Na obra-prima Kagemusha – A Sombra do Samurai (Kagemusha, 1980), Akira Kurosawa mostra como jovens cortesãos serviam de escudos humanos para seus senhores no campo de batalha. Mal tombava um, outro se postava à frente para levar os tiros endereçados ao alvo real.
No Japão feudal e em outros lugares do mundo, reis, imperadores e governantes sempre tiveram seus escudos humanos, gente disposta a fazer o papel de bucha de canhão – isso, para não falar dos stunts, profissionais que substituem os astros de cinema nas cenas mais arriscadas. Em viagens ou nas masmorras, o provador experimentava antes a comida destinada ao rei, com o objetivo de evitar que este fosse envenenado. Napoleão, na sua soberba de se julgar um predestinado, não tomou esse cuidado e morreu por overdose de arsênio em 1821, na ilha de Santa Helena, onde fora confinado pelos ingleses após a Batalha de Waterloo. No atentado contra o presidente americano Ronald Reagan, em 1981, não foi um agente de segurança mas sim seu secretário de Imprensa, James Brady, quem levou um dos tiros disparados por John Hinckley, Jr, e se tornou paralítico. O próprio Reagan, recém-empossado para seu primeiro mandato, escapou por pouco. Uma das balas o atingiu a menos de uma polegada do coração.
Os interesses de Estado justificam a existência dos stunts da vida real. E morrer para proteger a segurança institucional não deixa de ser heróico. Mas no Brasil do governo petista surgiu uma nova categoria de stunts: a dos bodes expiatórios. Também eles se imolam, só que em nome de um difuso conceito de segurança institucional ligado mais aos interesses do partido do que da nação.
O mais famoso dos bodes expiatórios recentes foi o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares. Até hoje, de forma canina, ele continua a sustentar a versão de que foi o único responsável pela contratação dos financiamentos com os quais seu partido deu origem ao mensalão, embora até o concreto da rampa do Palácio do Planalto saiba que ele não tinha poderes para tanto.
Agora, a ex-ministra de Igualdade Racial Matilde Ribeiro acaba de dar uma contribuição de monta para aumentar a coleção de bodes petistas. Antes de ser obrigada a sair do governo por torrar dinheiro público com os cartões corporativos, quis livrar a própria cara demitindo dois assessores, segundo ela responsáveis por induzi-la a ‘erro administrativo’. Ocupante de cargo em que deveria cuidar da igualdade social, fez exatamente o contrário, defendendo políticas raciais e o primado da diversidade. Queria dar força, por essa via torta, à afirmação dos fracos e oprimidos, em oposição às elites dominantes. Mas quando se viu apertada não hesitou em jogar a culpa sobre os mais humildes. Cadê a coerência, dona Matilde?
quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008
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