Cartaz do filme de 1956, de Hitchcock
O editorial de ontem do Estadão, no qual o jornal critica a atitude do presidente Lula de sempre alegar desconhecimento para livrar-se de responsabilidades - O homem que sabia de menos -, começa logo no título com uma feliz inversão do nome de um filme famoso de Alfred Hitchcock, O Homem que Sabia Demais (The Man Who Knew Too Much, de 1956, refilmagem da versão original, de 1934, do mesmo diretor). A alusão é perfeita, porque se Lula diz nunca saber de nada para evitar complicações, o pacato turista interpretado por James Stewart no filme só enfrenta problemas, para ele e a família, depois de ouvir involuntariamente a confidência de um moribundo, esfaqueado por seus comparsas terroristas, no Marrocos, sobre um plano de assassinato de um figurão político em Londres, em meio a um concerto no Royal Albert Hall.
Mas, com todas as suas qualidades, o filme de Hitchcock é mais lembrado hoje pela música cantada por Doris Day, Que Sera, Sera, um clássico de Jay Livingston e Ray Evans, premiado com o Oscar de melhor canção em 1957. Doris celebrizou-se pelos papéis de loura ingênua nas comédias que fez com Rock Hudson em fins dos anos 50, a ponto de Grouxo Marx afirmar que a conhecera ‘quando ela ainda não era virgem’. Pura maldade, porque mais do que ótima atriz ela era excepcional cantora, uma das artistas mais luminosas da constelação de talentos que imortalizou uma época de ouro da grande canção americana – e que, como tal, merecia um pouco mais de respeito.
Quando menina, Doris Mary Ann von Kappelhoff, filha de pais alemães divorciados, nascida em 3 de abril de 1924 em Cincinatti, Ohio, queria ser bailarina. Aos 14, no entanto, sofreu um grave acidente automobilístico que a obrigou a abandonar o sonho. O mundo perdeu uma bailarina, talvez com talento, mas ganhou uma cantora soberba. Aos 16 anos Doris já estreava como crooner na banda de Les Brown, e nas três décadas que se seguiram gravou um extenso repertório de clássicos, trafegando entre o jazz e o pop tradicional.
Um rápido apanhado dá uma idéia da riqueza de sua discografia. Além de Que Sera, Sera e de Secret Love, de Sammy Fain e Paul Francis Webster, outra canção premiada com o Oscar, do filme em que ela interpretou a pistoleira, no bom sentido, Jane Calamidade, em Ardida como Pimenta (Calamity Jane, de 1953), Doris gravou ao longo de sua carreira musical as seguintes, entre outras obras-primas da canção americana legítima e peças importadas: Autumn Leaves (de Joseph Kosma), Night and Day (de Cole Porter), April in Paris, I Love Paris (também de Porter), Bewitched, Blue Moon, By the Light of the Silvery Moon, Domino, Dream a Little Dream of Me, Fascination, I’m in the Mood for Love, It Had to be You, It’s Magic, My Blue Heaven, Sentimental Journey, Serenade in Blue, Stardust (de Hoagy Carmichael e Mitchell Parish), You’ll Never Know, September Song e Summertime. Não há como não se emocionar com a sensibilidade demonstrada por Doris na sublime Domino, de Louis Ferrari e Jacques Plante, vertida para o inglês por Don Raye, ou com sua técnica impecável no dueto histórico com Bing Crosby em Baby, It’s Cold Outside. Outro grande dueto seu foi com Frankie Laine, em Sugarbush.
Se você é jovem demais para ter visto ou ouvido Doris Day, ou se tem idade para querer apreciá-la de novo, clique aqui para ver os vídeos postados no YouTube, Que Sera, Sera, com cenas do filme, e um clipe caseiro com Baby, It’s Cold Outside ao fundo. E em tempo: como diz a legenda do cartaz antigo de O Homem que Sabia Demais, às vezes conhecer algo, mesmo que pouco, pode trazer um grande perigo. É o que deve pensar Lula.
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