Em sua coluna no jornal Folha de S. Paulo de hoje, o jornalista Elio Gaspari usa seus pendores de historiador e agudo analista para lembrar do perigo de ocorrer uma crise militar junto com o apagão aéreo, por culpa da irresponsabilidade com que o presidente Lula tem agido frente ao caso.
"Evitando enfrentar com as leis militares a insubordinação dos sargentos da FAB que operam o sistema de controle de vôos do país", escreve Gaspari, "Nosso Guia amarelou em pelo menos duas ocasiões. A primeira, em novembro, quando a FAB recuou da decisão de aquartelar os militares. Semanas depois, havia brigadeiros negociando com sargentos. Era o início da pane hierárquica. A segunda, na última sexta-feira, quando mandou o ministro do Planejamento para uma reunião sindical com amotinados que haviam posado para fotografias, refestelados e coloridos. Pior: desautorizou o comandante da Aeronáutica, que determinara a prisão dos insubordinados."
Depois de lembrar que apesar de ter havido outras crises militares no passado por quebra de hierarquia, superadas com anistias concedidas pelo Congresso, Gaspari diz que o risco atual é especialmente grave porque conta, no nascedouro, com a interferência direta do presidente da República, ao contrário das anteriores. "Já apareceram comissários que conhecem 'brigadeiros progressistas' e parlamentares que recebem acenos de oficiais indignados. Essas duas espécies estão por aí, ciscando nos conciliábulos de Brasília", relata. E finaliza: "São nefandas figuras, retratadas em 1965 pelo marechal Castello Branco: 'Eu os identifico a todos. E são muitos deles, os mesmos que, desde 1930, como vivandeiras alvoroçadas, vêm aos bivaques bolir com os granadeiros e provocar extravagâncias do poder militar'. Desde 1981, o Brasil não vê extravagâncias do poder militar. O que menos se precisa é do ressurgimento das vivandeiras". (Explicação: vivandeira, na definição do Dicionário Aurélio, é mulher que vende mantimentos, ou que os leva, acompanhando tropas em marcha. Evidentemente, aqui Gaspari emprega a palavra em sentido mais amplo.)
Os militares, em qualquer lugar do mundo, têm suas normas de disciplina, sem as quais nenhum exército, marinha ou força aeronáutica funcionaria. E a base da disciplina militar é a hierarquia, necessariamente mais rígida do que em organizações civis. Imagine-se uma oficial subordinada, tipo uma capitã, querendo discutir sua relação com o chefe, amante ou eventualmente marido, ao receber uma ordem no fragor do combate. Seria algo tão impensável quanto um sargento que se amotina e pede a desmilitarização do serviço de controle aéreo, mancomunado com os colegas civis, como na atual baderna que se instalou nos aeroportos brasileiros. Para manter a disciplina, o superior hierárquico só pode mandar prender, ou no caso de guerra até submetê-los à corte marcial para um fuzilamento, os subordinados que não cumpram uma ordem explícita. Alguns segundos perdidos no disparo de um canhão podem custar a perda de um navio ou de parte de um destacamento de infantaria. Uma batalha pode terminar em derrota, talvez a própria guerra.
Mesmo assim, o Brasil tem um presidente que desautoriza o comandante da Aeronáutica e manda em seu lugar um ministro civil para negociar com os grevistas, muitos deles militares. E a Folha também publica hoje que Lula recuou da posição anterior para autorizar a prisão dos sargentos no caso de uma nova greve. Ou seja, além de tudo, parece tão perdido quanto o ministro Paulo Bernardo, do Planejamento, que prometeu aos grevistas patrocinar uma futura anistia, além da desmilitarização do serviço, um processo de condução complicada e finalização incerta. Lula tem muito a aprender, nessa área, com o colega americano George W. Bush. Uma iminente crise no setor foi resolvida antes de acontecer porque Bush não impediu o comando militar de prender os insubordinados. Mais: havia controladores civis reservas, treinados com antecedência, e que assumiram o serviço para não causar transtornos aos passageiros.
Já no Brasil de Lula, bem, como se não bastasse o inferno vivido pelos passageiros nos aeroportos, na semana passada, avizinha-se uma Páscoa em que filhos e netos deixarão de ver pais e avós, além de sofrerem horas, talvez madrugadas inteiras, com filas, tumultos e a falta de respeito de vôos cancelados sem prévio aviso. Há muito o transporte aéreo deixou de ser um luxo para tornar-se uma necessidade cotidiana dos cidadãos. Alguém precisa avisar o presidente sindicalista sobre isso.
quarta-feira, 4 de abril de 2007
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