Criminosos quase sempre alegam inocência de início, por mais que as evidências reunidas contra eles digam o contrário, e se houver uma brecha tentam lançar a suspeição sobre outros. Da mesma forma, algumas figuras políticas do país fazem pouco da inteligência média dos brasileiros e procuram passar versões conspiratórias nas quais assumem, invariavelmente, o papel de vítimas.
O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, especialista na matéria, atribui à oposição um insopitável desejo golpista. O ainda presidente do Senado, Renan Calheiros, infringe o segundo mandamento ao invocar o nome de Deus em vão, ou seja, em favor de sua proclamada inocência. O ministro da Justiça, Tarso Genro, na condição de chefe supremo da Polícia Federal, busca impingir o conto da carochinha de que os dois boxeadores cubanos localizados, presos e deportados em tempo recorde quiseram voltar de moto próprio para a ilha de Fidel e o esperado garrote. E o presidente Lula, cujo apego à figura lingüística ‘nunca-antes-neste-país’ beira o paroxismo, depois de apresentar-se ontem, na capital da Nicarágua, onde pelo menos não enfrenta vaias, como o ‘único presidente’ que nunca se queixou do Congresso, soltou esta pérola, a propósito do Renangate: “Precisamos aprender a conviver com a democracia e com os percalços da democracia, que é boa, às vezes incomoda, mas ainda é o melhor regime para que a gente possa viver tranqüilamente”.
A quem pensam que enganam? A que platéia se dirigem, formada toda ela por néscios e incautos? Pois Dirceu, portador do belo nome dos poemas líricos de Tomás Antônio Gonzaga – embora não ame Marília -, ao contrário do inconfidente mineiro, português de nascimento, longe de conspirar por uma boa causa nunca fez nada senão atentar contra a democracia. É o último, portanto, que pode falar
Um afirmar que os cubanos pediram para retornar ao país do qual tentaram fugir, e outro exortar as liberdades democráticas quando na verdade trabalha para destruí-las, seja servindo de patrono a iniciativas petistas como as de montar um Conselho Federal de Jornalismo, reclassificar os cidadãos por critério de raça, acabar com as agências reguladoras e planejar uma Constituinte para moldar um poder virtualmente monopartidário e unipessoal para o futuro, seja ordenando, ou no mínimo admitindo, a deportação sumária de dois estrangeiros em condição regular no país - falta acima de tudo verossimilhança à encenação. Como numa peça de teatro de má qualidade, o espectador não se convence, muito menos se deixa cativar.
No caso dos cubanos, falta esclarecer o essencial. O governo precisa explicar à sociedade por que optou pela deportação sumária, ao arrepio da lei e da Justiça. Precisa ainda dizer por que manteve os dois presos incomunicáveis, longe da imprensa, quando nada havia naquele momento que pudesse prejudicar uma investigação policial. E precisa, por fim, definir em qual ou quais situações outras deportações desse tipo poderão ocorrer, por iniciativa do governo e contrariando convenções internacionais.
Enquanto não se esclarecer a questão, o Brasil viverá em insegurança jurídica, própria de regimes ditatoriais. E exortações democráticas, venham de quem vier, soarão falsas e sem conteúdo.
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