A paralisia que acomete a Assembléia Constituinte da Bolívia deve estar preocupando a cúpula e a militância petistas, que sonham em mudar o capítulo da organização dos poderes, na Constituição brasileira, para dar ao seu guia dos povos Lula um terceiro mandato consecutivo como presidente da República. O que a experiência boliviana indica é que num regime democrático normal não basta a vontade de um partido majoritário, mesmo reforçado por legendas acolitadas, para se travestir um Congresso em constituinte e, com isso, mudar a Constituição a seu bel-prazer. Ou seja, para desgosto dos petistas, a frustração do projeto autocrático de Evo Morales na Bolívia mostra, mais uma vez, que o socialismo democrático não passa de uma utopia, quando não de balela. Regimes democráticos trazem incubados, sem exceção, o gérmen do individualismo, e não há doutrinação que possa remover essa herança do pecado original. Portanto, ou se tem um regime de exceção e se outorga uma Carta, como aconteceu em 1824 e 1937 no Brasil, na primeira vez pelas mãos do recém-nomeado imperador Pedro I e na segunda pelas de Getúlio Vargas, impondo o Estado Novo, ou é necessário haver uma situação fora do comum na vida nacional para que o conjunto da sociedade avalize a ação política suprema, a mudança de uma Constituição.
No Brasil, essas situações excepcionais precederam quase todas as cinco Cartas promulgadas. Em 1891, com a proclamação da República. Em 1934, no primeiro governo Vargas, com o estabelecimento do voto universal e secreto, extensivo às mulheres, e a criação das Justiças Eleitoral e do Trabalho. Em 1946, com o fim da Segunda Guerra após a derrota do nazi-fascismo no mundo e a queda do Estado Novo no Brasil. E em 1988, com a redemocratização do país após o fim do ciclo militar e o restabelecimento das eleições diretas para presidente da República. A única exceção ocorreu em 1967, quando a Carta foi promulgada por um Congresso subjugado pelos militares, para pretensamente coonestar o bipartidarismo e a eleição indireta para presidente.
A Assembléia Constituinte boliviana, prestes a encerrar seus trabalhos de forma inglória, sem elaborar a nova Carta, segundo o jornal O Estado de S. Paulo de hoje esbarra entre outros nos impasses gerados pela disputa entre La Paz e Sucre em torno da nomeação como capital do país, pela insistência da oposição em manter a maioria de dois terços do Congresso para a aprovação da nova Constituição e pelas reivindicações de maior autonomia por parte dos departamentos (estados) de Santa Cruz, Tarija, Beni e Pando.
Há ainda a dificuldade quase insuperável de se consolidar num texto sintético todas as cerca de 3 000 sugestões de artigos feitas pela sociedade civil. Coisas da latinidad. Como se mudar uma Constituição fosse pouco, num Congresso dividido em várias facções políticas, os bolivianos – assim como os brasileiros, em qualquer situação – pagam o preço de sua verborragia e incontinência de atitudes, somadas à ingenuidade de achar que tudo pode ser previsto, disposto e resolvido pela Constituição. Assim, mesmo que a Assembléia Constituinte conseguisse alcançar o objetivo de promulgar a nova Carta, esta nasceria com um defeito semelhante ao da atual Constituição brasileira. De tanto querer regular, tornaria o país ingovernável.
quarta-feira, 26 de setembro de 2007
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