sexta-feira, 8 de agosto de 2008

De vírgulas e hífens

Faz alguns anos, donos de jornais e revistas mandaram embora os revisores, para economizar. Hoje, os poucos revisores que ainda resistem na profissão encontram trabalho na área apenas como freelancers, cuidando sozinhos da edição inteira de uma revista ou realizando tarefas pontuais em jornais. Os patrões podem ganhar dinheiro com essa economia porca, mas os leitores perdem qualidade.

Se erros ortográficos são evitados com o uso de dicionários eletrônicos, os de gramática e pontuação escapam. Um revisor atento poderia, por exemplo, livrar a coluna de hoje do escritor Ignácio de Loyola Brandão, no jornal O Estado de S. Paulo, da vírgula indevida neste trecho: “Um estudante que veio me entrevistar, perguntava e olhava para as estantes”. Para estar correta, ela precisaria da companhia de outra vírgula depois da palavra ‘estudante’. Isolada, separou o sujeito da oração do verbo. A oração também poderia não ter vírgula nenhuma, embora assim talvez se ressentisse da falta de pausa, necessária à clareza.

Cometido ou não apenas por descuido do autor da coluna, um erro de pontuação sempre incomoda. E dizer que vírgula é mais uma questão de respiração não passa de disparate.

Muitas vezes, um erro de pontuação pode alterar o sentido de uma frase. Nunca me esqueci da lição recebida de uma professora de latim, no ginásio. Quando se preparava para sua grande campanha, na qual conquistou a maior parte do mundo que se conhecia na época, contou ela, Alexandre Magno enviou seus generais aos oráculos, porque queria saber se teria êxito. Os oráculos transmitiram aos generais quatro palavras isoladas: ‘irás’, ‘voltarás’, ‘não’ e ‘morrerás’. Solertes, os generais levaram a Alexandre a mensagem como a entenderam: “irás, voltarás, não morrerás”.

Confiante, Alexandre partiu, com o vigor dos 20 anos recém-completados. Derrotou o poderoso exército persa de Dario, além de outros inimigos, e anexou ao pequenino reinado da Macedônia, de onde partira, todos os territórios ao norte, nordeste e leste, até os limites da atual China. Mas morreu pouco antes de completar 33 anos, depois de mais de 12 em campanha ininterrupta, no ano 323 AC - não em batalha e sim com sinais de envenenamento, ao que se diz por obra da mulher, Roxana, inconformada por Alexandre querer deixá-la por uma princesa oriental, filha de Dario.

De volta à Macedônia, os generais foram cobrar os oráculos. Como puderam eles passar uma mensagem tão errada, de que Alexandre não morreria, se tinham ouvido os deuses? Então, os oráculos lhes responderam: “Não, vocês é que se enganaram. Vocês leram a mensagem assim: irás, voltarás, não morrerás. Mas na verdade ela dizia: Irás. Voltarás? Não. Morrerás”.

Ou seja, faltou um revisor para ajudar os generais. Se houvesse uma vírgula depois da negativa, provavelmente teriam interpretado a mensagem de outro modo, como queriam os oráculos.

Como escritor, e dos bons, Brandão sabe usar vírgulas, sobretudo em lugar de pontos finais. Observe-se sua precisão nestes trechos da crônica de hoje: “Outro queria saber se eu tinha livros de matemática, de geometria, respondi que não”, “O homem veio para uma série de reparos e, como era final de tarde, apanhou a mulher no trabalho e trouxe-a, daqui de casa iriam embora” e “Ela é uma dona de casa comum, o marido diz que muito diligente”. A concisão mostrada nessas construções Brandão talvez a tenha trazido dos tempos de repórter de jornal, nos anos 60. Se há um mérito maior no texto dito jornalístico, ele é o da economia de palavras, que pode ser encontrada, no exemplo mais evidente, nos contos e romances de Ernest Hemingway, também um dublê de jornalista e escritor.

No terceiro trecho citado, ocorre outra dúvida. Por que Brandão não escreveu ‘dona de casa’ com hífens, como mandam os dicionários? Teria sido outro descuido ou foi proposital? De fato, não faz o menor sentido tentar diferenciar a mulher que trabalha no lar da mulher que tem a posse de uma casa. O contexto em que se emprega a expressão já a explicaria.

Há inúmeras regras inúteis como essa na língua portuguesa. Alguém conseguiria explicar por que se deve usar boa-fé e má-fé, substantivados, com hífen, quando na forma de um adjetivo e de um substantivo juntos os termos expressam o mesmo significado? Infelizmente, nem a reforma ortográfica em via de adoção resolverá o problema, porque ela se limita a suprimir o sinal nas palavras compostas em que o primeiro elemento termine com uma vogal diferente da que inicia o segundo, ou em que o segundo elemento comece com ‘r’ ou ‘s’, quando então a palavra se tornará uma só, dobrando-se as consoantes. Exemplos: infra-estrutura passa para infraestrutura, mini-salão para minissalão, contra-regra para contrarregra, e assim por diante. A nova regra não se aplicará quando o segundo elemento começar com ‘r’ e o primeiro terminar com a mesma consoante. Assim, hiper-requintado, hiper-realismo e outras palavras compostas seguirão separadas por hífen. E também dona-de-casa, boa-fé, má-fé. Bem fazem os povos que usam o inglês, pois juntam tudo que podem para facilitar as coisas.

Mas, mesmo por lá, os revisores têm sua importância.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Futebol covarde

Se o time do Dunga só joga isso que mostrou hoje, o Brasil já pode dar adeus à sonhada medalha de ouro do futebol nas Olimpíadas. É inacreditável que para enfrentar esses belgas pernas-de-pau o técnico brasileiro tenha escalado três volantes, dos quais dois, Hernanes e Lucas, claramente instruídos a não passar do meio de campo. Na única vez em que desobedeceu à ordem e foi à frente, Hernanes fez o gol da magérrima vitória. Convenhamos, 1 a 0, diante de uma Bélgica jogando com nove, é demais. Ou melhor, de menos.

O Alexandre Pato, tadinho, ficou o primeiro tempo todo jogando só, porque o Ronaldinho Gaúcho se acomodou no lado esquerdo do campo e nada fez além de esticar umas bolas para dentro da área. Correção: bateu bem uma falta, porque disso é capaz, mas não deu nenhum pique ao seu antigo estilo, nem foi brigar na zona do agrião (saudades do João Saldanha) para ajudar o Pato.

No segundo tempo, o zagueirão Company, braços de boxeador, foi expulso. E o que fez o Dunga? Ao invés de botar dois atacantes para martelar a defesa adversária, tirou Pato e colocou Jô. Trocou, como se diz, seis por meia dúzia. Pior: não abriu mão de continuar com três volantes, trocando Anderson por Ramires. Depois, o volante-gigante (no tamanho, não na bola) dos belgas, Fellaini, também seria expulso, mas o time brasileiro continuou tocando pra lá e pra cá, num esquema de jogo covarde e medíocre.

Na Copa do Mundo de 1990, o técnico Sebastião Lazaroni decretou a ‘era Dunga’ no esquema de jogo da seleção principal. Deu no que deu: Maradona entortou Dunga e passou a bola para Caniggia, que fez 1 a 0 para a Argentina e desclassificou o Brasil. A atual seleção olímpica lembra bem a principal daquela Copa. Sua proposta, tornada evidente hoje, é não correr riscos e, se der, ganhar por 1 a 0. O problema é que com tal filosofia o caldo quase sempre entorna, fazendo o time perder por 1 a 0.

Os jornais de hoje noticiam que a seleção principal do Brasil foi rebaixada para um vexatório sexto lugar no ranking mundial, a pior colocação desde 1993. Também pudera: dos seis jogos já disputados nas Eliminatórias sul-americanas para a Copa de 2010, só ganhou dois. É a era Dunga de novo, agora no comando da seleção.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Mulheres-bombas

A primeira imagem que surge, quando se pensa no papel da mulher na história da humanidade, é a da loba que segundo a lenda amamentou e acabou de criar os irmãos Rômulo e Remo, fundadores de Roma no ano 753 AC. Os gêmeos, concebidos pela vestal Réia Sílvia, depois de seduzida pelo deus romano da guerra, Marte, também chamado de Ares, foram abandonados numa cesta no rio Tibre, tal como acontecera séculos antes com o menino Moisés no rio Nilo, no Egito, de acordo com o Antigo Testamento.

Tanto no caso de Moisés quanto no dos gêmeos, suas mães agiram como protetoras dos filhos ao implorar por suas vidas, conseguindo dos tios usurpadores de trono – na história de Roma foi Amúlio, que depôs e aprisionou seu irmão Numitor, pai de Réia Sílvia e legítimo rei – que eles fossem colocados num cesto de vime correnteza abaixo, em lugar de ser mortos pela espada. O mesmo instinto protetor teve a loba que recolheu os meninos do rio e os amamentou, não se importando em dividir o alimento de seus filhotes. E assim tem sido sempre, as mulheres defendendo a vida, em nome da preservação da espécie, os homens a atacando, em nome de glórias militares, riqueza ou poder. Mesmo Rômulo, repetindo Caim, matou o irmão Remo porque este queria fundar a nova cidade em local diferente – o monte Aventino – do escolhido por ele, o monte Palatino.

O homem que não pensa duas vezes antes de destruir é o mesmo que construiu a moderna civilização, mas nisso ele teve a ajuda decisiva da mulher. Mais do que limitar-se a cuidar da prole enquanto o marido estava nas guerras, e entre uma e outra campanha gerar e carregar no ventre um novo filho, a mulher sempre foi o elemento fundamental a impulsionar o homem na tarefa não só da reconstrução, mas da busca de um mundo melhor para todos pelo invento e pelo trabalho. Teria sido impossível para ele conquistar seus objetivos, seja em tempos de guerra, seja na paz, se não contasse com o apoio e a solidariedade da mulher que, ainda por cima, resolvia os problemas domésticos para ele poder se ocupar apenas de seus afazares.

Algumas fizeram até mais do que isso, como Madame Curie. Ao casar-se com um dos dois irmãos Curie, famosos físicos franceses, Pierre, a polonesa Marya Salomee Skodowska quis ser chamada assim, Madame Curie, pelo resto da vida. Com Pierre, trabalhando num modesto laboratório com chão de barro, ela descobriu o elemento químico do rádio. Duas vezes premiada com o Nobel, uma em 1903 em física, e outra em 1911 em química, quando a França entrou na Primeira Guerra, contra a Alemanha, ofereceu essas medalhas, e mais a que Pierre também ganhara em 1903, para serem refundidas e usadas como ouro para o custeio das despesas do país. O marido, antes de morrer atropelado por um coche, em 1906, chegou a recusar a Legião de Honra da França. “Não tenho absolutamente necessidade de ser condecorado, e sim de dispor de um laboratório”, respondeu Pierre à indicação para a honraria, a mais alta daquele país. Madame Curie foi uma companheira à altura. O raio-X, descoberto por eles, já estava sendo empregado no tratamento dos soldados feridos, com o equipamento montado em camionetes Renault. E, quando faltava motorista, lá ia Madame Curie para a frente de batalha, dirigindo uma dessas viaturas. Grande mulher, dedicada de corpo e alma às causas do país que adotara. Mesmo assim, quando anos depois da morte de Pierre ela se envolveu com o físico e matemático Paul Langevin, discípulo de seu ex-marido e homem casado, o populacho se reuniu na frente de seu modesto laboratório para chamá-la de adúltera e estrangeira. Que culpa poderia ter Madame Curie por agir como uma simples mulher, dotada de sentimentos além do cérebro privilegiado? Das duas filhas que teve com Pierre, Irène seguiu seus passos e foi também uma luminar da física, junto com o marido, Jean Frédéric Joliot, com quem descobriu os princípios da radioatividade artificial, base para o posterior desenvolvimento da fissão nuclear. E Eve se tornou sua biógrafa amorosa.

Perdoem-me os leitores do blog pela erudição de almanaque, mas é que não resisti a contar tais histórias depois de ler, no Estadão de hoje, que 70 pessoas morreram e 300 ficaram feridas pela ação suicida de três mulheres, que se infiltraram entre a multidão de peregrinos xiitas, em Bagdá e Kirkuk, no Iraque, para explodir as bombas amarradas ao corpo.

Como puderam, representantes do gênero que mais importou para a humanidade deixar as cavernas, trocar a vida pela morte? Seria uma demonstração de que no mundo de hoje nem conceitos arraigados em milênios resistem às pressões contrárias, nascidas ora do afrouxamento dos costumes, ora da manifestação ensandecida do ódio represado por facções religiosas ou políticas? Ou seriam, tão-somente, mulheres agindo para agradar a seus homens, ajudando-os na cama, na mesa, na casa e no trabalho, como sempre fizeram?

Difícil escolher uma resposta. Mas se é a última a verdadeira, então joguemos as maiores pedras nos homens que têm a covardia de mandar mulheres em seu lugar para fazer o serviço sujo.

sábado, 26 de julho de 2008

Homenagem a Jo Stafford

Existe uma categoria especial de jornalistas que se especializaram em memorabilia, termo latino que significa, literalmente, ‘coisas que valem ser lembradas’. Desse escasso e ilustre grupo, constituído por jornalistas-autores como Ruy Castro e Aluízio Falcão, que escrevem principalmente em veículos da imprensa, e Fernando Morais, que se dedica a resgatar fatos e personagens da história recente do Brasil em seus livros, venho acompanhando com especial interesse há vários anos, mais por afinidade pessoal com os assuntos abordados, os textos de Sérgio Augusto (não confundir com o homônimo mais jovem, também muito bom).

O carioca Sérgio Augusto, nascido em 1942, começou sua carreira aos 18 anos na Tribuna da Imprensa, como crítico de cinema. Trabalhou também no extinto Correio da Manhã e no Jornal do Brasil, nas revistas O Cruzeiro, Fatos & Fatos e Veja, entre outras, fez parte da equipe que fundou o tablóide O Pasquim, passou pela Folha de S. Paulo e hoje escreve no Caderno 2 do jornal O Estado de S. Paulo. O mínimo que se pode dizer dele é que se trata de alguém dotado não só de um saber enciclopédico em matéria de cinema, música e literatura, principalmente, como também da capacidade de cativar os leitores com seus escritos, ao mesmo tempo primorosos e amigáveis. Não sei se exagero, mas essa é uma qualidade que me parece estar mais concentrada na imprensa carioca, talvez pela tradição de investir em grandes cronistas, de Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade a Carlinhos de Oliveira, passando por Rubem Braga, Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos. Foi lá, também, que Armando Nogueira enobreceu como ninguém a crônica esportiva do país, na coluna Na Grande Área, mantida por mais de uma década no Jornal do Brasil. Não se pode esquecer ainda que também foi lá que nosso maior escritor, Machado de Assis, publicou suas crônicas, em fins do século 19.

Bem, tudo isso vem a propósito da homenagem que Sérgio Augusto faz hoje, no Caderno 2 do Estadão, à cantora americana Jo Stafford, falecida na semana passada, aos 90 anos. Um jornalista menos preparado se limitaria a um necrológio com algumas frases entre aspas a respeito da cantora. Das mãos de Augusto, ao contrário, surge todo um painel de época, misturado a considerações que ele faz sobre a grande música americana da primeira metade do século passado até o início dos anos 60, que foi o período no qual Jo Stafford reinou, sobretudo durante a guerra, como uma cantora que personificava as garotas que os pracinhas deixaram na terra. Por sinal, embora Augusto não faça menção, nas fotos que ilustram o texto há um outro ícone da época, a atriz Betty Grable com suas pernas sensuais e o traseiro fornido que os soldados guardavam na porta do armário, nos alojamentos, além dos atores James Stewart e Clark Gable em uniformes militares.

Um detalhe que não me passou em branco, no texto, é que Jo Stafford e seu então marido, o maestro e arranjador Paul Weston, criaram uma gravadora própria, chamada Corinthian Records. Augusto não esclarece o motivo da escolha do nome, mas é possível que ele tenha sintetizado para Jo e Weston os objetivos de expansão da gravadora ao referir-se à cidade de Corinto, da Grécia Antiga. Corinto rivalizou com Atenas e Esparta em poderio econômico, assim como no domínio das artes e dos esportes, tendo servido de sede para os Jogos Ístmicos, promovidos à mesma época do surgimento das atuais Olimpíadas, na cidade de Olimpo, por volta de 2 500 AC.

Como sabem os corintianos, e também os despeitados palmeirenses e sãopaulinos, sem a mesma carga de história e tradição no nome, o Corinthian (sem o ‘s’ final) inglês – que fazia a mesma homenagem aos gregos de Corinto e, ao que consta, sobrevive até hoje, numa divisão inferior do futebol do Reino Unido – andou por aqui, no início do século passado, aplicando uma surra em times paulistas e inspirando a criação do homônimo e glorioso alvinegro do Parque São Jorge, em 1910.

Outro detalhe que me chamou a atenção no texto de Augusto é o entusiasmo com que ele se refere às facilidades oferecidas pelo site YouTube. Como já disse o escritor Ignácio de Loyola Brandão, que na década de 60 trabalhou no jornal Última Hora e na histórica revista Realidade, da Editora Abril, ao lado de Roberto Freire, Sérgio de Souza e Paulo Patarra, "a tecnologia não dá o talento, mas ajuda a quem o tem". De fato, deve ser uma delícia para Augusto poder dividir o prazer de ouvir e ver Jo Stafford com os leitores, bastando indicar, para tanto, uma visita ao YouTube.

Aceitei o convite. E selecionei para o blog esta preciosidade de vídeo (clique aqui), na qual a afinadíssima Jo divide o canto com outra lenda da canção americana, Ella Fitzgerald, acompanhada por um conjunto liderado por dois dos maiores nomes da era das big bands, Harry James, com seu trompete, e Benny Goodman, com sua clarineta. O vídeo é longo, mas vale vê-lo até o final apoteótico, com Jo e Ella cantando juntas. Uma observação final, vê-se logo que de um leigo no assunto: como podia Ella não perder o tom quando James soprava o trompete tão perto de sua orelha?

quinta-feira, 10 de julho de 2008

O Raul

Circula entre funcionários da Esso um e-mail com cópia de texto de Max Gehringer, conhecido escritor de livros sobre gestão empresarial e carreiras que hoje mantém uma coluna nas revistas Época e Época Negócios, da Editora Globo, e aparece no programa Fantástico, da TV Globo, além de ter sido executivo destacado de grandes empresas como Pepsi, Elma Chips e Pullman. Intitulado Todos os chefes deveriam ser o ‘Raul’, o texto é exemplar como mensagem dirigida não apenas a chefias intermediárias, mas também ao comando de corporações do mundo dos negócios. Se todas as empresas usassem como paradigma a ser seguido o comportamento do Raul descrito no texto, certamente obteriam um salto de produtividade, além de tornar mais felizes os funcionários.

O Samuel Butler a que se refere o texto talvez seja um de dois homônimos, ambos ingleses e mortos, coincidentemente, num mesmo dia 18 de junho. O primeiro, e mais provável, é o poeta (8/2/1612~18/6/1680), que escreveu um poema satírico sobre o puritanismo, Hudibras, e o segundo, o escritor e filósofo Samuel Butler (4/12/1835~18/6/1902).

Abaixo, a íntegra do texto de Max Gehringer, ligeiramente editado por este blog:

oooooooooooooooooooooooooooooo

“Durante minha vida profissional, eu topei com algumas figuras cujo sucesso surpreende muita gente. Figuras sem um vistoso currículo acadêmico, sem um grande diferencial técnico, sem muito networking ou marketing pessoal. Figuras como o Raul.

Eu conheço o Raul desde os tempos da faculdade. Na época, nós tínhamos um colega de classe, o Pena, que era um gênio. Na hora de fazer um trabalho em grupo, todos nós queríamos cair no grupo do Pena, porque o Pena fazia tudo sozinho. Ele escolhia o tema, pesquisava os livros, redigia muito bem e ainda desenhava a capa do trabalho - com tinta nanquim.

Já o Raul nem dava palpite. Ficava ali num canto, dizendo que seu papel no grupo era um só, apoiar o Pena. Qualquer coisa que o Pena precisasse, o Raul já estava providenciando, antes que o Pena concluísse a frase.

Deu no que deu. O Pena se formou em primeiro lugar na nossa turma. E o resto de nós passou meio na carona do Pena - que, além de nos dar uma colher de chá nos trabalhos, ainda permitia que a gente colasse dele nas provas. No dia da formatura, o diretor da escola chamou o Pena de 'paradigma do estudante que enobrece esta instituição de ensino'. E o Raul ali, na terceira fila, só aplaudindo.

Dez anos depois, o Pena era a estrela da área de planejamento de uma multinacional. Brilhante como sempre, ele fazia admiráveis projeções estratégicas de cinco e dez anos. E quem era o chefe do Pena? O Raul.

E como é que o Raul tinha conseguido chegar àquela posição? Ninguém na empresa sabia explicar direito. O Raul vivia repetindo que tinha subordinados melhores do que ele, e ninguém ali parecia discordar de tal afirmação. Além disso, o Raul continuava a fazer o que fazia na escola, ele apoiava. Alguém tinha um problema? Era só falar com o Raul que o Raul dava um jeito.

Meu último contato com o Raul foi há um ano. Ele havia sido transferido para Miami, onde fica a sede da empresa. Quando conversou comigo, o Raul disse que havia ficado surpreso com o convite. Porque, ali na matriz, o mais burrinho já tinha sido astronauta. E eu perguntei ao Raul qual era a função dele. Pergunta inócua, porque eu já sabia a resposta.

O Raul apoiava. Direcionava daqui, facilitava dali, essas coisas que, na teoria, ninguém precisaria mandar um brasileiro até Miami para serem feitas.

Foi quando, num evento em São Paulo, eu conheci o vice-presidente de recursos humanos da empresa do Raul. E ele me contou que o Raul tinha uma habilidade de valor inestimável: ele entendia de gente. Entendia tanto que não se preocupava em ficar à sombra dos próprios subordinados, para fazer com que eles se sentissem melhor e fossem mais produtivos. E, para me explicar o Raul, o vice-presidente citou Samuel Butler, que eu não sei ao certo quem foi, mas que tem uma frase ótima: “Qualquer tolo pode pintar um quadro, mas só um gênio consegue vendê-lo”.

Essa era a habilidade aparentemente simples que o Raul tinha, de facilitar as relações entre as pessoas. Perto do Raul, todo comprador normal se sentia um expert, e todo pintor comum, um gênio. Essa era a principal competência dele.

Há grandes homens que fazem com que todos se sintam pequenos. Mas o verdadeiro grande homem é aquele que faz com que todos se sintam grandes.”

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Tática de jogo

Um aspecto pouco comentado, mas notável no comportamento do torcedor de futebol, é o desinteresse que ele demonstra pela parte tática do jogo. Focado apenas no resultado, para ele tanto faz se a partida foi bem disputada ou não, se o time adversário mostrou méritos, se os técnicos de um e de outro lado souberam ou não preparar a equipe para a porfia. A vitória, apenas ela, é que quer, e se por goleada tanto melhor.

A torcida do São Paulo vaiou o time na noite deste domingo porque ele não conseguiu ir além de um empate, jogando em casa, contra o modesto Ipatinga, de Minas, penúltimo colocado no Campeonato Brasileiro da série A. Tudo bem que o goleiro Rogério Ceni ainda precisou se empenhar para que o time não acabasse derrotado, mas as vaias foram injustas. Depois de empatar com o Náutico e perder do Atlético Mineiro, do Flamengo e do Vasco da Gama, em seqüência, o Ipatinga fechou-se na defesa e jogou somente no contra-ataque, com o grandalhão Adeílson isolado na frente. Como destruir, no futebol, é mais fácil do que construir, alcançou assim o objetivo de não perder de novo. Já o São Paulo, concentrado no ataque, correu sérios riscos ao abrir espaços na defesa. Quer dizer, os jogadores de ambos os lados fizeram o que deles se poderia esperar, uns lutando para não cair ainda mais, outros tentando vencer a todo custo. O empate em 1 a 1, por isso, acabou sendo justo, mas a torcida são-paulina não quis saber, e mandou a vaia.

No Campeonato Brasileiro da série B, no sábado, Corinthians e São Caetano disputaram um outro tipo de jogo, mais técnico e menos repetitivo. Um jogo, não, um jogão de encher os olhos, embora o magro placar final de 1 a 0 a favor do Corinthians. Foi, seguramente, uma das melhores partidas do alvinegro da capital paulista neste ano, o que mostra que o técnico Mano Menezes soube preparar a equipe nos treinos feitos durante o retiro de cinco dias em Itu, no interior do estado. Firme na defesa, habilidoso no meio, rápido na frente, o Corinthians só não fez mais gols porque deparou com um adversário igualmente bem preparado, com jogadores desempenhando suas funções à beira da perfeição. Se é tudo isso que mostrou no sábado, o São Caetano se torna forte candidato a subir para a divisão principal do futebol brasileiro ao fim do atual campeonato.

Mesmo que, em tese, os adversários da série B sejam mais fracos que os da série A, de onde o Corinthians foi rebaixado no ano passado, pode-se afirmar sem receio que hoje há um outro time em campo, sobretudo na consciência tática. Além de contar com dois meias-armadores de ofício, Douglas e Elias, e dois volantes que tanto sabem defender quanto atacar, Fabinho (com seu reserva imediato Nilton) e Eduardo Ramos, o time tem agora uma forte arma nos deslocamentos constantes dos homens de meio e de frente, que facilitam o passe e abrem caminho para o avanço também dos laterais, Alessandro e André Santos. Com isso, ganha muito em fluência de jogo, evitando os chutões, e em ocupação de espaços. A chamada segunda bola, quase sempre perdida no ano passado, agora é sua na maioria das vezes, o que também lhe dá mais volume de jogo.

A partida Corinthians versus São Caetano, do sábado passado, certamente ficará gravada na mente de torcedores que apreciam o futebol acima das colorações clubísticas como uma das melhores disputadas na série B deste ano. Esperemos que haja outras assim daqui até o fim do ano, para nosso deleite.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Arte em papel







Bolas, móbiles e vasinho de flores feitos por Ione

Minha amiga Ione Sawao, designer gráfica da revista Auto Esporte, da Editora Globo, ajuda a manter viva a arte dos origamis, essas delicadas dobraduras em papel que se praticam no Japão desde, ao que se saiba, princípios do período Edo (1603-1867). Para quem não tem a menor habilidade manual, como eu, é incrível observar a precisão com que Ione monta suas bolas (kusudamas), móbiles e vasinhos de flores usando apenas papel.

As fotos desta nota, copiadas do blog da Ione, dão uma idéia da beleza que é seu trabalho. No começo, ela fazia seus origamis apenas como hobby. Depois, com a demanda crescente, passou a aceitar encomendas pagas, seja de amigos e conhecidos, seja do público que visita seu blog e faz os pedidos pelo endereço de e-mail ali publicado.

Nas mãos dos grandes mestres, o origami atingiu alturas inimagináveis. Um dos artistas mais conhecidos dos tempos atuais, Satoshi Kamiya, que ainda não chegou aos 30 anos, cria por exemplo dragões com escamas e tudo num papel dobrado cerca de 270 vezes. Mesmo aqui no Brasil não faltam grandes talentos. Numa mostra organizada durante os festejos do centenário da imigração japonesa, em São Paulo, havia uma escola de samba, com várias alas, em papel.

Durante seu desenvolvimento no Japão, o origami deu origem a uma variação, chamada kirigami. “Gami” é papel, e “ori”, dobrar. Já “kiri” significa cortar. Há também trabalhos inacreditáveis no kirigami, com figuras recortadas que parecem saltar da folha de papel. A foto abaixo mostra um exemplo, dos mais simples, dessa outra arte.



sexta-feira, 16 de maio de 2008

Angelina Jolie

Angelina e Brad Pitt no Festival de Cannes

“Este glamour é o que me dá projeção para lutar por melhores condições de vida para milhões de deserdados ao redor do mundo. Espero, assim, poder dar bons exemplos para meus filhos. No limite, é o objetivo que persigo. Ser uma boa mãe, uma boa cidadã.” É o que disse ontem a atriz Angelina Jolie, 32 anos, em entrevista durante o Festival de Cannes, segundo o crítico e repórter de cinema Luiz Carlos Merten, do Estadão.

Grande Angelina. Além de ótima atriz e bela mulher, ela é um ser humano admirável. Embaixatriz da Boa Vontade da ONU, distribui um terço de seus rendimentos, que não são pequenos, aos pobres do mundo. Tem uma filha, Shiloh, prestes a fazer 2 anos agora em maio, com o ator Brad Pitt, e espera dele gêmeos, mas é também mãe adotiva desde 2002. Os meninos Maddox, de 5 anos, e Pax, de 4, são respectivamente cambojano e vietnamita, e a menina Zahara, de 3, etíope.

Para Merten, ela procura ser “politicamente correta até debaixo d’água”. Talvez. Mas isso não retira o mérito do que faz.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

O grau de investimento

Funcionários da administração do Tesouro brasileiro e de um banco americano em Wall Street abriram champanhe. Não era para menos. O Brasil conseguiu, pela primeira vez, atingir o grau de investimento, na avaliação da Standard & Poor’s, S&P, a maior agência de rating do mundo. Candidata-se, assim, a receber um rio de dólares, já que enormes fundos de pensão americanos, bancos internacionais e outros aplicadores conservadores tiveram removido um empecilho legal para investir aqui. O Ibovespa, índice da Bolsa de Valores de São Paulo, subiu 6,3% no primeiro pregão após a notícia, hoje chegou a passar dos 70 000 pontos e pode valorizar-se muito mais ainda. Já o dólar fechou hoje a 1,65 real, a menor cotação desde 10 de maio de 1999.

Lula comemorou à sua maneira, ou seja, diante de um microfone. Disse que se tratava de uma conquista do povo brasileiro. Foi até modesto, ao contrário de seu ministro da Fazenda, que acha que o grau de investimento veio só porque a economia brasileira – da qual supostamente é o dono da quitanda - está crescendo. Mantega se julga um economista tão competente que não hesita em calcular o impacto exato, em centésimos de porcentagem, de uma alta do óleo diesel na inflação. Para que perder tempo pensando em como um frete mais caro pode influir nos preços de uma infinidade de produtos agrícolas e industriais transportados nos caminhões? Decisões de reajuste, como o ministro e o mundo sabem, variam de empresa para empresa. Mesmo numa prova de curso de graduação Mantega seria reprovado com tal resposta.

Muito mais responsável do que o ministro pelo grau de investimento obtido é o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, porque as agências de rating apenas quantificam o risco no qual incorrem os investidores externos. Isso tem a ver muito mais com as condições de solvência do país e de suas empresas que tomam crédito no exterior, ou seja, a capacidade de honrar os compromissos assumidos com os credores, do que com o crescimento momentâneo da economia. Ao seguir ao pé da letra o regime de metas de inflação durante já quase um mandato e meio de governo, Meirelles tornou a economia brasileira muito mais previsível do que no passado, estimulando assim o setor privado a investir. Tudo o mais – crescimento da produção, da renda e do crédito, acúmulo de reservas, mesmo uma redução prolongada de juros – vem por conseqüência. Lula, é forçoso assinalar, teve um grande mérito ao manter Meirelles no cargo contra todas as pressões palacianas, com o vice Alencar e a ministra Dilma à frente, e dos ideólogos e economistas de meia-tigela do PT. Fez mais: embora graças ao aumento da arrecadação e não do corte de despesas, não abriu mão de gerar superávits primários na execução fiscal, e não deixou mexer no câmbio flutuante. Ou seja, seguiu direitinho a cartilha deixada pelo antecessor, Fernando Henrique Cardoso, mas até por isso merece aplausos, porque se adotasse o receituário petista nem dá para imaginar como estaria o Brasil a esta altura. Em melhor situação do que a atual não, com certeza.

De toda forma, a classificação dada pela S&P representa apenas uma conquista parcial. Para ser de fato um país grau de investimento, o Brasil ainda precisa de confirmação por parte de duas outras agências, a Fitch e a Moody’s. A primeira deverá fazê-lo em breve, uma vez que uma sua equipe esteve em Brasília para falar com técnicos do governo nesta semana. Já a Moody’s tem sido a mais crítica das três grandes agências, por entender que há uma fragilidade na área fiscal, com o aumento das despesas correntes do governo, e uma outra no perfil da dívida mobiliária federal, com uma alta concentração de vencimentos de curto prazo. A elevação da nota por ela não é, portanto, favas contadas. Além disso, por detrás das borbulhas de champanhe se pode ver que mesmo na escala de classificação da S&P o Brasil alcançou apenas o primeiro dos dez degraus de países tidos como confiáveis para investimento. Liderados pelos EUA, um conjunto de nove países, sendo seis europeus, mais a Austrália e o Canadá, está no topo da lista, com a nota AAA. Na América Latina, estão na frente do Brasil o México e o Chile, este, cinco degraus acima. Também não existe cadeira cativa nesse clube dos países confiáveis, como mostra a Colômbia, rebaixada para o grau especulativo pela S&P.

É bom, portanto, não exagerar nas comemorações, porque além das fragilidades apontadas pela Moody’s existem mais algumas, sendo a mais grave o estado lastimável da infra-estrutura, que põe a perder parte das safras de grãos nas estradas intransitáveis. Junto com as precárias vias de acesso, a absurda carga tributária, em primeiro lugar, e os altos juros, em segundo, compõem o que se conhece como custo Brasil, um handicap na exportação. E por falar nisso convém não esquecer que, no momento, a luz amarela pisca num fator conjuntural. De superavitárias as contas externas se tornaram deficitárias, com o desmesurado aumento das importações e das remessas de lucros para o exterior, causado pelo real valorizado. Em apenas três meses, de janeiro a março, foram 10,3 bilhões de dólares no vermelho. Há um colchão de segurança no nível das reservas, 195 bilhões de dólares, mas esse déficit conjuntural precisa ser corrigido antes que se transforme numa bomba-relógio. Por último, mas não menos importante, como diriam os ingleses, não se pode esquecer do desaquecimento da economia americana, em decorrência da crise de crédito imobiliário. Os efeitos já se espalham por outras economias, e o Brasil, pelas fragilidades apontadas, não está imune a uma perda cambial de grandes proporções.

Esperemos que o pior não aconteça. Mas, como prevenir é melhor que remediar, quanto antes se começar a consertar a infra-estrutura e promover as reformas que ainda faltam nas áreas previdenciária, tributária e sindical, sobretudo, melhor. Em outras palavras, Lula tem de descer do palanque e começar de fato a governar.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Sobre Isabella

Três homens foram detidos hoje à tarde pela polícia, por causa da arruaça que faziam, junto com outras pessoas, à porta do prédio em que mora o pai de Anna Carolina Jatobá, a madrasta de Isabella Nardoni, pedindo justiça pelo assassinato da menina. Dois deles, soube-se depois, possuíam ficha policial.

O professor Carlos Alberto Di Franco escreve, em seu artigo de hoje no Estadão: “A era do entretenimento, cuidadosamente medida pelas oscilações do Ibope, tem nos crimes e na violência um de seus carros-chefe. A transgressão passou a ser o espetáculo mais rotineiro de todos. Alguns setores do negócio do entretenimento, apoiados na manipulação do conceito de liberdade de expressão, crescem à sombra da exploração das paixões humanas. Ao subestimar a influência da violência ficcional, omitem uma realidade bem conhecida da psicologia: a promoção do sadismo como instrumento de diversão não produz a sublimação da agressividade, antes representa um forte incitamento a comportamentos anti-sociais. Morte, agressão e violência, realidades banalizadas por certos telejornais, acabam sendo incorporadas pelos criminosos potenciais. A onipresença de uma TV pouco responsável pode estar na origem de inúmeros comportamentos patológicos”.

Não deixa de ter razão o professor, mas ele é um idealista. A exploração das paixões humanas e a violência ficcional não são produto apenas de uma TV pouco responsável ou de telejornais sensacionalistas. Até nas artes plásticas e na música, para não falar do cinema, como obra solitária ou conjunta, a violência ficcional e a reproduzida do cotidiano constituem matéria-prima recorrente. Por isso, é um pouco exagerado chamar de irresponsável a TV que as divulga. Se ela o faz é porque esse tipo de material rende audiência. Como as redes de televisão deveriam agir: censurar-se, perder audiência e, em conseqüência, a receita publicitária, até o ponto de fechar as próprias portas? O que é melhor, do ponto de vista do interesse coletivo: ter uma TV com grande público, embora de duvidosa qualidade, ou uma TV de alta qualidade ética a que só alguns gatos pingados queiram assistir? Mais uma pergunta: o que vem a ser qualidade ética na programação da TV se a violência ficcional ou real mostrada na tela é produto ou de artistas, escritores, intelectuais, técnicos competentes no ofício, num dos casos, ou meramente reproduzido da realidade, no outro?

O caso Isabella, com toda a repercussão causada na opinião pública, nos obriga a refletir se, no fundo, a verdadeira hipocrisia não estaria na tentativa de cada um de nós de tentar ocultar que sob uma capa de civilidade temos todos um lobo indormido dentro de nós.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Bogart e o xadrez

Acabo de descobrir no site Chessgames.com, que recomendo aos aficionados desse esporte, que o grande Humphrey Bogart, um mito do cinema, foi também um bom jogador amador de xadrez. Tão bom que numa partida simultânea empatou com Samuel Reshevsky (26/11/1911-4/4/1992), um dos maiores enxadristas do mundo na época. Polonês naturalizado americano, Reshevsky foi seis vezes campeão de xadrez dos Estados Unidos e chegou a postular o título mundial. Menino-prodígio, com apenas 9 anos de idade, recém-emigrado com a família para o país, enfrentou 20 cadetes e oficiais da Academia Militar de West Point numa simultânea. Ganhou de 19 e empatou com um.

Bogart, inesquecível por seus papéis em filmes como O Falcão Maltês (The Maltese Falcon, 1941, de Howard Hawks), Casablanca (idem, 1942, de Michael Curtiz), À Beira do Abismo (The Big Sleep, 1946, também de Hawks), O Tesouro de Sierra Madre (The Treasure of Sierra Madre, 1948, de John Huston), Uma Aventura na África (The African Queen, 1951, também de Huston), A Condessa Descalça (The Barefoot Contessa, 1954, de Joseph L. Mankiewicz), Sabrina (idem, 1954, de Billy Wilder) e A Nave da Revolta (The Caine Mutiny, 1954, de Edward Dmytryk), entre outros, deixou viúva a bela e grande atriz Lauren Bacall, com quem fora casado de 1945 a 1957.

Conheceram-se durante as filmagens de Uma Aventura na Martinica (To Have or Have Not, 1944, outro filme de Howard Hawks), baseado numa novela de Ernest Hemingway e com participação no roteiro de ninguém menos que William Faulkner, também Nobel de Literatura. Era o primeiro papel de Lauren, selecionada por Hawks depois de vê-la na capa da revista Harper’s Bazaar. Dizia-se que Bogart estava interessado na outra atriz principal do filme, Dolores Moran, mas ele tinha olhos mesmo é para a Lauren, com quem se casou no ano seguinte, ele com 45 e ela com 20 anos (Bogart nasceu no dia de Natal de 1899, Lauren em 16/9/1924).

Companheira de todas as horas, Lauren foi com o marido uma ativista contra o macartismo, apesar dos riscos envolvidos. Por sinal, talvez para mostrar que não misturava as coisas, Bogart trabalhou com o diretor Dmytryk, um ex-colaborador macartista em A Nave da Revolta, junto com outros atores de peso como José Ferrer, Van Johnson e Fred MacMurray, e obteve sua terceira indicação ao Oscar como melhor ator por seu papel como o desequilibrado capitão do navio que é destituído do posto por um motim a bordo. As outras foram por Casablanca e Uma Aventura na África, esta última com sucesso.

Lauren também jogava xadrez e com talento, tanto que em 1945 seu casório com Bogart foi celebrado na capa da revista Chess Review. E em 1951 disputou contra ele uma partida que está nos anais do site Chessgames.com, registrada com o mesmo nome do filme no qual se conheceram. A abertura empregada por Bogart, jogando com as peças brancas, foi a Ruy Lopez, e a defesa escolhida por Lauren, a Espanhola, em fianqueto. Bogart precisou suar 31 lances até que a mulher abandonasse a partida.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Os stunts de dona Matilde

Na obra-prima Kagemusha – A Sombra do Samurai (Kagemusha, 1980), Akira Kurosawa mostra como jovens cortesãos serviam de escudos humanos para seus senhores no campo de batalha. Mal tombava um, outro se postava à frente para levar os tiros endereçados ao alvo real.

No Japão feudal e em outros lugares do mundo, reis, imperadores e governantes sempre tiveram seus escudos humanos, gente disposta a fazer o papel de bucha de canhão – isso, para não falar dos stunts, profissionais que substituem os astros de cinema nas cenas mais arriscadas. Em viagens ou nas masmorras, o provador experimentava antes a comida destinada ao rei, com o objetivo de evitar que este fosse envenenado. Napoleão, na sua soberba de se julgar um predestinado, não tomou esse cuidado e morreu por overdose de arsênio em 1821, na ilha de Santa Helena, onde fora confinado pelos ingleses após a Batalha de Waterloo. No atentado contra o presidente americano Ronald Reagan, em 1981, não foi um agente de segurança mas sim seu secretário de Imprensa, James Brady, quem levou um dos tiros disparados por John Hinckley, Jr, e se tornou paralítico. O próprio Reagan, recém-empossado para seu primeiro mandato, escapou por pouco. Uma das balas o atingiu a menos de uma polegada do coração.

Os interesses de Estado justificam a existência dos stunts da vida real. E morrer para proteger a segurança institucional não deixa de ser heróico. Mas no Brasil do governo petista surgiu uma nova categoria de stunts: a dos bodes expiatórios. Também eles se imolam, só que em nome de um difuso conceito de segurança institucional ligado mais aos interesses do partido do que da nação.

O mais famoso dos bodes expiatórios recentes foi o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares. Até hoje, de forma canina, ele continua a sustentar a versão de que foi o único responsável pela contratação dos financiamentos com os quais seu partido deu origem ao mensalão, embora até o concreto da rampa do Palácio do Planalto saiba que ele não tinha poderes para tanto.

Agora, a ex-ministra de Igualdade Racial Matilde Ribeiro acaba de dar uma contribuição de monta para aumentar a coleção de bodes petistas. Antes de ser obrigada a sair do governo por torrar dinheiro público com os cartões corporativos, quis livrar a própria cara demitindo dois assessores, segundo ela responsáveis por induzi-la a ‘erro administrativo’. Ocupante de cargo em que deveria cuidar da igualdade social, fez exatamente o contrário, defendendo políticas raciais e o primado da diversidade. Queria dar força, por essa via torta, à afirmação dos fracos e oprimidos, em oposição às elites dominantes. Mas quando se viu apertada não hesitou em jogar a culpa sobre os mais humildes. Cadê a coerência, dona Matilde?

domingo, 13 de janeiro de 2008

Jornalismo com tesão

Em sua deliciosa crônica de hoje no Estadão, Luis Fernando Verissimo fala do futuro incerto que a apocrifia propiciada pelos computadores reserva ao ofício de escritor. Qualquer um com alguma habilidade em imitar estilos pode produzir um texto e atribuí-lo a outrem, pois não há mais o papel escrito na máquina de datilografia e corrigido à mão, com aqueles rabiscos e garranchos que eram a impressão digital da autoria. Não há mais os originais, como diz Verissimo. Com o computador, passou a existir apenas a versão final.

De permeio (complemento perfeito para ‘outrem’, não acham?), Verissimo lamenta a troca, nas redações, “do metralhar das máquinas de escrever pelo leve clicar dos teclados dos micros”. Alguém ainda vai elaborar um tratado sobre as conseqüências dessa substituição para o jornalismo mundial, diz, porque as redações foram transformadas, de fábricas, em claustros. E defende, “sem muita convicção”, a tese de que a mudança de ambiente afetou o caráter do jornalista. Sem a necessidade do grito para se fazer ouvir e com o distanciamento do ofício de um barulhento trabalho braçal, escreve, hoje não vale mais “a velha máxima de que jornalista era de esquerda até o nível de redator-chefe e de direita daí para cima (...). A nova direita é filha do silêncio”.

Verissimo talvez exagere nessa conclusão, porque é sabido que a maioria das redações anda entupida de petistas, mas não há como contestar que nesses hoje claustros muitos jornalistas, se não o são, agem como se fossem de direita, no sentido etimológico da palavra, com sua contenção emotiva, seu conformismo diante de ordens superiores e sua adesão bovina a causas tidas como politicamente corretas.

Sou do tempo em que se jogava futebol com bola feita de folhas de jornal na redação. E em que, entre o matraquear das máquinas e dos falatórios, se ouvia o grito “Desce!”, para chamar o contínuo e lhe entregar as laudas de texto enroladas, depois de coladas na seqüência. E se tratava mesmo de descida, porque as laudas eram jogadas pelo contínuo no buraco aberto de uma coluna no meio da redação da Folha, para irem parar um andar abaixo na mesa do chefe da oficina (que é como se chamava a gráfica), o qual as distribuía entre os linotipistas, aboletados em suas máquinas alimentadas a chumbo quente. O material assim composto era depois colocado pelos paginadores dentro de molduras (ramas) do tamanho de uma página impressa de jornal, ajustado na altura com finas placas metálicas (entrelinhas), amarrado para não haver nenhum problema no transporte e levado para uma prensa (calandra), onde se produzia a página em negativo num material chamado flan. O negativo era depois copiado para a chapa que recobria o cilindro das impressoras. A gritaria na redação, o calor infernal liberado pelas linotipos na gráfica, os paginadores transpirando em seus macacões, tudo isso aproximava o trabalho ao de uma fábrica, jamais lembrando o atual ambiente ascético, inodoro e sem graça em que são feitos os jornais. De operários, os jornalistas foram transformados em barnabés de repartição pública, e isso, forçosamente, traz alguma conseqüência ao produto que fazem. Como diz Verissimo, seria mesmo o caso de alguém escrever um tratado sobre isso.

E não me venham com essa história de que a tecnologia ajudou na agilidade da notícia. Estávamos no fechamento, ali pelas dez da noite, quando se soube que barracos rolaram pela ribanceira numa chuvarada em Santos. Convocados pela chefia, o repórter Fraterno Vieira, o fotógrafo e o motorista de caminhão lá foram, numa louca descida pelas curvas da Anchieta. Vieira viu o desastre, falou com parentes das vítimas, escreveu o texto e transmitiu o material por telex, junto com as fotos (por radiofoto), a tempo de a notícia estar na primeira página do jornal nas bancas, de manhãzinha.

Vieira agiu como todos os repórteres daquela época. Foi até o local do evento para escrever sobre o que realmente vira e ouvira, porque as entrevistas e coberturas eram feitas assim, olho no olho entre jornalistas e depoentes, não por telefone como nos dias de hoje.

É claro que a tecnologia também serviu para aprimorar o jornalismo, ao facilitar o trabalho de pesquisa. Repórteres e editores perdiam muito tempo, antes, no resgate de dados que pudessem servir de referência para o texto. Com o passar dos anos, porém, mesmo essa vantagem material vem perdendo substância, porque aproveitando as facilidades donos de jornal e seus paus-mandados passaram a exigir produções a metro. É comum um repórter ter de escrever hoje duas, três ou até mais matérias por dia. Além disso, os prazos de fechamento se tornam cada vez mais apertados, por força da concorrência. Não há qualidade que possa resistir a essa pressão do tempo.

Causa inveja aos jornalistas brasileiros o expediente avantajado das publicações estrangeiras, em especial o das revistas americanas, com o triplo ou o quádruplo de equipes de redação em comparação com as nossas. O grau de profundidade das reportagens não é portanto produto exclusivo do talento e competência dos profissionais. Tem a ver, antes, com as condições materiais disponíveis, donde se conclui que também a qualidade da imprensa depende do desenvolvimento econômico alcançado pelo país.

Tudo pesado, o que se pode dizer é que faltam elementos para afirmar se com o passar dos anos a imprensa brasileira melhorou ou piorou. Hoje como ontem, há nela excelentes profissionais. Mas de uma coisa o pessoal da velha guarda tem certeza: a de que o jornalismo da máquina de escrever era feito com mais alegria do que o do computador e, por isso, com maior tesão.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

É burro porque é pobre?

O suplemento cultural do jornal Valor de hoje aborda na reportagem de capa, assinada por Martha San Juan França, a instigante questão da evolução da inteligência humana, incluindo uma entrevista com o famoso pesquisador americano naturalizado neozelandês James Flynn, autor da tese de que o QI vem aumentando no mundo em até 20 pontos por geração de 30 anos. O chamado efeito Flynn foi comprovado em estudos feitos em diferentes países, o que também serviu para que seu formulador combatesse algumas teorias acadêmicas racistas. E, ao contrário do que o senso comum sugere, o pesquisador, hoje com 73 anos, mostrou que a evolução da inteligência e do conhecimento nas sociedades contemporâneas tem menos a ver com o ensino escolar formal e mais com a explosão de informações propiciada pela tecnologia.

Há muito tempo educadores do mundo inteiro se preocupam com os desníveis de QI dos alunos, na tentativa de encontrar um ponto médio para tornar as aulas aproveitáveis pelo maior número possível deles. Elaboraram-se assim diversos testes para a medição de habilidades cognitivas relacionadas com a inteligência, entre elas as da expressão verbal, do raciocínio lógico/matemático, do domínio espacial e do uso da memória. Mesmo esses testes, porém, vêm perdendo eficácia com o passar dos anos. Segundo Flynn explica no seu novo livro, What Is Intelligence? Beyond the Flynn Effect, ainda não traduzido no Brasil, isso se deve ao fato de que no mundo atual crescem as exigências de aplicação da chamada inteligência fluida, responsável pelo raciocínio abstrato e a resolução de problemas novos. Ou seja, tende-se a valorizar mais as habilidades para executar tarefas específicas do que as ligadas de modo genérico a um conceito mais global de inteligência.

A psicóloga Carmen Flores-Mendoza, do Laboratório de Avaliação das diferenças Individuais, da Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, também ouvida na reportagem, diz a esse respeito: “Os ganhos cognitivos (mostrados nos testes), portanto, podem ser de variada intensidade e diferente qualidade, dependendo da exigência presente em cada sociedade, cultura ou nação”. Segundo ainda a reportagem, a psicóloga desenvolve um trabalho com outros pesquisadores da América Latina para investigar a relação entre inteligência, rendimento escolar e riqueza das nações, a partir dos resultados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos, Pisa, que mede o desempenho de alunos de 15 anos em 57 países, com o objetivo de oferecer indicadores sobre a qualidade dos sistemas educacionais. O programa, no qual o Brasil se tem saído muito mal, como seria de supor, permite avaliar basicamente o conhecimento de ciências, além da capacidade de entendimento da leitura e do domínio de noções de matemática. No quesito referente ao aproveitamento da leitura, os alunos brasileiros obtiveram a média de 396 pontos no ano 2000, contra 546 na Finlândia, 534 no Canadá e 529 na Nova Zelândia, ficando ainda abaixo de colegas latino-americanos como os mexicanos, argentinos e chilenos.

O trabalho em que Carmen se envolve, data venia, parte contudo de uma premissa equivocada. Ao relacionar níveis médios de QI da população com os de renda per capita, entendendo que quanto mais baixos os primeiros também menores são os segundos, confunde efeito com causa. É certo que conhecimentos maiores contribuem para acelerar o crescimento econômico, mas também não dá para negar que quanto mais rico o país, mais seus cidadãos têm acesso à cultura e às informações específicas geradas pelo progresso científico e tecnológico. O risco maior, o da simplificação inaceitável num trabalho acadêmico, estaria numa eventual conclusão de que povos com QI inferior se condenariam ao atraso eterno, quando existem muitos exemplos de países que deram saltos de desenvolvimento concentrando esforços na educação e no alcance de metas prioritárias. Sem contar o fato de que uma simplificação desse tipo infelicitaria Flynn e todos os outros pesquisadores sérios, que tanto têm lutado para provar que a inteligência, longe de ser um fator genético ou racial, pode ser aumentada e moldada pelo ambiente favorável.

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Boas festas


Diz a lenda irlandesa que o anãozinho fez irromper um radioso arco-íris entre duas montanhas, e ele veio parar nos pés de Jimmy, o menino pobre que saíra a pescar para dar de comer à família, trazendo-lhe um pote cheio de ouro e pedras preciosas. Portanto, fica aqui esclarecido, para quem quiser, que o pote do tesouro fica no final do arco-íris, e não no começo, como alguns teimam em afirmar.

Diz a Bíblia, no Gênesis 9:13 a 17, que o arco-íris é o sinal do pacto indicado por Deus a Noé, para que este e os demais sobreviventes soubessem que jamais haveria outro dilúvio para limpar a terra de todos os maus-caráteres que a habitam, embora talvez isso faça falta nos dias de hoje. E Deus repetiu a Noé, conforme o Gênesis: “Este é o sinal do pacto que deveras estabeleço entre mim e toda a carne que há na terra”.

Segundo os cientistas, o arco-íris não existe realmente como um sítio no céu, porque se trata apenas de uma ilusão de óptica, causada pela luz do sol se refletindo em gotas de chuva. Ainda de acordo com os frios homens da ciência, sete cores formam o arco-íris, começando com o vermelho e terminando com o violeta. Entre essas duas pontas, há um seqüência de cinco outras cores. Se você quer saber qual é ela, ensina a Wilkipédia, diga “Vermelho lá vai violeta”. A expressão ‘lá vai’ contém o l de laranja, o a de amarelo, o v de verde, o a de azul e o i de índigo (anil).

Você prefere ficar com a lenda irlandesa, a Bíblia ou os cientistas? A escolha é sua, mas este blog deseja que neste Natal um arco-íris inunde de luz a sua alma, e que em 2008 você continue a dividir o pote de ouro e pedras preciosas que há dentro de você com os parentes, amigos, desconhecidos e até alguns desafetos mais antigos, como prêmio por sua constância. Afinal, valoriza mais os amigos quem tem inimigos – e o ano novo pode ser uma excelente oportunidade para você tentar trazer mais gente para o lado de cá.

domingo, 2 de dezembro de 2007

Bola pra frente

Com o rebaixamento para a série B definido, a esta altura de nada adianta aos corintianos promover uma caça às bruxas, buscar os culpados pelo insucesso do time no Campeonato Brasileiro para crucificá-los em praça pública. Culpados há, certamente, e vários, a começar dos dirigentes que firmaram a parceria com suspeitíssimos investidores estrangeiros, em proveito muito mais dos próprios bolsos do que do futuro do Corinthians. Mas o encerramento neste domingo, com o empate diante do Grêmio, da crônica de uma morte anunciada, é apenas um capítulo, quiçá passageiro, de uma história de quase 100 anos de muitas glórias. Por isso, o melhor que os novos dirigentes corintianos podem fazer agora é começar já os trabalhos para 2008. O time tem de ser outro, porque do atual só se salvam o goleiro e mais uns dois ou três. Bola pra frente, porque essa torcida merece. “Eu nunca vou te abandonar”, dizia um cartaz nas mãos de um corintiano esta tarde, na arquibancada do Estádio Olímpico. E é verdade. Mesmo durante o longo jejum de títulos no Campeonato Paulista, entre 1954 e 1977, a legião de torcedores do clube não diminuiu. Ao contrário, só fez crescer, porque em família corintiana é assim: ao nascer o filho, antes do nome dá-se a ele a camisa amada.

É nas derrotas que se forja o caráter. Oxalá esteja surgindo hoje, no mesmo dia do rebaixamento do clube para a segunda divisão, um novo Corinthians, muito mais forte do que o anterior, pronto para atravessar um período de conquistas como nunca antes se viu igual em sua história.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Grande figura

Fiquei sabendo de uma história maravilhosa hoje, por minha amiga Mara Luquet. Segundo ela, o Armênio Guedes, amigo comum nosso e figura histórica do pecezão brasileiro, resolveu casar, com papel passado e tudo, com sua companheira de vários anos, Cecília. O Armênio deve estar beirando, se não erro na conta, 92 anos. Que fantástico, alguém com essa idade casar. Se viver até essa idade, quero ser como ele. Sempre de bem com a vida, bem-humorado, sem ditar regras ou lições para quem quer que seja. Quero ser como o Armênio.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Futebol de sobrenomes

Na primorosa crônica que publica hoje no Estadão, a propósito do indecoroso drible aplicado por Robinho no jogo de quarta à noite no Maracanã, o colunista Antero Greco diz que o futebol perdeu o encanto dos exageros. “Na verdade, é isso: falta exagero no futebol, estamos carentes de hipérboles, de imagens emocionantes, de manchetes rasgadas”, escreve ele. “Faltam apelidos para nossos astros. Não há mais Diamante Negro, Divino, Dinamite, Peito de Aço, Cabecinha de Ouro. Hoje, quando um atleta se destaca, tratam de acrescentar-lhe o sobrenome, como sinal de deferência. É o caso de Afonso, até anteontem um ilustre desconhecido, que virou Afonso Alves depois de ser convocado para a seleção e de fazer sete gols no time do Padre Chico, na Holanda. Por que não virar Afonso Demolidor ou Afonso Trombador? Sei lá, algo mais divertido. Não, logo tem de ser Afonso Alves, para conferir-lhe peso, seriedade, credibilidade. Ah...”

Está coberto de razão, o Greco. Como descrever sem exagero o drible de Robinho, que passou como uma enguia pelo marcador equatoriano em não mais que meio metro de terreno, escondendo a bola entre as pernas? Que adjetivo faria justiça àquele instante de pura magia, ainda mais nós outros, a turma da galera, sabendo que podemos passar anos sem ver coisa igual?

“O futebol virou careta, acadêmico, politicamente correto e outras bossas do gênero. Enfim, coisa de almofadinha, de mauricinho que se incomoda se algo sair do script”, diz ainda Antero Greco, também acertando na mosca. E a culpa disso, acrescentaria este blogueiro, modestamente, cabe em grande parte à Fifa. Por exemplo, que absurdo é esse de punir um clube com perda de pontos ou de mando de jogo só porque um idiota qualquer da torcida resolve invadir o campo ou arremessar um chinelo em direção ao goleiro? Que culpa tem um clube de ser amado por idiotas? É por esse tipo de equívoco nas normas impostas ao jogo que ocorrem episódios como os de Rojas, naquela partida entre as seleções do Chile e do Brasil no Maracanã, que se cortou para simular ter sido atingido por um rojão, ou de Dida, há poucos dias, que caiu se contorcendo como se o tapinha do torcedor inglês que invadiu o gramado fosse um soco do Mike Tyson. Dida não estaria hoje sendo ridicularizado pela imprensa européia se fizesse o que quis fazer, inicialmente, ao correr atrás do torcedor. Poderia ter passado uma rasteira no sujeito, ou dado um bom pontapé em seu traseiro. Não, deve ter pensado, não ficaria bem. Melhor fingir-me de vítima. E se atirou ao chão com a luva no rosto.

Quanto à moda de jogador com nome e sobrenome, de um ridículo sem tamanho, ela só pegou porque o futebol hoje é dominado pela mediocridade. Talvez seja por isso, em protesto, que Zidane se despediu com aquela monumental cabeçada no peito de Materazzi. Um craque como ele, um virtuose da mais fina estirpe, ser ofendido por um perna-de-pau como o italiano? Só mesmo uma cabeçada, para manter o respeito.

Não dá nem para imaginar locutores da era de ouro do futebol narrando lances de jogadores com nome e sobrenome. Um Mário Vianna, um Ary Barroso, um Edson Leite, um Pedro Luiz, um Geraldo José de Almeida, um Osmar Santos com seu ‘ripa na chulipa’, um Fiori Gigliotti, na boca de qual deles soaria bem um ‘Afonso Alves’, em lugar de Dinamite, Dadá, Divino e outros apelidos? Não haveria graça nenhuma, muito menos para o futebol daquela época.

A homenagem de Antero Greco à arte de Robinho é, portanto, mais do que justa. Num breve momento, o Maracanã reviveu naquele drible seus bons tempos.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Notícias do Brasil

“Casal teria recebido TV, DVD e R$ 50 em troca do filho de nove meses”. A informação está no portal do UOL hoje, no gomo Últimas Notícias, e o fato ocorreu em Juazeiro, na Bahia. O pai da criança tem 18 anos, e a mãe, 17. Os dois ainda criam uma filha de 1 ano e 7 meses. Um casal do Rio de Janeiro foi impedido de embarcar com o bebê num ônibus em Juazeiro, diante dos protestos de uma tia dele.Que triste notícia. Quantos bofetões na cara ainda sofreremos desse outro Brasil?

sábado, 29 de setembro de 2007

O mito Guevara


A foto do pôster, de Alberto Korda

“Não vai aproveitar a história, sr. Scott?”, pergunta o senador Ransom Stoddard. “Isto é o oeste, senhor. Quando a lenda se torna fato, publique-se a lenda”, responde o jornalista Maxwell Scott, enquanto rasga o papel em que fizera anotações da entrevista.

Mestre John Ford sabia do que falava quando sintetizou assim, nesse diálogo entre os personagens do senador (James Stewart) e do jornalista (Carleton Young), a história do homem que involuntariamente colheu as glórias de um ato de bravura realizado por outro (o rancheiro vivido por John Wayne), em O Homem que Matou o Facínora (The Man Who Shot Liberty Valance, de 1962), sua derradeira obra-prima cinematográfica.

Lenda e fato. O binômio se aplica também à história de Che Guevara, o mito revolucionário que sobrevive ao passar do tempo no pôster famoso que gerações de jovens, muitos deles hoje de cabelos encanecidos, puseram em seus quartos para reverenciar o ideal do heroísmo altruístico.

A revista Veja que começa a circular hoje revisita a história, em reportagem de capa assinada por Diogo Schelp e Duda Teixeira. Traz alguns detalhes novos, mas não acrescenta muito ao que já se sabia sobre o Che, cuja figura romântica na lenda nada teve a ver com o homem, um comandante militar desastrado, um ministro incompetente e, acima de tudo, um assassino sanguinário e cruel.

Nenhuma reportagem, entretanto, por mais brilhante e reveladora que seja, conseguirá abalar uma versão cultuada universalmente, assim como ocorre no filme de John Ford, ainda mais quando o mito tem as dimensões de Guevara. Por isso, o verdadeiro herói da revolução que em 1959 derrubou o regime de Fulgencio Batista em Cuba, Fidel Castro, passará à história como um velho chato, que fazia discursos de sete horas, enquanto o falso herói, Ernesto Guevara Lynch de la Serna, nascido em Rosário, na Argentina, em 14 de junho de 1928 e morto em campanha na selva boliviana de La Higuera, em 9 de outubro de 1967, será sempre um ícone de jovens rebeldes à procura de uma causa. A diferença fundamental entre os dois é que um morreu pela causa, e ainda por cima sendo jovem, destemido e belo, enquanto o outro continua por aí vivo, embora com os sinais da velhice a sulcar o rosto desprovido de encantos e com o corpo arqueado e algo balofo pateticamente enrolado num uniforme militar.

‘Vivas intensamente e morras jovem. Serás um lindo cadáver’, dizia uma máxima em voga nos anos 50 entre os garotos da burguesia que, enfiados em seus blusões de couro e entre uma Coca-Cola e um racha ao volante de seus carrões envenenados, para se sentirem in curtiam isso de buscar algum sentido mais profundo para suas existências faustosas e vazias. James Dean, morto a bordo de seu Porsche Spyder prateado aos 24 anos, é o maior símbolo desse mal du siècle revigorado um século depois dos poetas românticos, na era do consumo made in USA que tomou conta do mundo após a Segunda Guerra.

Primogênito de família abastada, asmático, formado em Medicina, Guevara, em sua louca perseguição por aventuras, personificou a seu modo também esse inconformismo juvenil da época. Tinha 30 anos quando entrou triunfalmente em Havana para tomar o poder, com seus camaradas de armas. Pagou porém um tributo pela inexperiência. Tudo indica que procurava mascarar a insegurança com exageradas demonstrações de liderança e com seu radicalismo marxista, não hesitando em apertar o gatilho contra qualquer um que julgasse ser inimigo da causa.

Sua voluntariedade agressiva a serviço da noção – acertada, como a História do século 20 mostrou – de que não se implanta o comunismo a não ser pela via armada transformou-o num estorvo para Castro, interessado naquele momento em aproximar-se da antiga União Soviética para receber ajuda financeira e militar. A partir daí, começou o calvário da queda de Guevara, primeiro perdido entre as guerras tribais do Congo e depois nas matas inóspitas da Bolívia, cujo campesinato não demonstrou a menor receptividade à revolução intentada por ele. Capturado num dia e executado no outro, o guerrilheiro chamado por companheiros de ‘el chancho’ (o porco) por não gostar de tomar banho, foi lavado e penteado antes de seu corpo ser apresentado à imprensa internacional. E, segundo a reportagem da Veja, moradores das redondezas que estiveram na lavanderia do hospital em que o cadáver estava sendo limpo saíram impressionados com a semelhança física do morto, com aquela barba de muitos dias por fazer, com Cristo.

A boa pinta de Guevara, valorizada nesse dia e também antes, em 1960, pelo ângulo da câmera do fotógrafo cubano Alberto Korda no pôster famoso, contribuiu sem dúvida para o surgimento e a permanência do mito. Outros fatores favoráveis nesse sentido, como lembra a revista, foram o fato de ele ter morrido ainda jovem, aos 39 anos, e a ocorrência quase em seguida de uma onda internacional de protestos em defesa dos direitos civis, de agitações estudantis e da mudança de costumes ditada pela contracultura.

Mas se é importante saber como se forjou o mito, isso não garante que se possa descontruí-lo. A imagem romântica do Che, mesmo não sendo verdadeira, está profundamente inculcada em corações e mentes como um símbolo da mais bela das utopias humanas, a de que o mundo um dia será habitado não por opressores e dominados, ricos e pobres, mas por iguais. Ou seja, em matéria de elevação do espírito humano, o mito vale mais que a realidade. Nesse caso, publique-se a lenda, diria o jornalista do filme de John Ford.



sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Elis e Adoniran, no Bixiga

A tecnologia nos transporta no tempo. E jóias perdidas entre fragmentos da memória rebrilham, em registros recuperados. Que maravilha, esse site de vídeos do YouTube! A turma da velha guarda, misturada aos mais jovens, como que trabalha para que o passado não se perca.

Vejam, por exemplo, o que acabo de receber de um amigo. Um link para rever Elis Regina e Adoniran Barbosa, juntos, inicialmente num boteco do Bixiga, reduto italiano e da boemia paulistana, comendo e cantando, e depois caminhando pelas ruas do bairro. Iracema, a que morreu atropelada por atravessar a rua na contramão, as pizzas voando na briga generalizada em Um Samba no Bixiga, o genial verso, um dos mais lindos da música popular brasileira, ‘Deus dá o frio conforme o cobertô’, em Saudosa Maloca, essas preciosidades podem ser ouvidas nos dois vídeos, em seqüência.

Adoniran foi um cronista de sua época. Poucos compositores conseguiram, como ele, pintar em sua música retratos tão nítidos do ambiente em que viviam. É como escreve o mestre Antônio Cândido. “Esta cidade que está acabando, que já acabou com a garoa, os bondes, o trem da Cantareira, o Triângulo, as cantinas do Bixiga, Adoniran não a deixará acabar, porque graças a ele ela ficará misturada vivamente com a nova mas, como o quarto do poeta, também, “intacta, boiando no ar”, diz ele, no texto que também pode ser visto no link, junto com os vídeos. Cândido refere-se à contínua transformação da cidade que a sua geração conheceu – “São Paulo muda muito, e ninguém é capaz de dizer aonde irá” - e à força com que o grande compositor a retratava.

E há ainda Elis Regina, com seu riso solar, bebendo cerveja de garrafa em copo Americano, o cigarro aceso nos dedos e cantando como nunca nenhuma cantora brasileira, antes ou depois, cantou ou consegue cantar. Clique aqui e se transporte para esse passado luminoso.

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

A lição boliviana

A paralisia que acomete a Assembléia Constituinte da Bolívia deve estar preocupando a cúpula e a militância petistas, que sonham em mudar o capítulo da organização dos poderes, na Constituição brasileira, para dar ao seu guia dos povos Lula um terceiro mandato consecutivo como presidente da República. O que a experiência boliviana indica é que num regime democrático normal não basta a vontade de um partido majoritário, mesmo reforçado por legendas acolitadas, para se travestir um Congresso em constituinte e, com isso, mudar a Constituição a seu bel-prazer. Ou seja, para desgosto dos petistas, a frustração do projeto autocrático de Evo Morales na Bolívia mostra, mais uma vez, que o socialismo democrático não passa de uma utopia, quando não de balela. Regimes democráticos trazem incubados, sem exceção, o gérmen do individualismo, e não há doutrinação que possa remover essa herança do pecado original. Portanto, ou se tem um regime de exceção e se outorga uma Carta, como aconteceu em 1824 e 1937 no Brasil, na primeira vez pelas mãos do recém-nomeado imperador Pedro I e na segunda pelas de Getúlio Vargas, impondo o Estado Novo, ou é necessário haver uma situação fora do comum na vida nacional para que o conjunto da sociedade avalize a ação política suprema, a mudança de uma Constituição.

No Brasil, essas situações excepcionais precederam quase todas as cinco Cartas promulgadas. Em 1891, com a proclamação da República. Em 1934, no primeiro governo Vargas, com o estabelecimento do voto universal e secreto, extensivo às mulheres, e a criação das Justiças Eleitoral e do Trabalho. Em 1946, com o fim da Segunda Guerra após a derrota do nazi-fascismo no mundo e a queda do Estado Novo no Brasil. E em 1988, com a redemocratização do país após o fim do ciclo militar e o restabelecimento das eleições diretas para presidente da República. A única exceção ocorreu em 1967, quando a Carta foi promulgada por um Congresso subjugado pelos militares, para pretensamente coonestar o bipartidarismo e a eleição indireta para presidente.

A Assembléia Constituinte boliviana, prestes a encerrar seus trabalhos de forma inglória, sem elaborar a nova Carta, segundo o jornal O Estado de S. Paulo de hoje esbarra entre outros nos impasses gerados pela disputa entre La Paz e Sucre em torno da nomeação como capital do país, pela insistência da oposição em manter a maioria de dois terços do Congresso para a aprovação da nova Constituição e pelas reivindicações de maior autonomia por parte dos departamentos (estados) de Santa Cruz, Tarija, Beni e Pando.

Há ainda a dificuldade quase insuperável de se consolidar num texto sintético todas as cerca de 3 000 sugestões de artigos feitas pela sociedade civil. Coisas da latinidad. Como se mudar uma Constituição fosse pouco, num Congresso dividido em várias facções políticas, os bolivianos – assim como os brasileiros, em qualquer situação – pagam o preço de sua verborragia e incontinência de atitudes, somadas à ingenuidade de achar que tudo pode ser previsto, disposto e resolvido pela Constituição. Assim, mesmo que a Assembléia Constituinte conseguisse alcançar o objetivo de promulgar a nova Carta, esta nasceria com um defeito semelhante ao da atual Constituição brasileira. De tanto querer regular, tornaria o país ingovernável.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Um dilema fiscal

A manchete deste domingo do jornal O Estado de S. Paulo, de que a sonegação de impostos no Brasil atinge o equivalente a 30% do PIB, é de deixar qualquer um embasbacado. Ou seja, de acordo com uma estimativa do professor de finanças André Franco Montoro Filho, como a carga tributária chega a 35% do PIB, se todos pagassem direito seus impostos o montante que o governo arrecadaria por ano seria de 65%. Que empresa poderia continuar produzindo e empregando se fosse obrigada a recolher quase 70% de seu faturamento para o fisco? Não é à-toa que haja tanta sonegação. Mais do que um ato ilegal e de má cidadania, é questão de sobrevivência.

A informalidade, no Brasil um quase sinônimo de sonegação de tributos, só tende a crescer quando o governo gasta mais do que deveria e, com isso, sufoca o setor privado. Mas o problema não se restringe aos camelôs. Aumenta também o número de microempresários, muitas vezes sem vocação nem talento, mas forçados a tentar um negócio próprio pela demissão e o desemprego. Sobrevivendo a duras penas, eles pouco diferem dos camelôs no que se refere às perspectivas de receita e crescimento. Segundo um dado recente, surgem por ano cerca de 450 000 novas empresas no país, sendo a grande maioria do tipo micro, de um dono só. Mais de metade delas fecha as portas antes de completar três anos. Em outras palavras, é desemprego disfarçado.

A fome arrecadatória do governo, ao sufocar quem produz, impede também a economia brasileira de deslanchar. Neste ano, segundo se estima, o PIB deve crescer 5%. É mais do que nos anos passados, mas muito menos do que outros países em desenvolvimento, sobretudo os asiáticos, estão crescendo. Mas será que o governo realmente se preocupa com isso? Quanto mais impostos forem cobrados, maior se torna o Estado, e isso é exatamente o que o PT quer, com seu projeto socialista. Dirigentes do partido vão à China ver como é que se faz para combinar regime autoritário com economia aberta e em rápido crescimento. Talvez se desapontem. Lá, pelo menos, as coisas são feitas às claras, ao contrário daqui. E ao que se saiba não existe nenhuma tentativa de estatizar ou reestatizar empresas privadas, porque os dirigentes do PC chinês se preocupam em não afugentar os capitalistas externos.

Quem sabe o pessoal do PT volte da viagem convencido de que isso de reestatizar a Companhia Vale do Rio Doce não passa de uma idiotice.

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Vá pegar o seu dinheiro

Se você declarava Imposto de Renda antes de 1983, preste atenção: pode ser que haja um dinheirinho no banco para resgatar.

Resumidamente, a história é a seguinte. Em 1967, o governo militar criou um incentivo fiscal chamado Fundo 157. As pessoas podiam aplicar nesse fundo usando uma pequena parte do imposto devido, no banco de sua escolha. Durante vários anos não era possível resgatar, de modo que muitas pessoas até se esqueceram do assunto depois que o incentivo acabou, em 1983. É claro, também, que apareceu muita empresa aproveitadora, que embolsava o incentivo fiscal e depois quebrava.

Um belo dia, a Receita Federal avisou que uma parte do fundo podia ser resgatada, desde que houvesse decorrido um certo número de anos a partir da aplicação. Algumas pessoas se deram o trabalho de ir ao banco pegar o dinheiro, outras não. O fato é que, hoje, segundo se diz, existem cerca de 500 milhões de reais nos bancos, à espera de resgate por parte dos antigos aplicadores no Fundo 157.

Se você pensa ter algo a ver com essa história toda, vá ao site da Comissão de Valores Mobiliários, a CVM, autarquia tida como o xerife do mercado financeiro brasileiro. Digite http://www.cvm.gov.br/, e procure no canto direito inferior da home page o espaço Acesso Rápido. Nele, clique em Consulta Fundo 157. Vai abrir uma janelinha para você digitar seu CPF. Pronto: o site mostra os bancos que provavelmente estão com o seu dinheiro, se você ainda não o resgatou.

O resto é com você e o seu gerente de banco.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

A desídia da Anac

Quanto mais se desvendam os eventos antecedentes, no curso das audiências pela CPI instalada no Congresso, mais se conclui que o pavoroso acidente com o Airbus da TAM poderia ter sido evitado se a Anac, a agência reguladora do transporte aéreo, não atuasse de modo tão irresponsável e desidioso por culpa de seu aparelhamento partidário. Foi de estarrecer a revelação feita pela desembargadora Cecília Marcondes de que liberou a pista principal de Congonhas para aviões de grande porte porque recebera das mãos de Denise Abreu, a diretora da agência que na CPI declarou ser o documento apenas de uso interno, a norma posta em vigor para proibir o uso de aeronaves com reverso travado pelas companhias operadoras. Agora se fica sabendo que numa reunião com técnicos do setor em dezembro passado a Anac foi informada do risco iminente de um avião ‘varar’ a pista de Congonhas, ou seja, não conseguir frear a tempo até o fim da pista, em situações de decolagem abortada ou de aterrissagem com velocidade e altura superior às normais. O curioso é que a ata comprometedora da reunião foi revelada pela própria Denise, em novo depoimento dado à CPI, ontem. Candura ou manobra sorrateira para tentar afastar de si as suspeições?

Como se não bastasse, pilotos de onze diferentes aviões contaram à polícia que na véspera do acidente, dia 16 de julho, quando chovia mas não tanto quanto no dia seguinte em São Paulo, enfrentaram dificuldades para pousar em Congonhas. Dois disseram que por pouco não ‘vararam’ a pista, de acordo com reportagem publicada hoje no jornal O Estado de S. Paulo. Um terceiro, que derrapou e foi parar na grama. E todos, que a pista parecia um sabonete de tão escorregadia, por falta do grooving, as ranhuras que só agora estão sendo colocadas.

Mesmo assim o aeroporto estava liberado para pousos e decolagens de aviões de grande porte, porque a desembargadora Cecília, enganada pela diretora Denise, da Anac, derrubou em fevereiro a restrição decretada dias antes pelo juiz Ronald de Carvalho Filho. É evidente, diante de todos esses relatos, que a diretora da agência agiu para favorecer as companhias aéreas, ao invés de fiscalizá-las com rigor, como seria de seu dever. Por que ela o fez? Isso já é assunto de polícia.

A velocidade dos dinos


O malvado Velociraptor que aterrorizava criancinhas, no filme de Spielberg

Meu amigo Rodolfo Lucena, editor de Informática da Folha de S. Paulo, mantém um interessante blog no site do jornal a respeito de corridas, praticante que é dessa modalidade esportiva. Entre os posts mais recentes, Lucena falou de uma corrida de mulheres de salto alto em Berlim, na Alemanha, e de homens e mulheres vestidos de Elvis Presley pelas ruas de Minneapolis, nos Estados Unidos, além de publicar uma extensa entrevista com Monica Otero, uma brasileira de 51 anos, mãe de dois filhos e sobrevivente de um câncer do intestino que se tornou a primeira mulher sul-americana a completar a ultramaratona de Badwater, considerada a mais difícil do mundo. Para se ter uma idéia, os participantes dessa corrida percorrem ao todo 217 quilômetros de extensão, ou seja, mais de cinco vezes uma maratona normal. Como se não bastasse, atravessam no caminho o deserto de Mojave, na Califórnia, a uma temperatura de mais de 50 graus centígrados.

Agora o mais impagável mesmo dos posts recentes é o da velocidade dos dinossauros. Vale ler o texto abaixo, transcrito do blog de Lucena, que se chama +Corrida, e pode ser visitado por este link. É injusto classificar informações desse tipo como de cultura inútil. Afinal, todos sabemos como pode faltar assunto quando menos se espera numa reunião social ou numa roda de amigos, não é mesmo?

Meu caro amigo, vivesse você no tempo dos dinossauros e teria de ser um corredor muito, mas muito bom mesmo para conseguir escapar do brutamontes Tiranossauro Rex.

Apesar de seu tamanhão todo, o terrível carnívoro conseguia correr a quase 29 km/h, o que dá pouquinha coisa a mais do que dois minutos por quilômetro, para usar uma medida mais palpável para nosso universo corredor.

Essa foi a conclusão de um estudo realizado na Universidade de Manchester sob o comando do especialista em biomecânica Bill Sellers e do paleontologista Philip Manning.

Eles usaram um supercomputador para tentar determinar as velocidades de cinco tipos de dinossauros bípedes: Compsognathus, Velociraptor, Tyrannosaurus rex, Dilophosaurus e Allosaurus.

De acordo com o modelo desenvolvido, que foi calibrado com base em dados da velocidade de um atleta profissional de 71 kg, o mais rápido foi o Compsognathus.

Pouco conhecido do grande público, esse pequeno ser que viveu há cerca de 1560 milhões de anos tinha apenas 3 kg e uma estrutura óssea semelhante à de um lagarto. Ele conseguia correr cem metros em pouco mais de seis segundos.

Um espécime médio atingia velocidades de até 64 km/h, segundo o estudo publicado em "Proceedings of the Royal Society", o que o torna provavelmente o mais rápido bípede de todos os tempos.

Deixaria no chinelo a superveloz avestruz, a campeã dos seres de duas pernas nos dias de hoje. Segundo o modelo, um exemplar de 65 kg corre a apenas 55,4 km/h.

O Comps (para os íntimos, é claro) também dava um banho no feroz Velociraptor (foto), que foi alçado ao estrelato da violência pelo filme "Parque Jurássico". O malvadão atingia no máximo meros 40 km/h.

Claro que tudo isso é um modelo criado em computador, baseado em expectativas de desempenho de acordo com a estrutura óssea e a musculatura. Há registros de avestruzes de verdade, por exemplo, correndo a mais de 63 km/h.

Ao que os pesquisadores respondem que provavelmente também haveria Comps capazes de desempenho melhor que o previsto pelo supercomputador.


sexta-feira, 10 de agosto de 2007

A queda da bolsa

Se você é investidor e tem parte do seu suado dinheirinho aplicada na bolsa, pode estar se perguntando, a propósito da atual queda: o comprador americano de casa própria resolve dar um calote e sou eu que pago a conta? Pois é disso mesmo que se trata, porque a crise do mercado imobiliário nos Estados Unidos lança uma sombra de incerteza sobre o futuro da economia daquele e de outros países ricos, e por extensão, de todo o planeta, com reflexos inevitáveis nas bolsas de valores. Mas o mais curioso neste momento, em que o mundo torce para que não sobrevenha o pior, é observar o motivo principal da queda no preço das ações.

Pode parecer estapafúrdio, mas acontece o seguinte: assustados com a crise imobiliária americana, os grandes investidores procuram melhorar seu grau de proteção. É natural que o façam, pois bancos internacionais já estão se negando a emprestar dinheiro para as companhias financiadoras de imóveis dos Estados Unidos, e sem crédito a crise nesse mercado só tende a aumentar. E como os grandes investidores se protegem? Vendendo suas posições em ativos no Terceiro Mundo, cujos países são eufemisticamente chamados de emergentes. Ou seja, tiram o dinheiro da bolsa do Brasil e de outros lugares assim e vão comprar o quê? Títulos do Tesouro americano, considerados os mais seguros do mundo. Entenda bem: o problema surgiu nos Estados Unidos, mas é justamente para lá que correm os grandes investidores em busca de proteção. Não é absurdo, é real. E o investidor brasileiro paga a conta, com a bolsa em queda.

Donde se conclui que pobre nasceu mesmo é para financiar o consumismo dos ricos.

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Democracia de fachada

Criminosos quase sempre alegam inocência de início, por mais que as evidências reunidas contra eles digam o contrário, e se houver uma brecha tentam lançar a suspeição sobre outros. Da mesma forma, algumas figuras políticas do país fazem pouco da inteligência média dos brasileiros e procuram passar versões conspiratórias nas quais assumem, invariavelmente, o papel de vítimas.

O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, especialista na matéria, atribui à oposição um insopitável desejo golpista. O ainda presidente do Senado, Renan Calheiros, infringe o segundo mandamento ao invocar o nome de Deus em vão, ou seja, em favor de sua proclamada inocência. O ministro da Justiça, Tarso Genro, na condição de chefe supremo da Polícia Federal, busca impingir o conto da carochinha de que os dois boxeadores cubanos localizados, presos e deportados em tempo recorde quiseram voltar de moto próprio para a ilha de Fidel e o esperado garrote. E o presidente Lula, cujo apego à figura lingüística ‘nunca-antes-neste-país’ beira o paroxismo, depois de apresentar-se ontem, na capital da Nicarágua, onde pelo menos não enfrenta vaias, como o ‘único presidente’ que nunca se queixou do Congresso, soltou esta pérola, a propósito do Renangate: “Precisamos aprender a conviver com a democracia e com os percalços da democracia, que é boa, às vezes incomoda, mas ainda é o melhor regime para que a gente possa viver tranqüilamente”.

A quem pensam que enganam? A que platéia se dirigem, formada toda ela por néscios e incautos? Pois Dirceu, portador do belo nome dos poemas líricos de Tomás Antônio Gonzaga – embora não ame Marília -, ao contrário do inconfidente mineiro, português de nascimento, longe de conspirar por uma boa causa nunca fez nada senão atentar contra a democracia. É o último, portanto, que pode falar em golpe. Renan, se fosse tão temente a Deus, com certeza exibiria contas mais comprováveis e origens menos nebulosas sobre seus bens. E quanto a Tarso e a Lula, o mínimo que se pode cobrar deles é um pouco mais de seriedade na ocupação de suas funções públicas.

Um afirmar que os cubanos pediram para retornar ao país do qual tentaram fugir, e outro exortar as liberdades democráticas quando na verdade trabalha para destruí-las, seja servindo de patrono a iniciativas petistas como as de montar um Conselho Federal de Jornalismo, reclassificar os cidadãos por critério de raça, acabar com as agências reguladoras e planejar uma Constituinte para moldar um poder virtualmente monopartidário e unipessoal para o futuro, seja ordenando, ou no mínimo admitindo, a deportação sumária de dois estrangeiros em condição regular no país - falta acima de tudo verossimilhança à encenação. Como numa peça de teatro de má qualidade, o espectador não se convence, muito menos se deixa cativar.

No caso dos cubanos, falta esclarecer o essencial. O governo precisa explicar à sociedade por que optou pela deportação sumária, ao arrepio da lei e da Justiça. Precisa ainda dizer por que manteve os dois presos incomunicáveis, longe da imprensa, quando nada havia naquele momento que pudesse prejudicar uma investigação policial. E precisa, por fim, definir em qual ou quais situações outras deportações desse tipo poderão ocorrer, por iniciativa do governo e contrariando convenções internacionais.

Enquanto não se esclarecer a questão, o Brasil viverá em insegurança jurídica, própria de regimes ditatoriais. E exortações democráticas, venham de quem vier, soarão falsas e sem conteúdo.

domingo, 5 de agosto de 2007

Lula, Hitchcock e Doris Day


Cartaz do filme de 1956, de Hitchcock

O editorial de ontem do Estadão, no qual o jornal critica a atitude do presidente Lula de sempre alegar desconhecimento para livrar-se de responsabilidades - O homem que sabia de menos -, começa logo no título com uma feliz inversão do nome de um filme famoso de Alfred Hitchcock, O Homem que Sabia Demais (The Man Who Knew Too Much, de 1956, refilmagem da versão original, de 1934, do mesmo diretor). A alusão é perfeita, porque se Lula diz nunca saber de nada para evitar complicações, o pacato turista interpretado por James Stewart no filme só enfrenta problemas, para ele e a família, depois de ouvir involuntariamente a confidência de um moribundo, esfaqueado por seus comparsas terroristas, no Marrocos, sobre um plano de assassinato de um figurão político em Londres, em meio a um concerto no Royal Albert Hall.

Mas, com todas as suas qualidades, o filme de Hitchcock é mais lembrado hoje pela música cantada por Doris Day, Que Sera, Sera, um clássico de Jay Livingston e Ray Evans, premiado com o Oscar de melhor canção em 1957. Doris celebrizou-se pelos papéis de loura ingênua nas comédias que fez com Rock Hudson em fins dos anos 50, a ponto de Grouxo Marx afirmar que a conhecera ‘quando ela ainda não era virgem’. Pura maldade, porque mais do que ótima atriz ela era excepcional cantora, uma das artistas mais luminosas da constelação de talentos que imortalizou uma época de ouro da grande canção americana – e que, como tal, merecia um pouco mais de respeito.

Quando menina, Doris Mary Ann von Kappelhoff, filha de pais alemães divorciados, nascida em 3 de abril de 1924 em Cincinatti, Ohio, queria ser bailarina. Aos 14, no entanto, sofreu um grave acidente automobilístico que a obrigou a abandonar o sonho. O mundo perdeu uma bailarina, talvez com talento, mas ganhou uma cantora soberba. Aos 16 anos Doris já estreava como crooner na banda de Les Brown, e nas três décadas que se seguiram gravou um extenso repertório de clássicos, trafegando entre o jazz e o pop tradicional.

Um rápido apanhado dá uma idéia da riqueza de sua discografia. Além de Que Sera, Sera e de Secret Love, de Sammy Fain e Paul Francis Webster, outra canção premiada com o Oscar, do filme em que ela interpretou a pistoleira, no bom sentido, Jane Calamidade, em Ardida como Pimenta (Calamity Jane, de 1953), Doris gravou ao longo de sua carreira musical as seguintes, entre outras obras-primas da canção americana legítima e peças importadas: Autumn Leaves (de Joseph Kosma), Night and Day (de Cole Porter), April in Paris, I Love Paris (também de Porter), Bewitched, Blue Moon, By the Light of the Silvery Moon, Domino, Dream a Little Dream of Me, Fascination, I’m in the Mood for Love, It Had to be You, It’s Magic, My Blue Heaven, Sentimental Journey, Serenade in Blue, Stardust (de Hoagy Carmichael e Mitchell Parish), You’ll Never Know, September Song e Summertime. Não há como não se emocionar com a sensibilidade demonstrada por Doris na sublime Domino, de Louis Ferrari e Jacques Plante, vertida para o inglês por Don Raye, ou com sua técnica impecável no dueto histórico com Bing Crosby em Baby, It’s Cold Outside. Outro grande dueto seu foi com Frankie Laine, em Sugarbush.

Se você é jovem demais para ter visto ou ouvido Doris Day, ou se tem idade para querer apreciá-la de novo, clique aqui para ver os vídeos postados no YouTube, Que Sera, Sera, com cenas do filme, e um clipe caseiro com Baby, It’s Cold Outside ao fundo. E em tempo: como diz a legenda do cartaz antigo de O Homem que Sabia Demais, às vezes conhecer algo, mesmo que pouco, pode trazer um grande perigo. É o que deve pensar Lula.