ao arrepio da lei e da Justiça. Precisa ainda dizer por que manteve os dois presos incomunicáveis, longe da imprensa, quando nada havia naquele momento que pudesse prejudicar uma investigação policial. E precisa, por fim, definir em qual ou quais situações outras deportações desse tipo poderão ocorrer, por iniciativa do governo e contrariando convenções internacionais.

Enquanto não se esclarecer a questão, o Brasil viverá em insegurança jurídica, própria de regimes ditatoriais. E exortações democráticas, venham de quem vier, soarão falsas e sem conteúdo.

domingo, 5 de agosto de 2007

Lula, Hitchcock e Doris Day


Cartaz do filme de 1956, de Hitchcock

O editorial de ontem do Estadão, no qual o jornal critica a atitude do presidente Lula de sempre alegar desconhecimento para livrar-se de responsabilidades - O homem que sabia de menos -, começa logo no título com uma feliz inversão do nome de um filme famoso de Alfred Hitchcock, O Homem que Sabia Demais (The Man Who Knew Too Much, de 1956, refilmagem da versão original, de 1934, do mesmo diretor). A alusão é perfeita, porque se Lula diz nunca saber de nada para evitar complicações, o pacato turista interpretado por James Stewart no filme só enfrenta problemas, para ele e a família, depois de ouvir involuntariamente a confidência de um moribundo, esfaqueado por seus comparsas terroristas, no Marrocos, sobre um plano de assassinato de um figurão político em Londres, em meio a um concerto no Royal Albert Hall.

Mas, com todas as suas qualidades, o filme de Hitchcock é mais lembrado hoje pela música cantada por Doris Day, Que Sera, Sera, um clássico de Jay Livingston e Ray Evans, premiado com o Oscar de melhor canção em 1957. Doris celebrizou-se pelos papéis de loura ingênua nas comédias que fez com Rock Hudson em fins dos anos 50, a ponto de Grouxo Marx afirmar que a conhecera ‘quando ela ainda não era virgem’. Pura maldade, porque mais do que ótima atriz ela era excepcional cantora, uma das artistas mais luminosas da constelação de talentos que imortalizou uma época de ouro da grande canção americana – e que, como tal, merecia um pouco mais de respeito.

Quando menina, Doris Mary Ann von Kappelhoff, filha de pais alemães divorciados, nascida em 3 de abril de 1924 em Cincinatti, Ohio, queria ser bailarina. Aos 14, no entanto, sofreu um grave acidente automobilístico que a obrigou a abandonar o sonho. O mundo perdeu uma bailarina, talvez com talento, mas ganhou uma cantora soberba. Aos 16 anos Doris já estreava como crooner na banda de Les Brown, e nas três décadas que se seguiram gravou um extenso repertório de clássicos, trafegando entre o jazz e o pop tradicional.

Um rápido apanhado dá uma idéia da riqueza de sua discografia. Além de Que Sera, Sera e de Secret Love, de Sammy Fain e Paul Francis Webster, outra canção premiada com o Oscar, do filme em que ela interpretou a pistoleira, no bom sentido, Jane Calamidade, em Ardida como Pimenta (Calamity Jane, de 1953), Doris gravou ao longo de sua carreira musical as seguintes, entre outras obras-primas da canção americana legítima e peças importadas: Autumn Leaves (de Joseph Kosma), Night and Day (de Cole Porter), April in Paris, I Love Paris (também de Porter), Bewitched, Blue Moon, By the Light of the Silvery Moon, Domino, Dream a Little Dream of Me, Fascination, I’m in the Mood for Love, It Had to be You, It’s Magic, My Blue Heaven, Sentimental Journey, Serenade in Blue, Stardust (de Hoagy Carmichael e Mitchell Parish), You’ll Never Know, September Song e Summertime. Não há como não se emocionar com a sensibilidade demonstrada por Doris na sublime Domino, de Louis Ferrari e Jacques Plante, vertida para o inglês por Don Raye, ou com sua técnica impecável no dueto histórico com Bing Crosby em Baby, It’s Cold Outside. Outro grande dueto seu foi com Frankie Laine, em Sugarbush.

Se você é jovem demais para ter visto ou ouvido Doris Day, ou se tem idade para querer apreciá-la de novo, clique aqui para ver os vídeos postados no YouTube, Que Sera, Sera, com cenas do filme, e um clipe caseiro com Baby, It’s Cold Outside ao fundo. E em tempo: como diz a legenda do cartaz antigo de O Homem que Sabia Demais, às vezes conhecer algo, mesmo que pouco, pode trazer um grande perigo. É o que deve pensar Lula.

sábado, 4 de agosto de 2007

Negócio bilionário

Com a compra, inesperada pelo mercado, da Suzano Petroquímica por 2,7 bilhões de reais, em seqüência à participação adquirida no grupo Ipiranga, em conjunto com a Braskem e a Unipar, num negócio de 4 bilhões de dólares, a Petrobrás se recoloca como um dos protagonistas da indústria petroquímica no país. Ela, que liderou a implantação dessa indústria no Brasil por meio de sua ex-subsidiária Petroquisa, criada 40 anos atrás, praticamente se afastou da área na década de 90, por decisão governamental.

No final dos 80, para se ter uma idéia, a Petroquisa, incorporada à Petrobrás em 2006, participava de 36 empresas, que no conjunto respondiam por mais de 70% da produção de petroquímicos no país. A Petroquisa atuou também como o elemento catalisador na criação dos três pólos petroquímicos regionais, em São Paulo, na Bahia e no Rio Grande do Sul. Entre 1992 e 1997, com o Programa Nacional de Desestatização, a companhia se desfez da maioria de suas participações em outras empresas. Mas agora, com a aquisição da Suzano Petroquímica, fabricante de polipropileno, matéria-prima plástica, a Petrobrás volta a controlar quase um terço da indústria petroquímica no Brasil, segundo O Estado de S. Paulo.

Bom para a Petrobrás e para seus acionistas, embora, segundo alguns especialistas, a estatal tenha pago 2,7 bilhões por uma empresa que valia, no máximo, 1,5 bilhão de reais. “A precificação de mercado é uma coisa momentânea e, para nós, essa aquisição é uma estratégia de longo prazo”, explicou Flávio Valadão, representante do banco ABN Amro, instituição intermediária na transação, em nome da Petrobrás. O que é péssimo é que, novamente, segundo noticia o Estadão, houve vazamento de informação privilegiada, assim como no caso Ipiranga. A Comissão de Valores Mobiliários, CVM, já está à caça das pessoas que se valeram da antecipação interna da notícia da compra da Suzano Petroquímica para investirem em suas ações na bolsa. A prática do crime de inside information dá cadeia nos Estados Unidos. Aqui, no máximo, resulta em multa.

terça-feira, 31 de julho de 2007

O governo volta atrás


Mapa do percurso do Expresso Aeroporto e de outros trens entre São Paulo e Guarulhos

Dez dias depois de o presidente Lula ter anunciado a construção de um novo aeroporto na região metropolitana de São Paulo, o governo voltou atrás e decidiu optar pela ampliação do aeroporto de Cumbica, para este receber os vôos transferidos de Congonhas. Prevaleceu na reunião de ontem no Palácio do Planalto, segundo o jornal O Estado de S. Paulo, a posição do novo ministro da Defesa, Nelson Jobim, que numa conversa com o governador paulista José Serra teria sido convencido a adotar essa solução, mais ‘sensata’ do que a do novo aeroporto.

Trata-se de uma boa notícia, porque se governos – este, em especial – erram, é melhor consertar o erro a tempo do que persistir nele só para não dar o braço a torcer. E também porque, se um governador da oposição mostrou desprendimento para sugerir uma solução mais viável, o governo federal revelou humildade para aceitá-la. Não se poderia esperar outra atitude, tanto da oposição quanto da situação, quando o interesse do país está em jogo.

A construção de uma segunda pista principal em Cumbica permitirá praticamente dobrar a capacidade instalada para pousos e decolagens de jatos de grande porte no aeroporto, porque a pista auxiliar, já em uso, serve mais para os aviões menores. O obstáculo apontado pelo brigadeiro José Carlos Pereira, que está sendo substituído na presidência da Infraero por Jobim, a desapropriação de cerca de 5 000 imóveis para liberar uma área de escape para a nova pista, não representa nenhum grande problema. A um valor estimado de 50 000 reais por imóvel, naquela região de baixa renda, a desapropriação não custaria mais do que 250 milhões de reais, uma bagatela diante do que se gastaria com a construção de um aeroporto completo para vôos nacionais e internacionais.

Serra, segundo a reportagem de Vera Rosa e Leonencio Nossa, da sucursal de Brasília do jornal, quer também construir uma ferrovia entre Cumbica e o centro de São Paulo, com ajuda financeira do governo federal. Teria ainda falado a Jobim da conveniência de se ampliar o terminal de passageiros de Viracopos e construir uma nova pista rodoviária expressa entre Campinas e São Paulo, para melhorar a vazão dos usuários daquele aeroporto, o qual funciona como regra três de Cumbica, em dias de neblina intensa na região de Guarulhos.

Das palavras aos atos, hoje mesmo o governo paulista divulgou oficialmente a notícia de que a ferrovia começará a ser construída no início do próximo ano, e estará pronta em 2010. O custo total estimado é de 3,4 bilhões de reais, mas o erário deverá arcar com apenas uma parte dele, porque o principal ficará com o consórcio privado vencedor da licitação pública, no regime das parcerias público-privadas, PPP, que na área federal não saem do papel. De acordo com o projeto de referência desenvolvido pela Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, CPTM, o Expresso Aeroporto – nome do trem expresso – percorrerá os 31 quilômetros do trajeto em apenas 20 minutos, andando a 100 quilômetros por hora. O intervalo de saída dos trens será de 12 minutos, e 20 000 passageiros poderão ser transportados por dia. Haverá dois tipos de transporte. Um, o Expresso Aeroporto, ligará a capital ao aeroporto de Cumbica com poucas paradas. O outro, chamado Trem de Guarulhos, destina-se a usuários que moram naquela região, parando em várias estações até chegar ao Parque Cecap, em Guarulhos. De acordo com um mapa divulgado na ocasião do anúncio pelo governo paulista, o Expresso Aeroporto sairá da estação metro-ferroviária do bairro da Barra Funda, e passará pelas estações da Luz e do Brás, antes de deixar a capital com destino a Guarulhos.

Deve existir algum impedimento topográfico para a extensão da ferrovia de São Paulo até Campinas, passando por Guarulhos, para Serra ter pensado nessa alternativa. Porque, pela lógica, seria muito mais prático aos passageiros se locomoverem usando um único meio de transporte, no caso um trem expresso, do que dois ou mais. De qualquer forma, a solução apresentada pelo governador permite vislumbrar, mais cedo que se imaginava, a possibilidade de desativar para sempre o fatídico aeroporto de Congonhas para aviões de grande porte.

quinta-feira, 26 de julho de 2007

Erro de origem

As agências reguladoras nacionais foram concebidas, à época do governo Fernando Henrique Cardoso, como entidades autônomas e suprapartidárias, que atuassem principalmente com o objetivo de dar segurança aos investidores privados e assegurar serviços de boa qualidade aos consumidores, atendendo sempre ao interesse nacional. Destinavam-se, portanto, a trabalhar a serviço do Estado, ou seja, da Nação, e não do governo.
O governo do PT nunca se contentou com esse figurino das agências. Desde o primeiro momento quis subordiná-las ao poder central, tanto é que já em 2003 constituiu uma comissão interministerial para redefinir suas atribuições. Em seguida, dando de ombros para a insegurança institucional que essa atitude trazia ao setor privado, passou também a nomear apaniguados e correligionários para a direção das agências.
A Anac, do transporte aéreo, foi criada já neste governo, tendo passado a operar em 2006. Seu aparelhamento com quadros partidários e sua atuação para lá de suspeita no trato com as companhias aéreas, a quem deveria fiscalizar para coibir abusos contra os consumidores, não são portanto de surpreender, no ambiente de cosa nostra em que também as agências foram colocadas.
O novo ministro da Defesa, Nelson Jobim, assumiu o cargo prometendo mais comando para combater a crise do transporte aéreo, além de admitir a possibilidade de haver demissões na diretoria da Anac. Para ele, o mandato fixo e a estabilidade no cargo dos diretores, garantidos na lei de criação da agência, constituem um “problema legal”, que deve ser debatido para uma eventual mudança. “Precisamos trabalhar em cima de resultados”, afirma o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal - notabilizado naquele cargo pelos sistemáticos votos favoráveis que deu ao governo Lula -, em reportagem publicada hoje no jornal Valor. “Se houver necessidade, haverá um debate. Essas estruturas (as agências reguladoras) foram feitas para dar resultados, não para ser mantidas.”
Jobim não falou mais do que o óbvio. O problema é que uma intervenção na Anac aumentaria ainda mais a insegurança sentida pelo setor privado em relação ao chamado marco regulatório. Nesse caso, a emenda poderia sair pior que o soneto. Donde se conclui que o melhor, mesmo, era não ter errado na origem. Com uma direção mais técnica e menos aparelhada, a Anac não precisaria agora do conserto que Jobim pensa em fazer.

terça-feira, 24 de julho de 2007

A tragédia do Airbus

Marcos Villares identifica-se como sobrinho-bisneto de Santos-Dumont. Leiam a carta que ele mandou para a seção de leitores do jornal O Estado de S. Paulo de hoje:

Prezada leitora sra. Elza Ramirez (Pobre Santos-Dumont, 23/7), os familiares e descendentes de Alberto Santos-Dumont se sentem muito honrados e gratificados com a existência da Medalha “Mérito Santos Dumont”, que visa a lembrar nosso grande pioneiro da aviação, patrimônio de todos os brasileiros. Entretanto, a família não exerce nenhuma influência sobre os critérios de escolha e concessão da medalha. Em 20/7, vi no Jornal Nacional que os diretores da Anac foram agraciados com a referida medalha. Na ocasião eu me encontrava na cidade de Santos-Dumont (MG), na residência de Mônica Castello Branco, diretora da Fundação Casa Natal de Santos-Dumont. Comentei com Mônica que, na minha opinião, quem deveria receber a medalha, in memoriam, eram as vítimas dos acidentes do vôo 1907 da Gol e do vôo 3054 da TAM. Na manhã do dia 20 eu havia participado da cerimônia em comemoração aos 134 anos de nascimento de Santos-Dumont, na casa onde ele nasceu, em Cabangu. Ao lado da pequena casa caiada de branco, que foi construída por seu pai, Henrique, a Bandeira Nacional foi içada ao toque de corneta. Depois, a Bandeira baixou a meio-pau e se fez um minuto de silêncio. Todos nós externamos nosso pesar pela perda de tantas vidas, assim como fez toda a Nação (quase toda, a julgar pelos gestos grosseiros e desrespeitosos dos srs. Marco Aurélio Garcia e Bruno Gaspar). Espero, sinceramente, que os responsáveis pelo transporte aéreo em nosso país resolvam imediatamente os gravíssimos problemas por que o setor atravessa, para que não tenhamos de chorar por novas vítimas e para que a morte de tantos brasileiros não tenha sido em vão.

Bela carta. Mas Villares alimenta uma esperança infundada. A tragédia do Airbus da TAM foi fruto do somatório de incompetências, leniências e covardias do governo federal, junto com seus órgãos controladores e operadores da aviação civil, e da ganância das companhias aéreas. Por isso, não há solução à vista para a crise no setor. Rezemos apenas para não prantear novas mortes.
Não se pode esperar por nada melhor quando há uma ministra que manda ‘relaxar e gozar’ diante do caos nos aeroportos, a passageiros que dormem sobre bancos e têm o vôo adiado por até uma semana. Ou com um ministro que faz aquele gesto obsceno para comemorar a notícia de que o Airbus voava com um reverso desativado. Ou ainda com um presidente da Anac que, escandalosamente condecorado pelo governo quando ainda chamas ardiam nos escombros do prédio atingido pelo avião, ousa afirmar que o órgão ‘não tem nenhuma responsabilidade’ pela crise. Se a Anac, a agência reguladora do transporte aéreo no país, não tem, quem teria?
Em comum, todos esses pilatos do setor público procuram em primeiro lugar livrar a própria cara e, em segundo, a do governo que lhes dá a boquinha e de seus cupinchas. Os passageiros desamparados e os familiares das vítimas que se danem.
O Pan está aí para provar. Com um pouco de apoio, o brasileiro vai longe. Ele merece um governo melhor.

oooooooooooooooooooooooooooooooo

Fosse mais competente, o governo não teria anunciado a construção de um novo aeroporto na região metropolitana de São Paulo. Trata-se da pior das soluções, a mais demorada e a mais cara. A escolha só pode ter se dado pela possibilidade de beneficiar os cupinchas com o superfaturamento das obras e as contribuições ao partido do governo.
Custaria muito menos dinheiro construir uma segunda pista em Guarulhos e ligar o aeroporto ao centro de São Paulo por trem expresso. Parte da infra-estrutura necessária até já existe, porque esse trem poderia interligar-se ao sistema metro-ferroviário da capital paulista, com o aproveitamento de estações já prontas. A nova ferrovia passaria por Guarulhos e se estenderia até Campinas, onde fica o aeroporto de Viracopos, também mais moderno que Congonhas. Diante do congestionamento nas principais avenidas de São Paulo, pode-se apostar cem contra um que o embarque por Guarulhos ou Viracopos seria mais rápido que por Congonhas, nos horários de pico, com o trem expresso.
O maior ônus financeiro pela construção da ferrovia poderia ficar com a iniciativa privada, por meio de uma concessão para a exploração do serviço. A rentabilidade do negócio poderia ser assegurada com a lotação dos trens com passageiros sem bilhete aéreo, que pagariam a tarifa normal pelo transporte, e pelos passageiros das companhias aéreas que viajariam de graça por já ter pago um aumento na taxa de embarque do aeroporto. O aumento dessa taxa ocorreria em Guarulhos, Viracopos e mesmo Congonhas, caso este não seja interditado, e nos demais aeroportos do país para passageiros com destino a São Paulo.
É uma solução simples, barata e definitiva. E é de espantar que ninguém no governo tenha pensado nela.

sexta-feira, 13 de julho de 2007

E começou o Pan

Quando o feito é muito grande, as palavras se tornam inúteis. Mas falar da abertura oficial do Pan, a 15ª. edição dos Jogos Pan-Americanos, realizada neste início de noite no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, é um imperativo de consciência.
Poucas vezes se terá visto, mesmo no evento maior que são os Jogos Olímpicos, tanta beleza, emoção e nacionalidade na cerimônia de abertura. A festa de cores, sons e ritmo foi, na falta de outra palavra, maravilhosa.
No mais, dois registros para a posteridade. Um, a sonora vaia que tomou o presidente Lula, tanto quando se anunciou sua presença no estádio quanto no momento de ele declarar abertos os Jogos. Então, talvez por constrangimento, Lula abdicou da prerrogativa, quebrando o protocolo – cabe aos chefes de Estado fazer o anúncio oficial, como vem acontecendo desde o primeiro Pan, realizado em Buenos Aires, em 1951. O presidente do Comitê Olímpico Brasileiro e da organização do evento, Carlos Arthur Nuzman, precisou tomar o seu lugar. O outro, a delicadeza que Adriana Calcanhoto imprimiu ao interpretar a canção de ninar de Dorival Caymmi, uma obra-prima comparável à Lullaby de Brahms. Sentada naquela enorme cadeira, Adriana protagonizou um dos momentos mais tocantes da festa.

quinta-feira, 21 de junho de 2007

Uma nação de cínicos?

O leitor Adolfo Zatz e o colunista Luis Fernando Veríssimo, cada qual a seu modo, expressam no Estadão de hoje essa estranha sensação, que parece dominar o país, de que nenhuma corrupção mais nos espanta ou indigna. Depois de lembrar a declaração do senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), de que “o Senado está sangrando muito mais do que o Renan”, Zatz escreve: “Eu acrescentaria: o Brasil está sangrando muito mais que os dois. O povo não agüenta mais tanta corrupção e impunidade, tudo sob as barbas do nosso presidente, que teima em se fingir de surdo, mudo e cego. Lula oficializou a corrupção no Brasil, que se tornou regra, não exceção”. E Verissimo, com sua capacidade incomum de abordar assuntos cabeludos com leveza, diz: “A própria indignação acumulada acaba tendo efeito anestesiante – o que mais há para sentir e dizer, depois da conclusão de que todo o mundo é corrupto fora o Jefferson Peres? (...) Como os banqueiros estão contentes e o povão reelegeria o Lula, seus improvisos e seus parentes num minuto, resta à política a fofoca e o concurso de oratória e à oposição a tênue esperança de um escândalo tão escandaloso que anule a anestesia”.
Há algo de muito grave acontecendo, de fato, ao sul do Equador e que nada tem a ver com a pane nos aeroportos. Há um país que nunca como agora mereceu ser chamado de gigante adormecido. Há uma população inteira sem saber o que fazer diante da sucessão de escândalos de corrupção nos altos escalões da República que acabam dando em nada. A anestesia geral, diante disso, é antes um bem que um mal, porque raiva em excesso mata. Mas e as conseqüências para o futuro?, pode-se perguntar. O que será feito das gerações que nos sucederão, privadas de noções mínimas de cidadania como resultado da impunidade reinante? Estamos condenados a ser uma nação de cínicos, afora os corruptos?

terça-feira, 19 de junho de 2007

Um olhar de repórter

Maria cresceu e virou dona. Pariu nove rebentos em seqüência. E quando os dois primeiros ficaram no ponto, avisou ao marido Gomercindo: eles vão estudar. Gomercindo não quis saber do assunto, desde quando filhos de analfabetos precisavam de vogais e consoantes. Dona Maria cerrou os dentes e diz que apanhava, mas os filhos seguiriam para o colégio tão certo quanto o sol nascia. Era 12 de março de 1964, ela lembra muito bem. O barrigão de nove meses estalava de dores quando caminhou arrastando Edir e Marlene pelos seis quilômetros de chão que os separavam da escola da Vila Rosa. Matriculou os dois filhos de manhã, comprou pata de rês para arrancar o mocotó, juntou lenha no mato, lavou roupa no rio Jacuí e ao anoitecer se deitou para parir Juraci.
Trabalhando dobrado para compensar a falta dos filhos na lida, voando com os bofetões do marido, cumpriu seu juramento. João Edir, Paulo César, Juraci, Larri e Toninho, o filho de criação, ela formou na quarta série. Ieda Marlene, Marli Ledi, Marisa Laureci e Marleci Rosane foram até a quinta. Gomercindo Júnior cursa o ensino médio. Tudo à luz de vela, que da outra não havia. Há 15 anos morreu o marido. Há dez, dona Maria encontrou o amor debaixo de um chapéu de barbicacho. Todos acharam que o destino havia se cumprido. Porque não conheciam bem dona Maria. Um belo dia, pouco mais de um ano atrás, ela cravou o olho no amado e sentenciou: Eu vou pra perto da capital procurar as letras. Se tu quiser vir comigo, tu vem porque eu te amo. Se não quiser, eu vou sozinha. Meu sonho é maior que tudo.


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Este texto, excepcional, é de Eliane Brum, um dos mais fulgurantes talentos da nova geração de jornalistas do país. Gaúcha, revelada na grande imprensa pelo jornal Zero Hora, de Porto Alegre, e hoje em São Paulo como repórter especial da revista Época, em 1999 ela publicou uma série de crônicas-reportagens naquele jornal sob o título A Vida que Ninguém Vê. Uma coletânea desse trabalho foi transformada em livro e publicada no ano passado (A Vida que Ninguém Vê, Arquipélago Editorial, Porto Alegre, RS, www.arquipelagoeditorial.com.br).
Ao debruçar-se sobre o cotidiano e as histórias de vida de anônimos moradores da grande cidade, a maioria deles pobres e iletrados, para extrair do que à primeira vista poderia parecer desinteressante relatos preciosos, quase épicos na descrição da resistência a adversidades, e de grande densidade humana, Eliane emociona sem deixar de fazer jornalismo.
Nesse sentido, ela se filia à diminuta corrente dos que praticam o chamado new jornalism no país, mas sua técnica difere da utilizada, por exemplo, por Gay Talese ou Joseph Mitchell, dois dos maiores cultores desse estilo de narrativa que aproxima reportagens de peças de literatura. Enquanto os dois americanos procuram valorizar o entorno para dar vida aos personagens, a brasileira consegue o mesmo efeito pelo caminho oposto, o de valorizar os personagens para iluminar os ambientes.
Num jornalismo escrito como o nosso, em que prevalecem o texto apenas correto e a informação burocrática, Eliane Brum representa uma saudável exceção à regra. Merece ser lida.

sexta-feira, 11 de maio de 2007

Temporão e o papa

Coincidências curiosas, que podem ser engraçadas, ocorrem às vezes entre o nome do cargo ou função exercidos profissionalmente e o nome da pessoa. Agora mesmo vê-se o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, a criticar o papa Bento XVI – em plena visita do Sumo Pontífice ao Brasil – por defender a excomunhão de políticos favoráveis ao aborto em seres humanos. A manifestação papal contra o aborto, cujo sentido o próprio Bento XVI transformou em mensagem prioritária aos povos da América Latina no seu atual périplo pela região, junto com a condenação também da eutanásia, foi feita a propósito da posição tomada há alguns dias por autoridades eclesiásticas católicas da Cidade do México, em favor da punição religiosa dos deputados da Assembléia Legislativa que aprovaram uma lei segundo a qual deixa de ser crime a interrupção da gravidez durante as 12 semanas iniciais de gestação.
Ora, como se sabe, na linguagem popular temporão é o filho que vem ao mundo fora de hora, muito tempo depois do irmão precedente ou de o casal estar junto, mas nem por isso menos amado pelos pais. O ministro que traz essa condição no nome pode ter deitado falação sem levar em conta o detalhe, ou se o fez deve pensar que uma coisa não se liga à outra. Só que errou três vezes. Uma, pela falta de diplomacia (ou seria de educação?) de, como membro do governo, contestar com tanta veemência um visitante que o Estado brasileiro deveria receber com toda a hospitalidade, não só por ser o papa a autoridade máxima de uma religião abraçada por mais de 60% da população do país como por estar investido, ele também, do cargo de chefe de Estado. Outra, por afirmar que o aborto é um problema de saúde pública, um total disparate. No mínimo, o ministro revelou uma confusão mental, pois se muitas mulheres abortarem, aí, sim, haverá um problema para a rede pública de saúde, e não na situação contrária. Se quis posar de mocinho, como aliás faz quase todo o governo Lula, a começar do chefe, com raras exceções, defendendo um suposto direito das mulheres de decidir sobre o destino da vida que carregam no ventre, não poderia ter circunscrito a questão no âmbito das que são afetas ao Ministério da Saúde. E o terceiro erro, talvez o maior de todos, foi o de avocar para o governo um papel que não lhe cabe, sobretudo como Poder Executivo. Como lembra o professor José Reinaldo de Lima Lopes, titular da cadeira de Teoria e História do Direito na USP, em entrevista ao jornalista Gabriel Manzano Filho, no jornal O Estado de S. Paulo de hoje, o aborto é um assunto da sociedade e não do governo, até porque o Estado brasileiro, por ser declaradamente laico, não deve arbitrar disputas entre grupos sociais motivadas por interesses religiosos. Alguém precisa explicar isso para o ministro Temporão, apesar de seu nome.
Mas, retomando o tema das coincidências, muitos devem tê-las constatadas no próprio local de trabalho. Dois colegas de profissão deste blogueiro servem de exemplo. Um, ex-editor de assuntos agrícolas num grande jornal, e portanto envolvido com gente que extrai frutos da terra de plantas ou árvores fincadas no solo, assina Raíces no sobrenome. Outro, também da mesma área, que assim escreve sobre uma atividade desenvolvida distante dos centros urbanos, traz um Cafundó no sobrenome. Quando queriam falar de algo situado ou ocorrido muito longe, os antigos diziam 'lá onde Judas perdeu as botas', ou 'lá no cafundó do Judas'.
Imbatível no gênero é, porém, um ex-diretor da antiga Sunab, a Superintendência Nacional de Abastecimento, órgão encarregado de fiscalizar os preços cobrados da população pelos supermercados e outros estabelecimentos comerciais dedicados à venda de alimentos no varejo. Sempre que se avizinhava a Semana Santa era a mesma história, naqueles idos de 70, se não falha a memória. Impedidos de comer carne vermelha, os católicos corriam atrás de peixes, e os comerciantes aproveitavam a demanda aquecida para aumentar os preços dos diversos tipos de pescado. Então, o ex-superintendente, entrevistado obrigatório dos grandes jornais da época, nas reportagens sobre a Semana Santa, fazia suas recomendações sobre o que comprar, entre as alternativas menos onerosas para os consumidores. Falava de peixes e mais peixes. E qual era seu nome? Mário Robalo.

quarta-feira, 25 de abril de 2007

Oposição sem vértebras

"No estrito plano político, Lula se beneficia de uma conjunção única: não há candidato natural à sua sucessão; os presidenciáveis do outro lado, Serra e Aécio, sabem que seria suicídio eleitoral - e administrativo - se começassem a construir as suas candidaturas com a argamassa do antilulismo; e a oposição, ou o que resta dela, definha por ser incapaz de refazer as bandeiras que a sua própria incompetência permitiu que Lula esfarrapasse na reta final da campanha. Por fim, jogam a favor da hegemonia do presidente dois poderosos fatores estruturais: o Executivo é o centro de gravidade natural da política brasileira, e a ideologia há muito que deixou de contar no sistema partidário - com a eventual exceção do PT e do ex-PFL."
O fecho do primeiro editorial de hoje do jornal O Estado de S. Paulo, O paraíso astral do presidente, resume com perfeição a geléia geral em que se transformou o centro da política nesta república ao sul do equador. Pensando bem, nem haveria surpresa pela triste situação a que chegamos. O fato de o principal partido da oposição, o PSDB, por meio dos governadores José Serra, de São Paulo, e Aécio Neves, de Minas Gerais, em nome de supostas necessidades administrativas, ceder ao canto de sereia lançado melifluamente pelo atual ocupante do Palácio do Planalto – o qual, diga-se de passagem, revela como pássaro com cabeça de mulher, segundo a mitologia grega, um insuspeitado talento -, constitui uma prova cabal de que a nobre arte da política é exercida, nesta parte dos trópicos, por uma grande maioria de gente desprovida de vértebras e caráter. De cozinheiros assim não se poderia esperar, portanto, outras aptidões além de levar ao forno uma pizza tamanho família.
Leia-se, a propósito, o seguinte texto:
"Afirmo que o governo Lula é o mais corrupto de nossa história nacional. (...)
Afirmo ser obrigação do Congresso Nacional declarar prontamente o impedimento do presidente. As provas acumuladas de seu envolvimento em crimes de responsabilidade podem ainda não bastar para assegurar sua condenação em juízo. Já são, porém, mais do que suficientes para atender ao critério constitucional do impedimento. Desde o primeiro dia de seu mandato o presidente desrespeitou as instituições republicanas.
Imiscuiu-se, e deixou que seus mais próximos se imiscuíssem, em disputas e negócios privados. E comandou, com um olho fechado e outro aberto, um aparato político que trocou dinheiro por poder e poder por dinheiro e que depois tentou comprar, com a liberação de recursos orçamentários, apoio para interromper a investigação de seus abusos.
Afirmo que a aproximação do fim de seu mandato não é motivo para deixar de declarar o impedimento do presidente, dados a gravidade dos crimes de responsabilidade que ele cometeu e o perigo de que a repetição desses crimes contamine a eleição vindoura. Quem diz que só aos eleitores cabe julgar não compreende as premissas do presidencialismo e não leva a Constituição a sério. (...)
Afirmo que o governo Lula fraudou a vontade dos brasileiros, ao radicalizar o projeto com que foi eleito (...). Ao transformar o Brasil no país continental em desenvolvimento que menos cresce, esse projeto impôs mediocridade aos que querem pujança.
Afirmo que o presidente, avesso ao trabalho e ao estudo, desatento aos negócios do Estado, fugidio de tudo o que lhe traga dificuldade ou dissabor e orgulhoso de sua própria ignorância, mostrou-se inapto para o cargo sagrado que o povo brasileiro lhe confiou."
Quem o escreveu, em novembro de 2005, um ano antes das últimas eleições? Roberto Mangabeira Unger, brasileiro, professor de Direito em Harvard. Pois Mangabeira Unger, guru do ex-ministro Ciro Gomes, ultimamente meio ressabiado com Lula por não ter sido seu partido, o PSB, bem aquinhoado na distribuição de cargos no governo, vai assumir no próximo dia 4 o cargo de ministro (o 36.o) da Secretaria de Ações a Longo Prazo. E, segundo o repórter Leonencio Nossa, do jornal O Estado, fará na data um discurso de desculpas por suas ofensas ao presidente no passado.
Diz-se que um homem inteligente não fica a vida inteira montado sobre uma idéia. De fato, ninguém está livre de equívocos, e quando estes se evidenciam é o caso de mudar de opinião. Mas se a mudança de posição é feita não por uma evidência em contrário, e sim apenas por interesse pessoal, isso ganha outro nome. É desonestidade.
Por essas e outras, cabe aplaudir a atitude tomada pela ex-deputada Zulaiê Cobra Ribeiro. Cria política do falecido ex-governador Mário Covas, Zulaiê ficou sem mandato por ter concorrido nas últimas eleições como suplente do candidato a senador pela coligação PSDB-PFL, Guilherme Afif Domingos, derrotado por Eduardo Suplicy, do PT. Mas com seu estilo estridente nunca deixou de dizer umas verdades. Como agora, ao se desfiliar do PSDB. "Estou decepcionada", declarou ontem, ao anunciar a decisão. "O partido não corresponde mais aos meus ideais. Está subserviente ao Lula, longe das ruas, do povo. Em 2005 e 2006 não fez uma oposição séria. E este ano elegemos o Arlindo Chinaglia (como presidente da Câmara do Deputados). O PSDB vota no PT."
Que fizeram de ti, PSDB?

sábado, 14 de abril de 2007

Voz no deserto

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso continua a ser a voz mais iluminada e consciente da oposição. Deu novamente uma mostra disso, ao ser procurado por repórteres ao final da palestra que proferiu ontem na Associação Comercial do Rio, sob o tema A reinvenção do futuro das grandes metrópoles e a nova agenda de desenvolvimento econômico e social da América Latina.
Fernando Henrique não só repudiou a forma como o governo atual tenta abrir um canal de diálogo com a oposição – "Qualquer discussão fora do Congresso tem um certo cheiro de cooptação, de chamar para amortecer. E aí eu não gosto", afirmou – como fez uma dura crítica ao seu próprio partido, o PSDB, por este ter abandonado bandeiras programáticas na última campanha presidencial. "Não houve uma proposta nítida que dissesse que nós somos diferentes, defendemos isso e isso, queremos tais coisas", declarou, segundo a reportagem de Wilson Tosta no jornal O Estado de S. Paulo de hoje. "Nem a privatização fomos capazes de defender. Privatizamos o que precisava ser privatizado, foi um êxito e nós não dissemos isso. A culpa é muito mais nossa do que da população."
De fato, durante a campanha o PSDB reagiu como o otário da anedota à malandragem petista de transformar as privatizações numa espécie de maracutaia montada para enriquecer uns poucos à custa da nação. Além de não mostrar que se tratava de uma torpe mentira, destinada tão-somente a angariar votos junto aos incautos e desinformados, não apresentou um número sequer, dos muitos que há, a respeito dos benefícios trazidos ao país pela privatização de empresas estatais ineficientes e onerosas. Pior: tentou convencer o eleitorado de que um futuro governo Alckmin não venderia ao setor privado o Banco do Brasil, a Petrobrás e a Caixa Econômica Federal, quando o correto, de acordo com o programa do partido, teria sido dizer que qualquer estatal, dependendo das circunstâncias, poderia ser privatizada. Em outras palavras, vestiu a carapuça e permitiu ao adversário meter-lhe um gol pelo meio das pernas.
O PSDB foi castigado por desprezar o primeiro ensinamento de qualquer manual de estratégia: nunca fazer o jogo do inimigo. Mas não parece ter aprendido a lição. Vários de seu integrantes, como o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, substituíram o discurso oposicionista por tapinhas no traseiro, na relação com o Planalto. Agem como se Lula se tivesse transformado numa entidade com poderes sobrenaturais, merecedora de vassalagem por todos que pensem em sucedê-la no poder.
Como o eleitor poderá escolher, se a oposição se confunde com a situação numa massa amorfa, sem propostas alternativas? Com a falta de caráter e compostura que é sua maior marca, o atual governo já montou uma base de apoio de tamanho suficiente para atuar como rolo compressor nas votações do Congresso. Não precisa da leniência da oposição.
A eleição acabou há quase cinco meses, é hora de despertar da letargia. Os partidos da oposição, e o PSDB em particular, não podem deixar que Fernando Henrique continue a clamar solitário no deserto. Não podem permitir que seu sucessor, o presidente-camaleão, como o definiu o jornal O Estado de S. Paulo em referência ao vergonhoso rapapé de Lula enaltecendo políticos do PMDB como Jader Barbalho e Orestes Quércia, que ele próprio vituperava com os piores nomes em passado não muito distante, continue nadando de braçada, impune, senão pelos desmandos, ao menos por suas agressões à verdade dos fatos.

quinta-feira, 12 de abril de 2007

Navegar é preciso

Políticos do PSDB, entre eles os deputados José Aníbal e Arnaldo Madeira, ambos de São Paulo e ex-líderes de governo durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso, mostram-se desanimados diante das pesquisas de opinião - na terça-feira passada do instituto Sensus e agora do Ibope - que mostram um alto índice de aprovação popular do presidente Lula, em torno de 50%, apesar das crises do setor aéreo e da segurança. "Estamos aniquilados", teria desabafado Aníbal, segundo um despacho da Reuteurs assinado pelos jornalistas Ricardo Amaral e Natuza Nery. "A Câmara se transformou numa extensão do Executivo. Aqui se vota o que o governo quer", teria afirmado por sua vez Madeira.
O desânimo dos políticos oposicionistas contrasta com a indignação que parte da opinião pública continua a demonstrar diante da inoperância, ou de coisas piores, do governo Lula. No jornal O Estado de S. Paulo de hoje, uma leitora, Maria Helena M. Borges Martins, manifesta-se assim: "Trabalho como voluntária num hospital infantil do Estado e em 10/4 presenciei o caso de uma criança de 2 anos que foi atacada por ratos em razão da precariedade da moradia em que vive com mais cinco irmãos. Agora vejo nos jornais que os deputados aumentaram seus salários, diminuíram a carga horária da jornada de trabalho e que o presidente tem seu índice de popularidade em alta. Quero vomitar mas não consigo! Que brasileiros são esses que elegeram essa quadrilha?"
Por maior que seja o desalento causado pelas pesquisas de opinião à parcela da população e aos políticos que se opõem ao atual governo, no entanto, como cidadãos eles têm o dever de não abandonar sua crença no futuro do país. Ou seja, apesar da tormenta é preciso navegar, como dizia o grande Ulysses Guimarães. E isso requer a manutenção da racionalidade acima da paixão, algo como o que se vê neste trecho do artigo do jornalista e filósofo Gilberto de Mello Kujawski, no mesmo Estadão de hoje. "Lula não pega nem no tranco. Então, sem governo, sem oposição, como é que o país continua de pé?", indaga ele, para depois concluir: "No Brasil, escreve-se certo por linhas tortas. O método é confuso, mas o conjunto da obra nos redime. Talvez seja esta a verdadeira originalidade brasileira".
No fundo, não há nada de errado no fato de um presidente desfrutar de aprovação popular. Como a Presidência da República é a maior das instituições de nossa democracia, uma crise de confiança ligada a ela produziria turbulências capazes de conduzir a um retrocesso político que poucos hão de querer, num país ainda não refeito dos vinte anos que amargou de restrição das liberdades.
Desse ponto de vista, portanto, é até desejável que Lula continue no seu pedestal, mesmo que de barro, porque isso faz parte da normalidade democrática. Mas isso também não significa que devamos abdicar da capacidade de nos indignar perante acontecimentos afrontosos às nossas consciências como homens e cidadãos.
A sinceridade, irmã da honestidade, deve ser cobrada de todos, do mais simples cidadão ao mais poderoso ou influente. É por isso que os políticos da oposição se fazem hoje merecedores de um bom puxão de orelhas. A política praticada com decência não pode visar apenas aos resultados de eleições. Ela deve estar voltada para algo bem maior, o futuro do país. E, nesse sentido, antes de se lamentar a popularidade de um presidente é preciso que cada um assuma as suas responsabilidades. A começar pela definição clara do papel que se propõe a desempenhar, sem medo de ser rotulado como de direita pelos idiotas que posam de bons samaritanos. Subterfúgios e meias-palavras são recursos próprios de quem apenas quer enganar o eleitorado. Usá-los é igualar-se àqueles a quem dirigem seus anátemas.

quarta-feira, 4 de abril de 2007

Apagão com crise militar

Em sua coluna no jornal Folha de S. Paulo de hoje, o jornalista Elio Gaspari usa seus pendores de historiador e agudo analista para lembrar do perigo de ocorrer uma crise militar junto com o apagão aéreo, por culpa da irresponsabilidade com que o presidente Lula tem agido frente ao caso.
"Evitando enfrentar com as leis militares a insubordinação dos sargentos da FAB que operam o sistema de controle de vôos do país", escreve Gaspari, "Nosso Guia amarelou em pelo menos duas ocasiões. A primeira, em novembro, quando a FAB recuou da decisão de aquartelar os militares. Semanas depois, havia brigadeiros negociando com sargentos. Era o início da pane hierárquica. A segunda, na última sexta-feira, quando mandou o ministro do Planejamento para uma reunião sindical com amotinados que haviam posado para fotografias, refestelados e coloridos. Pior: desautorizou o comandante da Aeronáutica, que determinara a prisão dos insubordinados."
Depois de lembrar que apesar de ter havido outras crises militares no passado por quebra de hierarquia, superadas com anistias concedidas pelo Congresso, Gaspari diz que o risco atual é especialmente grave porque conta, no nascedouro, com a interferência direta do presidente da República, ao contrário das anteriores. "Já apareceram comissários que conhecem 'brigadeiros progressistas' e parlamentares que recebem acenos de oficiais indignados. Essas duas espécies estão por aí, ciscando nos conciliábulos de Brasília", relata. E finaliza: "São nefandas figuras, retratadas em 1965 pelo marechal Castello Branco: 'Eu os identifico a todos. E são muitos deles, os mesmos que, desde 1930, como vivandeiras alvoroçadas, vêm aos bivaques bolir com os granadeiros e provocar extravagâncias do poder militar'. Desde 1981, o Brasil não vê extravagâncias do poder militar. O que menos se precisa é do ressurgimento das vivandeiras". (Explicação: vivandeira, na definição do Dicionário Aurélio, é mulher que vende mantimentos, ou que os leva, acompanhando tropas em marcha. Evidentemente, aqui Gaspari emprega a palavra em sentido mais amplo.)
Os militares, em qualquer lugar do mundo, têm suas normas de disciplina, sem as quais nenhum exército, marinha ou força aeronáutica funcionaria. E a base da disciplina militar é a hierarquia, necessariamente mais rígida do que em organizações civis. Imagine-se uma oficial subordinada, tipo uma capitã, querendo discutir sua relação com o chefe, amante ou eventualmente marido, ao receber uma ordem no fragor do combate. Seria algo tão impensável quanto um sargento que se amotina e pede a desmilitarização do serviço de controle aéreo, mancomunado com os colegas civis, como na atual baderna que se instalou nos aeroportos brasileiros. Para manter a disciplina, o superior hierárquico só pode mandar prender, ou no caso de guerra até submetê-los à corte marcial para um fuzilamento, os subordinados que não cumpram uma ordem explícita. Alguns segundos perdidos no disparo de um canhão podem custar a perda de um navio ou de parte de um destacamento de infantaria. Uma batalha pode terminar em derrota, talvez a própria guerra.
Mesmo assim, o Brasil tem um presidente que desautoriza o comandante da Aeronáutica e manda em seu lugar um ministro civil para negociar com os grevistas, muitos deles militares. E a Folha também publica hoje que Lula recuou da posição anterior para autorizar a prisão dos sargentos no caso de uma nova greve. Ou seja, além de tudo, parece tão perdido quanto o ministro Paulo Bernardo, do Planejamento, que prometeu aos grevistas patrocinar uma futura anistia, além da desmilitarização do serviço, um processo de condução complicada e finalização incerta. Lula tem muito a aprender, nessa área, com o colega americano George W. Bush. Uma iminente crise no setor foi resolvida antes de acontecer porque Bush não impediu o comando militar de prender os insubordinados. Mais: havia controladores civis reservas, treinados com antecedência, e que assumiram o serviço para não causar transtornos aos passageiros.
Já no Brasil de Lula, bem, como se não bastasse o inferno vivido pelos passageiros nos aeroportos, na semana passada, avizinha-se uma Páscoa em que filhos e netos deixarão de ver pais e avós, além de sofrerem horas, talvez madrugadas inteiras, com filas, tumultos e a falta de respeito de vôos cancelados sem prévio aviso. Há muito o transporte aéreo deixou de ser um luxo para tornar-se uma necessidade cotidiana dos cidadãos. Alguém precisa avisar o presidente sindicalista sobre isso.

Em busca das cadeiras perdidas

O PSDB deu início ontem ao movimento oposicionista de recuperação de cadeiras na Câmara dos Deputados, conquistadas nas eleições de outubro do ano passado mas depois perdidas para o bloco governista, ao protocolar na Mesa Diretora da casa pedido de declaração de vacância de mandato para sete parlamentares que trocaram o partido por outro nos últimos meses.
O PSDB pede ainda que a Mesa, no prazo de 48 horas após a declaração de vacância, convoque os suplentes do partido eleitos, por ordem decrescente de votos recebidos, para ocupar os cargos assim abertos. A principal legenda da oposição quer cassar o mandato de sete vira-casacas, hoje em outras pousadas: Armando Abílio (agora no PTB-PB), Atila Lira (no PSB-PI), Djalma Berger (no PSB-SC), Leo Alcântara (no PR-CE), Marcelo Teixeira (no PR-CE), Vicente Arrruda (no PR-CE) e Vicentinho Alves (no PR-TO). Os três deputados cearenses seguiram os passos de Lúcio Alcântara, ex-governador do estado, que saiu do PSDB depois de desentender-se com o presidente do partido e conterrâneo, senador Tasso Jereissati.
O DEM (ex-PFL), o PPS e o PDT também querem reaver o espaço perdido na Câmara, num total de 24 assentos contando-se os sete do PSDB. Desde as eleições de outubro, 37 deputados mudaram de legenda, seja da oposição para a situação, seja dentro do bloco governista. E o contra-ataque dos oposicionistas se faz com respaldo na declaração da semana passada do Tribunal Superior Eleitoral, TSE, de que o mandato pertence em primeiro lugar ao partido ou à coligação, e não ao parlamentar eleito, no sistema proporcional.
Em nome da moralização dos costumes políticos no país, espera-se que mesmo com os eventuais cassados recorrendo ao Supremo Tribunal Federal, STF, este mantenha a decisão tomada pelo TSE no sentido de punir a infidelidade partidária. E se agir assim a corte o fará coberta de razão, pois mais da metade (58%) da atual Câmara dos Deputados, segundo um levantamento do jornal Folha de S. Paulo, já trocou de legenda pelo menos uma vez ao longo da carreira política. O mais infiel de todos é Airton Roveda, do PR do Paraná, com sete trocas. Mas mesmo o presidente do Conselho de Ética da Câmara, Ricardo Izar, do PTB de São Paulo, não pode posar de modelo nesse quesito. Ele já mudou de partido cinco vezes.
Tecnicamente, o STF terá grande dificuldade em atender aos recursos dos eventuais cassados para a recuperação do mandato, não só porque em geral não se imiscui na seara do TSE, onde três de seus ministros mantêm assento, como também porque o Código Eleitoral de 1965, que legislou sobre o polêmico quociente eleitoral nos pleitos proporcionais, está em plena vigência, acolhido pela Constituição de 1988.
Em dezembro do ano passado, o pequeno PSL – Partido Social Liberal, que não conseguiu eleger ninguém para o Congresso Nacional, encaminhou ao procurador-geral da República, Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, por meio do secretário geral da Executiva Nacional, o advogado Ronaldo Nóbrega Medeiros, pedido oficial de ajuizamento de uma ação direta de inconstitucionalidade no STF, em relação aos artigos do Código Eleitoral que tratam do quociente. Como essas coisas costumam demorar para andar, mesmo que o procurador-geral acate a solicitação do PSL, não é por aí que os deputados vira-casacas deverão encontrar uma saída para o seu caso.
Resta, então, a alternativa de tentar acabar com o quociente eleitoral por meio de uma emenda constitucional, que exige uma maioria de três quintos do Senado e da Câmara. Mas aqui existe um outro problema, e dos grandes. Além de a própria base de apoio do governo não saber se já está com essa bola toda, a ponto de mudar a Constituição, mais de 90% dos atuais deputados foram eleitos graças à aplicação do quociente. Segundo o ministro Cesar Asfor Rocha, do TSE, relator da declaração sobre a titularidade dos mandatos em eleições proporcionais, apenas 31 dos 513 deputados (ou seja, míseros 6,04%) obtiveram seus cargos com os próprios votos, pernas e recursos. Todos os demais não estariam na Câmara não fosse o quociente. Como justificar, assim, a tentativa de derrubar um instituto que os elegeu, mesmo com toda a caradura que caracteriza a maioria dos políticos brasileiros?
O irônico nessa história é que o tal quociente representa de verdade uma aberração jurídica, por contrariar o espírito da democracia representativa. O dispositivo permite a partidos pequenos eleger deputados federais com ínfima expressão, como o coronel Paes de Lira, do PTC de São Paulo, que obteve 6 673 votos nas últimas eleições, ao mesmo tempo em que pune as legendas maiores ao deixar de fora gente com mais de 100 000 votos. É que se chega ao resultado final da aplicação do quociente por meio de sucessivas operações matemáticas, primeiro pela divisão do total de votos válidos, sem os brancos e nulos, pelo número de cadeiras da Câmara, depois pela divisão do total de votos válidos de cada partido pelo quociente obtido na operação anterior e em seguida pela distribuição das sobras (vagas não preenchidas porque os candidatos ficaram abaixo do quociente definido para cada partido) uma a uma, por ordem de resultado das legendas. Pelas contas do relator do TSE, portanto, apenas 31 dos atuais deputados não precisaram das sobras, que são dos partidos e não de cada candidato em particular, para se eleger.
Em resumo, a lei pode estar errada, mas se mais de 90% dos atuais deputados federais chegaram aonde estão graças a ela, esses mais de 90% não têm como argumentar contra ela para defender seus mandatos. A lei pode ser mudada? Pode, mas o efeito dessa mudança só pode valer para a próxima legislatura, não para a atual. Qualquer saída que se encontre fora disso não passará de grossa maracutaia.

terça-feira, 3 de abril de 2007

Imite o caracol

O texto seguinte foi escrito por um brasileiro que vive na Europa e trabalha para uma empresa sueca. O que se publica é um trecho do original do autor não identificado que circula por e-mail, aqui com ligeira edição por parte do blog.

"Há um grande movimento na Europa hoje, chamado 'slow food'. A Slow Food International Association, cujo símbolo é um caracol, tem sua base na Itália (o site http://www.slowfood.com/ é muito interessante. Veja-o!).
O que o movimento prega é que as pessoas devem comer e beber devagar, saboreando os alimentos, 'curtindo' seu preparo, no convívio com a família, com os amigos, sem pressa e com qualidade. A idéia é a de se contrapor ao espírito do 'fast food' e o que ele representa como estilo de vida que o americano endeusou.
O 'slow food' está servindo de base para um movimento mais amplo chamado 'slow Europa'. Como salientou a revista Business Week numa edição européia, a base de tudo está no questionamento da pressa e da loucura geradas pela globalização, pelo apelo à 'quantidade do ter' em contraposição à qualidade de vida ou à qualidade do ser. Segundo a Business Week, os trabalhadores franceses, embora trabalhem menos horas (35 horas por semana) são mais produtivos que seus colegas americanos ou ingleses. E os alemães, que em muitas empresas instituíram uma semana de 28,8 horas de trabalho, viram sua produtividade crescer nada menos que 20%.
Essa chamada atitude 'slow' está chamando a atenção até dos americanos, apologistas do 'fast' (rápido) e do 'do it now' (faça já). Portanto, essa atitude sem pressa não significa fazer menos, nem ter menor produtividade. Significa, isso sim, fazer as coisas e trabalhar com mais qualidade e produtividade, com maior perfeição, atenção aos detalhes, e com menos stress. Significa retomar os valores da família, dos amigos, do tempo livre, do lazer, das pequenas comunidades, do 'local', presente e concreto, em contraposição ao 'global', indefinido e anônimo. Significa a retomada dos valores essenciais do ser humano, dos pequenos prazeres do cotidiano, da simplicidade de viver e conviver, e até da religião e da fé. Significa um ambiente de trabalho menos coercitivo, mais alegre, mais 'leve' e, portanto, mais produtivo, onde seres humanos, felizes, fazem com prazer o que sabem fazer de melhor.
Gostaria que você pensasse um pouco sobre isso. Será que os velhos ditados 'Devagar se vai ao longe', ou ainda 'A pressa é inimiga da perfeição', não merecem novamente nossa atenção nestes tempos de desenfreada loucura? Será que nossas empresas não deveriam também pensar em programas sérios de 'qualidade sem pressa', até para aumentar a produtividade no trabalho e a qualidade de nossos produtos e serviços sem necessariamente prejudicar a 'qualidade do ser'?
No filme Perfume de Mulher há uma cena inesquecível, em que um personagem cego, vivido por Al Pacino, tira uma moça para dançar embora ela diga: "Não posso, porque meu noivo vai chegar em poucos minutos". Ao que ele responde: "Mas em um momento se vive uma vida", e passa a conduzi-la nos passos de um tango. Esta pequena cena é o momento mais bonito do filme.
Algumas pessoas vivem correndo atrás do tempo, mas parece que só o alcançam quando morrem enfartadas, ou algo assim. Para outros, o tempo demora a passar: ficam ansiosos com o futuro e se esquecem de viver o presente, que é o único tempo que existe.
Tempo todo mundo tem, e por igual. Ninguém tem mais nem menos do que 24 horas por dia. A diferença é o que cada um faz do seu tempo. Precisamos saber aproveitar cada momento, porque, como disse John Lennon, 'A vida é aquilo que acontece enquanto fazemos planos para o futuro'... "

quinta-feira, 29 de março de 2007

A infidelidade castigada

Os deputados que trocaram a oposição pela situação seduzidos por promessas de vantagens e cargos devem agora estar, para usar uma expressão antiga, com a pulga atrás da orelha. O motivo é que o Tribunal Superior Eleitoral, TSE, em resposta a uma consulta formulada pelo até ontem Partido da Frente Liberal (PFL), agora simplesmente Democratas (DEM), entendeu pertencer o mandato parlamentar à legenda e não ao eleito, nas eleições proporcionais para deputado federal ou estadual e para vereador. O TSE abriu caminho, assim, para os partidos requererem de volta as vagas perdidas na Câmara dos Deputados com o troca-troca de seus eleitos infiéis. E estes, caso as legendas obtenham sucesso no pedido, o que parece certo diante do parecer dado anteontem pelo TSE, perderiam o mandato para os suplentes.
A manifestação da corte, integrada entre outros por três ministros do Supremo Tribunal Federal, STF, um dos quais, Marco Aurélio Mello, é o próprio presidente do TSE, colheu de surpresa as hostes governistas na Câmara. Em alegre confraria, festejando a recente filiação de 36 deputados que tinham sido eleitos em outubro do ano passado por outros partidos, ao saber da decisão do tribunal passaram do riso aos protestos e lamentações. Afinal, como se sabe, não é fácil manter unida uma base de apoio ao governo, hoje no Brasil. Custa mensalões, ambulâncias superfaturadas e distribuição de milhares de cargos de confiança bem remunerados junto com a titularidade de alguns ministérios.
Mas um recurso ao STF como o aventado ontem pelo presidente da Câmara, o petista Arlindo Chinaglia, deverá ter pouca serventia, porque tudo indica que a corte suprema manterá a palavra do TSE, até pelo fato de ministros seus integrarem o tribunal eleitoral. Outra saída para os governistas seria editar uma nova lei para consagrar a prática escandalosa da infidelidade partidária, na contramão de tudo o que se preconiza para a reforma política, mantido em banho-maria no Congresso por falta de interesse dos parlamentares governistas em moralizar o que quer que seja em sua seara. A iniciativa também tem duvidosas chances de êxito, pela grita que despertará na opinião pública.
Assim, os governistas vêem-se numa sinuca de bico, e a menos que encontrem uma forma de sair dela a aprovação de medidas do Executivo tende a tornar-se mais difícil do que esperavam. Depois de atrair as ratazanas de partidos de fora da base, o governo conta hoje com uma folgada maioria de 376 deputados num total de 513 da Câmara. Mas se os partidos da oposição, PSDB, DEM, PPS e também o PDT, que pelo menos na prática ainda não mostrou ser da situação, embora tenha anunciado a mudança de lado, recuperarem as vagas perdidas, o quadro muda de figura.