sábado, 27 de janeiro de 2007

Almoço grátis

Sobra jogo de cena e falta objetividade nesse debate público sobre o PAC entre o governador paulista José Serra e o ministro Guido Mantega, da Fazenda. Serra está certo quando diz que o pacote de medidas é vago no que se refere à origem dos recursos, mas erra ao não explicar como o governo poderia sair da atual armadilha de juros altos e câmbio desvalorizado para obter o ambicionado crescimento econômico. E Mantega, que apesar de ser um dos pais do pacote não encontra argumentos técnicos para defendê-lo, refugia-se em ironias de palanque para mascarar a própria incompetência. "É capaz de ela (a oposição) ficar sem discurso se o PAC for um programa coerente, consistente e eficaz", disse ele ontem, segundo o jornal O Estado de S. Paulo, em resposta às críticas feitas por Serra. O emprego do condicional mostra que nem ele tem certeza do acerto das medidas.
Por ironia, a voz da razão em meio ao tiroteio entre o governo e a oposição em torno do assim chamado Programa de Aceleração do Crescimento tem sido a do presidente Lula, que não possui diploma de economista como Serra e Mantega. Em Davos, na Suíça, onde foi participar do Fórum Econômico Mundial, Lula disse ontem, dois dias depois de o Banco Central reduzir a taxa Selic em apenas 0,25 ponto percentual, para 13% ao ano – e não em 0,5 ponto, como esperavam parte do mercado e o próprio Mantega -, que os juros não podem cair por mágica. "Todos nós gostaríamos de uma taxa mais baixa no Brasil, mas você não pode reduzi-la por mágica", afirmou.
De fato, nas atuais condições do país, mesmo com a melhora dos fundamentos econômicos nos últimos anos, mérito sobretudo de Lula, que se não fosse pelo escândalo da quebra de sigilo do caseiro Francenildo teria mantido Antonio Palocci na Fazenda até hoje, só um governante totalmente irresponsável mandaria baixar a taxa Selic a toque de caixa, jogando para a platéia.
Para começar, a dívida mobiliária da União, em termos líquidos, ainda se mantém na ordem de 50% do PIB. Junto com a carga tributária, de escorchantes 38% do PIB, essa dívida sufoca o setor privado, porque drena para os títulos do governo recursos que poderiam estar aplicados na produção. Mesmo assim, a Previdência oficial fechou o ano passado com um déficit de 42 bilhões de reais, e que só tende a crescer. E, para completar, o aumento de renda das famílias com a queda da inflação e os reajustes salariais reais tem impulsionado o consumo.
Diminuir os juros reais para um nível 'civilizado' de 2 a 3% ao ano da noite para o dia, embora isso possa ser desejável por todos, equivaleria assim a dinamitar o precário equilíbrio macroeconômico que permite obter as atuais baixas taxas de inflação. E, se os juros não podem ser reduzidos com celeridade, também não se pode querer que o dólar suba com rapidez, porque as exportações vão bem apesar do real supervalorizado e a remuneração paga pelos títulos públicos continua a atrair recursos estrangeiros para o país.
Trata-se, realmente, de uma armadilha, porque a conjunção desses fatores impede um maior crescimento econômico, por falta de investimentos. Existe poupança suficiente, mas esta não se transforma em investimento porque no meio do caminho uma grande parte é capturada pelo financiamento da dívida pública. Hoje, a taxa de formação de capital em relação ao PIB é da ordem de 19%, quando o Brasil precisaria elevá-la acima dos 25% a cada ano para pensar um crescimento econômico sustentável de 5%.
Como se faz para sair dessa armadilha? Só existe um caminho: a redução do tamanho do Estado, para diminuir a carga tributária e a concorrência pelos recursos de financiamento. O problema é que esse processo também demora. Para não haver rupturas desastrosas, em primeiro lugar se deve diminuir a dívida, com a manutenção dos superávits primários em 4,25% do PIB ou até mais, em segundo economizar onde for possível no orçamento público e, em terceiro, retomar o processo de privatizações interrompido no atual governo. Para completar, deve-se reformar a Previdência e o sistema tributário.
Isso, sim, seria uma verdadeira agenda para o crescimento sustentável. Pode demorar, pode doer, mas não existe almoço grátis em economia, ao contrário do que o governo tenta fazer crer com esse PAC, cuja única medida de contenção de despesas é a limitação da folha salarial do funcionalismo a um teto de crescimento de 1,5% real a cada ano, mas que deverá ser derrubada com facilidade no Judiciário, assim como a utilização do Fundo de Garantia dos trabalhadores para financiar projetos de infraestrutura.
O PAC nasce condenado porque se trata de um programa mais inflacionário do que de crescimento. O Banco Central, certamente, levou esse aspecto em conta quando decidiu cortar a taxa Selic em apenas 0,25 ponto percentual. Lula, portanto, faz bem em apoiar Henrique Meirelles, o presidente do Banco Central, contra seu ministro da Fazenda, Mantega.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

Osso bom, esse

Parece brincadeira, e de muito mau gosto, a notícia de que o lulo-petismo já se movimenta nos bastidores para viabilizar um terceiro mandato consecutivo do atual presidente, mas não é. Haveria uma brecha legal para tanto. Com o fim do instituto da reeleição, caso ele ocorra por instâncias da própria oposição, todos os possíveis candidatos ao cargo estariam zerados em relação ao passado, de acordo com o conceito de nova lei, nova vida. Como a legislação não pode retroagir, Lula teria então assegurado o seu direito de concorrer, tanto quanto os outros.
A possibilidade de um terceiro mandato foi aventada pelo cientista político Leôncio Martins Rodrigues, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, e também vem sendo discutida como uma ameaça real pelos cardeais do PSDB. O candidato tucano à Presidência nas últimas eleições, Geraldo Alckmin, tinha como uma de suas bandeiras de campanha, como se recorda, o fim da reeleição.
O engraçado é que ninguém no ano passado se lembrou da brecha legal. Nenhum jurista veio a público para alertar os tucanos, nem estes se preocuparam em consultar os especialistas. Resultado: ou se muda o discurso agora, o que ficaria feio, ou se faz o jogo do lulo-petismo. O PSDB vê-se numa sinuca de bico por seu descuido, com perdão do trocadilho.
Já o PT, que antes de chegar ao poder sempre combateu a reeleição, equiparando-a a um crime de lesa-pátria nos tempos do governo Fernando Henrique, igualmente teria de mudar seu discurso, mas isso lhe custa muito pouco. Para quem patrocinou o Mensalão e outras formas de compra de apoio parlamentar, fez vista grossa para a ação dos sanguessugas, arranjou dólares para rechear cuecas, dispôs-se a pagar uma pequena fortuna por um dossiê falso, e ainda despreza como simples 'erros' os crimes cometidos, dar o dito pelo não dito é a menor das dificuldades.
Existe também o exemplo, bem-sucedido na opinião dos petistas, do companheiro Hugo Chávez pelas bandas da Venezuela. Com a ausência da oposição nas últimas eleições formou-se um Congresso maciçamente situacionista, o qual acaba de conferir a Chávez poderes para governar por decreto e concorrer a quantas reeleições quiser. O caudilho já havia revelado sua intenção de não largar o ossinho por pelo menos 30 anos. O Congresso brasileiro não é muito diferente do venezuelano. Até um partido como o PDT, que ontem se destacava na oposição, hoje adere ao governo, seduzido pelas benesses prometidas em troca da venda de sua consciência. E mesmo o Brasil, constatemos a contragosto porque é verdade, não difere em essência das republiquetas de banana coirmãs da América Latina.

Lá e aqui

"Para o ano de 2007, a recomendação do presidente George W. Bush é de um aumento de 2%, sabendo-se que a inflação americana em 2006 foi cerca de 3,5%. No Brasil, para um IPCA de 3,14%, os deputados federais aprovaram um aumento superior a 90%."

(José Pastore, professor da FEA-USP, em artigo publicado ontem no jornal O Estado de S. Paulo, sobre o reajuste salarial aprovado pelos congressistas brasileiros, matéria atualmente sub judice. Detalhe notado pelo professor: o PIB brasileiro está em torno de 650 bilhões de dólares, enquanto o dos EUA ultrapassa os 12 trilhões)

Ênfase e correção

"Um homem de personalidade", dizia um antigo professor meu de português, "está sempre atrasado 15 anos em relação à moda. Ou adiantado." Vem talvez desse ensinamento minha ojeriza para com os modismos, não só no vestuário como também na língua.
O modismo é uma praga no jornalismo. Não me refiro aos neologismos importados, alguns dos quais acabam se consagrando no vernáculo pelo uso popular. Até porque, todos hão de concordar, futebol é preferível a ludopédio, e motorista a sinesíforo. Também não está em discussão o emprego de certos verbos adaptados de termos ingleses, como ocorre com freqüência em textos sobre informática, porque quem escreve 'disponibilizar' não merece sequer comentário.
Refiro-me à utilização do recurso de ênfase. O recurso é justificável para realçar uma idéia ou informação no texto. Os melhores autores clássicos se valeram dele. Mas precisa ser bem usado para cumprir sua finalidade.
Não é o que acontece com o modismo 'exato', um adjetivo associado, no caso, à noção de tempo. Uma repórter escreveu que o presidente Lula falou durante exatos 15 minutos no discurso de lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento, PAC. Como não estava com um cronômetro na mão, ela fez no mínimo uma afirmação temerária. Não poderiam ter sido 14 minutos e 50 segundos, ou 15 minutos e 10 segundos? Mesmo que a diferença fosse de apenas 1 segundo, não seriam 'exatos 15 minutos'.
A correção é o primeiro requisito da informação jornalística. Se a repórter escrevesse apenas "falou durante 15 minutos" ou, num assomo de honestidade, "falou durante cerca de 15 minutos", prestaria uma informação de melhor qualidade. A ênfase, nesse caso, não apenas foi desnecessária como contraproducente.

terça-feira, 23 de janeiro de 2007

Muito barulho por pouco

Crescimento econômico não se obtém por decreto. Essa verdade simples parece ter sido desprezada pelos formuladores palacianos do PAC, Programa de Aceleração do Crescimento, anunciado ontem pelo presidente Lula como o grande projeto do segundo mandato de seu governo para a área econômica.
Algumas das decisões tomadas – que ainda precisam passar pelo Congresso – podem de fato estimular as atividades em segmentos localizados da produção econômica, por reduzir a incidência da carga tributária. Outras não terão resultado prático nenhum a curto prazo, por constituírem providências burocráticas, como a de extinguir a Rede Ferroviária Federal e a Companhia de Navegação do São Francisco, já em processo de liquidação, ou meras intenções, como as de disciplinar a gestão, organização e controle social das agências reguladoras e continuar diminuindo a TJLP, a taxa de juro cobrada pelo BNDES das empresas. E outras, ainda, tendem a despertar muita resistência para sair do papel. As centrais sindicais, por exemplo, estarão em pé de guerra contra a utilização do Fundo de Garantia dos trabalhadores para financiar projetos de infraestrutura. Já os governadores não aceitarão tão facilmente a renúncia fiscal do IPI e do Imposto de Renda, prevista para algumas áreas, por prejudicar suas receitas estaduais.
Para aumentar ainda mais as desconfianças em relação à eficácia do pacote, a única medida de austeridade fiscal anunciada é a limitação da folha de pessoal, inclusive de inativos, por 10 anos - ué, mas o atual governo não acaba em 2010? -, ao crescimento anual de 1,5% mais a variação do IPCA, o índice oficial de inflação. As decisões de sentido inverso, ao contrário, abundam. Além da promessa de reduzir a TJLP e das isenções de impostos propostas, há uma que é, francamente, estapafúrdia. Se ela foi negociada com as centrais sindicais, como diz o governo, o foi com muita incompetência. Prevê o reajuste do salário mínimo, entre 2008 e 2011, com base na variação anual do INPC mais a taxa de crescimento real do PIB de dois anos imediatamente anteriores.
Façamos umas contas. O crescimento acumulado do PIB nos dois últimos anos foi de cerca de 5,2%. O INPC subiu 2,81% em 2006. A soma multiplicada das duas taxas, com o efeito dos juros compostos, dá cerca de 8,2%. Se a regra já estivesse valendo, o mínimo seria reajustado por esses 8,2% neste ano, ficando praticamente no mesmo nível dos 380 reais anunciados pelo governo. Ocorre que a inflação foi excepcionalmente baixa no ano passado. Se o INPC tivesse subido por exemplo 5%, como se previa, o governo seria obrigado a conceder um reajuste de 10,5%, causando um estrago ainda maior nas contas da Previdência, uma das principais fontes de déficit público. É claro que todos gostariam de dar ao trabalhador brasileiro o maior salário mínimo do mundo, mas uma coisa é querer, outra é poder. Assim, diante da realidade do país hoje, uma regra mais sensata, para não estourar de vez com o sistema oficial de aposentadoria e pensões, seria um reajuste pelo aumento do PIB per capita ocorrido a cada ano, e não do PIB geral em dois anos, mais o INPC.
Não há crescimento econômico que se sustente sem a criação de um ambiente favorável aos negócios. Isso significa, principalmente, encolher o tamanho do Estado para que este deixe de tomar recursos do setor privado para financiar as próprias dívidas, equilibrar as contas da Previdência, parar de interferir em setores com regulação acordada em contratos, melhorar a infraestrutura cortando gastos públicos correntes, reduzir a burocracia, estimular o empreendedorismo e ao mesmo tempo modernizar a legislação sindical para favorecer a geração de empregos.
O PAC vai na direção contrária a tudo isso. Basta ver que, do total de 504 bilhões de reais em investimentos previsto para o período de 2007 a 2010, somente a estatal Petrobrás será responsável por quase 30%, ou 144 bilhões. Como a economia brasileira é muito maior que a Petrobrás, só por aí dá para concluir que o pacote anunciado por Lula é insuficiente para fazer o PIB crescer 5% ao ano, como quer o governo.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

Movimento e contemplação





Ela se assina apenas Olga M. Trata-se de uma fotógrafa russa que consegue efeitos inspirados de cor e luz controlando a abertura de suas lentes e com a ajuda, por vezes, da iluminação do objeto focalizado. Observe-se por exemplo, na foto da parte de cima, Balé, a sombra da bailarina lançada para frente e para trás.
Olga usa câmeras convencionais e também as digitais. Trabalha com vários equipamentos, de Canon, Nikon e Pentax a Sony e até Kodak. Balé e a foto de baixo, Dança, foram feitas com uma digital Canon. A do meio, Tempo Parado, está sem a indicação da câmera utilizada, no site Photoforum (clique aqui).

terça-feira, 16 de janeiro de 2007

Racha e impasse

O lançamento do deputado Gustavo Fruet, do PSDB do Paraná, como candidato à presidência da Câmara pela frente multipartidária denominada terceira via, racha o grupo e cria um impasse para os tucanos.
O racha evidenciou-se hoje, tão logo foi anunciada a candidatura de Fruet. O grupo, que já era pequeno, constituído por não mais de 30 deputados, tornou-se ainda menor com a saída do PSOL. O partido defendia o nome de Luíza Erundina, do PSB de São Paulo, como candidata, e também não admite aliar-se aos tucanos sob nenhuma circunstância, preocupado em marcar sua posição oposicionista. Desse jeito, não há frente multipartidária que resista.
Quanto ao impasse tucano, o problema aprofunda a crise vivida pelo partido. Depois de obrigar Jutahy Júnior, o líder na Câmara, a recuar do apoio ao candidato Arlindo Chinaglia, do PT, primeiro pelo puxão de orelhas nele aplicado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e depois pela marcação, para o próximo dia 25, de uma reunião da Executiva Nacional e das bancadas na Câmara e no Senado para deliberar sobre a questão, o PSDB, cujas principais lideranças se inclinavam pela candidatura do também governista Aldo Rebelo, do PCdoB de São Paulo, agora se vê obrigado a desautorizar ou não um de seus membros, o deputado Gustavo Fruet. Só falta as lideranças tucanas, com exceção do governador paulista José Serra, tido como mentor do desastrado anúncio feito por Jutahy Júnior – com o objetivo de ter como moeda de troca com o PT a presidência da Assembléia Legislativa de São Paulo para o PSDB –, tentarem demover Fruet da candidatura. Não poderia haver desmoralização maior para um partido que se diz de oposição ao governo.
Independentemente do que venham a decidir os tucanos, Fruet tem pouquíssimas chances de virar o jogo da sucessão na Mesa Diretora da Câmara, embora afirme que, além dos deputados de outros partidos da 'terceira via', já conta com pelo menos 24 adesões de companheiros do PSDB. Precisaria de muito mais votos para ganhar de Chinaglia ou mesmo de Rebelo.
É pena, porque o deputado paranaense, um dos mais atuantes membros da extinta CPI dos Correios, como sub-relator de finanças, poderia sem dúvida ajudar a melhorar a imagem da instituição perante o público, como presidente da Câmara. Basta ver sua plataforma como candidato: a) lutar contra o ignominioso aumento de 91% proposto para os salários dos parlamentares e propor, em seu lugar, um mecanismo de reajustes anuais baseado na inflação; b) acabar com o voto secreto no Congresso; c) reformular o regimento interno da Câmara para acelerar os trabalhos; e d) encontrar meios para barrar o excesso de medidas provisórias editadas pelo Executivo.
É tudo aquilo que nem Chinaglia nem Rebelo se dispõem a fazer. Mesmo porque não o poderiam, como paus-mandados que são do Planalto.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2007

Tancredo, o oposicionista

Nos idos de 70, naquele imenso corredor que separa os prédios da Câmara e do Senado, lá vinha o doutor Tancredo, com um séquito de políticos, repórteres e seguranças. Quando passamos pelo grupo, meu colega, o jornalista Carlos Alberto Sardenberg, então correspondente do Jornal do Brasil em Brasília escalado para cobrir assuntos do Congresso, abordou Tancredo. Após trocar algumas palavras com ele, apresentou-me como jornalista de economia em São Paulo. A raposa mineira nunca me tinha visto mais gordo ou mais magro. Mas imediatamente me abraçou como a um velho conhecido e cochichou no meu ouvido, como quem conta um segredo: "Estou muito precisado de uns conselhos do amigo".
É evidente que Tancredo não precisava de conselhos de um zé-ninguém, até porque tinha muito mais experiência de vida e de política do que este modesto escriba. Àquela altura, era deputado federal há várias legislaturas e já fora ministro da Justiça de Getúlio Vargas, presidente do Banco do Brasil no governo Juscelino Kubitschek e primeiro-ministro do curto parlamentarismo brasileiro que ele mesmo sugeriu a Jango Goulart para evitar o golpe militar. Mas Tancredo Neves era desses políticos, hoje cada vez mais raros, com um dom inato para seduzir. Dizia aos outros o que gostariam de ouvir, mesmo pecando pelo exagero.
Essa sua habilidade pode explicar por que não foi cassado ou perseguido pelo regime militar, embora sempre lhe fizesse oposição. A lhaneza não significava nele falta de vértebras ou de caráter. Ao contrário, Tancredo marcou sua longa trajetória política com uma rara coerência, sem nunca renunciar a seus ideais. Guardava para a posse como presidente, que não chegou a assinar - seria o primeiro civil no cargo, depois de vinte anos de ditadura militar -, a caneta banhada a ouro recebida de Getúlio.
Hoje, Tancredo, Mário Covas, Ulysses Guimarães e alguns outros, que ensinaram como se deve fazer oposição, devem estar se revirando na cova (no caso de Ulysses, no fundo do mar). O líder do PSDB na Câmara, Jutahy Magalhães Júnior, da Bahia, anunciou ontem sem corar, para o Brasil inteiro, que a maioria de seu partido apóia a eleição do petista Arlindo Chinaglia para presidir a casa. Ou seja, aderiu, sem remorso nem vergonha. Mandou para a cesta de lixo os quase 40 milhões de votos dados a Geraldo Alckmin, de seu partido, nas últimas eleições presidenciais. Nada a estranhar. Jutahy Júnior é o mesmo que no fragor da campanha anunciou apoio ao candidato do Planalto ao governo baiano, Jaques Wagner, indiferente aos estragos que estava causando na imagem do partido e da candidatura Alckmin. E o pior é que o PSDB não conseguiu demovê-lo. Também nada a estranhar. O atual presidente do partido, Tasso Jereissatti, já declarou que apoiará o adesista de carteirinha Ciro Gomes para presidente em 2010. Com uma oposição assim o governo não precisa de situação parlamentar, nem de seu exército de apaniguados e puxa-sacos. Pode-se prever, porém, que se Tancredo, Covas e Ulysses têm assegurado um lugar de honra na história política brasileira, a Jutahy Júnior está reservada a mesma cesta de lixo na qual ele joga a bandeira oposicionista, agora em frangalhos, de seu partido.
Tancredo, de quem Jutahy Júnior, se pudesse voltar ao passado, não teria estofo para engraxar-lhe as botinas, era tão cioso de seu papel como homem público que até para morrer deu um jeito de resistir no hospital até o dia 21 de abril, data de Tiradentes, o mártir da Inconfidência e mineiro de São João del-Rei (hoje Tiradentes) como ele. São Paulo se comoveu com três grandes cortejos fúnebres nas últimas décadas do século passado, a multidão de anônimos a correr em volta do caminhão de bombeiros com o caixão. Em ordem cronológica, o primeiro foi o de Elis Regina, O segundo, de Tancredo. E o terceiro, de Ayrton Senna.
No dia seguinte ao do enterro do corpo de Tancredo, em 1985, Chico Caruso publicou uma charge inesquecível na primeira página do jornal O Globo. Dois anjos levavam pelos braços o falecido em direção ao céu, e Tancredo, já com a devida auréola, sorria para os espectadores em lágrimas aqui em baixo.
Mais articulador do que tribuno, Tancredo não era de arrebatar multidões. Mas recebeu na morte o tributo popular que não teve durante a carreira.

quinta-feira, 11 de janeiro de 2007

O ator e o homem


Eastwood instrui o ator Ken Watanabe, protagonista de Cartas de Iwo Jima

Certas figuras públicas tornam-se vítimas de uma imagem a elas atribuída e que nem sempre corresponde à verdade. Atores de cinema e TV, principalmente, têm muitas histórias para contar a respeito. Já houve casos de atrizes de novela que apanharam na rua por conta do papel de vilã que interpretavam.
O ator americano Clint Eastwood cultivou como poucos a fama de durão no cinema, porque sua carreira foi marcada por uma maioria de filmes nos quais ele compunha um tipo meio amoral e fascistóide, tanto como pistoleiro nos westerns dirigidos por Sergio Leone, na Itália, e Don Siegel, nos Estados Unidos, quanto como policial na série Dirty Harry, também de Siegel. Mas como diretor ele tem assinado produções que desmentem essa espécie de estigma colado à sua persona cinematográfica.
Já no primeiro filme que dirigiu, em 1971, Perversa Paixão (Play Misty for Me), o personagem que interpretou, um disc jockey de rádio noturna atormentado por uma fã obsessiva, era o oposto dos feitos por ele apenas como ator. Outros títulos de sua autoria, como Bird (idem, 1988), no qual retratou o saxofonista Charlie Parker, As Pontes de Madison (The Bridges of Madison County, 1995) e Sobre Meninos e Lobos (Mystic River, 2003), também mostraram que por trás do pistoleiro frio e do policial que batia e arrebentava nas telas havia um homem sensível, condoído com os dramas vividos por gente comum. Mesmo seu faroeste crespuscular, Os Imperdoáveis (Unforgiven, 1992), pelo qual recebeu seu primeiro Oscar como diretor, continha elementos intimistas de grande densidade, bem ao contrário dos westerns que interpretou para Leone e Siegel, com exceção da obra-prima do segundo, O Estranho que Nós Amamos (The Beguiled, 1971). E Eastwood atingiu o ápice seguindo essa linha de roteiro com o maravilhoso Menina de Ouro (Million Dollar Baby, 2004), um dos grandes filmes de boxe da história, que lhe deu seu segundo Oscar de direção (e também de produção, a exemplo de Os Imperdoáveis).
Ou melhor, talvez ainda não o ápice, porque a carreira de Eastwood é marcada também por sua capacidade de ressurgir quando ninguém espera. Nos anos 60, ator conhecido apenas por uma série de TV, Rawhide, levada ao ar de 1959 a 1966 nos EUA, ele foi à Itália a convite de Leone, fez os spaghetti westerns e depois retornou a seu país como astro. No início dos 90, quando parecia que sua trajetória de sucesso como ator caminhava inexoravelmente para o ocaso, deu a volta por cima com Os Imperdoáveis. E agora, quando se supunha que depois de Menina de Ouro não haveria mais como ele se superar, está sendo indicado duplamente para o Globo de Ouro de melhor diretor, prêmio a ser distribuído em Los Angeles na noite da próxima segunda, dia 15. Ou seja, dos cinco finalistas ao prêmio, dois chamam-se Clint Eastwood, e se tratam da mesma pessoa.
Eastwood obteve a proeza dirigindo no ano passado dois filmes sobre o mesmo tema, a tomada da ilha de Iwo Jima, no Pacífico, pelas tropas americanas na Segunda Guerra. Um, A Conquista da Honra (Flags of our Fathers), traz a visão americana do episódio. O outro, e provavelmente superior, já que concorre também ao prêmio de filme estrangeiro (por não ser falado em inglês), Cartas de Iwo Jima (Letters from Iwo Jima), mostra a visão japonesa. As duas produções não somente lhe dão a condição de favorito ao Globo de Ouro na categoria como também lançam seu nome com grande força para a corrida do Oscar, a ser concedido em fevereiro.
Aos 76 anos, será Cartas de Iwo Jima o canto do cisne definitivo de Eastwood? Talvez, mas sendo ele como um vinho de boa cepa, quanto mais velho, melhor, e também pelas surpresas que já pregou aos admiradores ao longo da carreira, convém encarar a hipótese com cautela.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2007

De sopas e pizzas

Certa vez, uma deputada da oposição trabalhista no Parlamento britânico aparteou Winston Churchill, então líder do Partido Conservador: "Se eu fosse sua mulher", disse ela, cheia de rancor, "poria veneno na sua sopa". Churchill respondeu na lata: "E se eu fosse seu marido, cara senhora, tomaria essa sopa".
É notório que o Congresso Nacional anda carente, há muito tempo, de um político com o carisma, a verve e sobretudo o passado de serviços prestados à nação como Churchill. Também se sabe que como em nenhum outro país a política no Brasil mercadeja no balcão de negócios dos conchavos e interesses mesquinhos. Mas nem por isso se pode assistir, impassível, ao deprimente espetáculo da renovação das mesas diretoras das duas casas do Legislativo nacional, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, a cada biênio.
Como ocorreu na eleição em 2005 de Severino Cavalcanti, do PP, para a presidência da Câmara, o vezo autoritário do PT o leva a querer um nome interno do partido no cargo. Lançou, assim, o líder do governo Arlindo Chinaglia como candidato, por mais que o comunista de fachada Aldo Rebelo, do PCdoB, tenha atuado como cordeirinho do Planalto após suceder ao deposto deputado cobrador de propinas. Já no Senado, o também aliado incondicional do governo, Renan Calheiros, do PMDB, concorre a uma reeleição sem grandes ameaças, porque seu opositor José Agripino Maia, líder do PFL, não encontra respaldo nem no PSDB, coligado ao seu partido.
No encerramento de uma legislatura marcada como a pior da história pela quantidade de escândalos de corrupção acumulados, para ter de volta alguma esperança de melhora no Parlamento os brasileiros necessitariam ver uma mudança completa nas mesas diretoras da Câmara e do Senado. Precisariam sentir os cargos ocupados por uma bancada de parlamentares acima de qualquer suspeita, sob o comando de presidentes que agissem com mão-de-ferro diante de qualquer erva daninha encontrada no recinto das casas. A biografia política de Rebelo ou Chinaglia, assim como a de Calheiros, não autoriza a prever tal comportamento, se eleitos.
Nada indica, portanto, a julgar por esse aspecto, que a próxima sessão legislativa será melhor que a atual. E o desencanto da população com seus políticos tenderá a crescer ainda mais. No jornal O Estado de S. Paulo de hoje os cientistas políticos José Álvaro Moisés, da USP, e Rachel Meneguello, da Unicamp, afirmam ter constatado em pesquisa por eles realizada agora – A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas – um completo divórcio entre os graus de confiança dos eleitores em relação à democracia e a instituições como o Congresso Nacional. Enquanto 83% se dizem satisfeitos com o sistema democrático de governo, 59,7% consideram ruim ou péssima a atuação de deputados e senadores. Segundo outros estudos, em 1997 o índice de condenação dos parlamentares era de 32,5%, e em 2000, de 39,7%.
Não há nenhum novo Severino Cavalcanti surgindo como tertius na disputa entre Chinaglia e Rebelo na Câmara. Trata-se, porém, de um consolo magro, porque o balcão de negócios lá instalado em pleno recesso sufoca o movimento suprapartidário autodenominado 'terceira via' para a sucessão na presidência. Um dos líderes do movimento é o deputado Fernando Gabeira, do PV carioca, este, sim, um nome digno de respeito para o cargo.

sábado, 6 de janeiro de 2007

Por quem os sinos dobram

Moribunda. A palavra não soa bem, mas serve para explicar a situação em que se encontra o Mercosul. Prestes a completar 16 anos de existência, o bloco comercial dos países do Cone Sul, que no ano passado admitiu a entrada da Venezuela como membro pleno por instâncias do semiditador Hugo Chávez, não consegue sair do estágio inicial de área de livre comércio e a cada dia parece mais distante do sonho de chegar à união aduaneira.
Assim como a Alalc, dos anos 60, que nunca passou de uma sigla vazia, o Mercosul criado em março de 1991 corre o risco de acabar por inanição antes de promover a integração econômica dos países da América Latina a partir de seu núcleo fundador, constituído de Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. E isso, por uma razão simples: a cada passo adiante seguem-se dois para trás, porque seus integrantes não admitem sacrificar um milímetro das soberanias nacionais em favor da integração regional.
O contencioso agora aberto pela Argentina contra o Brasil na Organização Mundial do Comércio, OMC, por conta de uma sobretaxa antidumping imposta à resina PET de garrafas de plástico, é apenas a mais recente de uma série de disputas comerciais travadas entre os membros. Outras batalhas já ocorreram, em especial no comércio de automóveis e eletro-eletrônicos entre Brasil e Argentina, e os acordos costurados sempre acabaram beneficiando mais o país vizinho.
A belicosidade argentina recrudesceu sob a presidência de Néstor Kirchner, que almeja reeleger-se e faz do tiroteio com os parceiros do bloco um instrumento de sua propaganda política. Até o pequeno Uruguai não escapa do fogo oportunista de Kirchner. Por ousarem instalar duas fábricas de celulose na sua margem do Rio da Prata com capital finlandês, para diminuir as importações, os uruguaios sofrem aberta campanha de boicote ao turismo receptivo e restrições à entrada de seus produtos na Argentina.
Integração econômica com soberania plena não existe. É preciso que cada um ceda algo para todos obterem um bem coletivo maior, como já mostrou a União Européia. As 'calientes' cabeças políticas desta parte do mundo parecem pensar diferente, em sua típica atitude subdesenvolvida de reinventar a roda. Que insondável mistério torna pétreo o fascínio latino-americano pelo atraso?

quarta-feira, 3 de janeiro de 2007

Duas mães

Diz um chiste popular que pais pode haver muitos, mas mãe é uma só. Trata-se, claro, de uma agressão às leis biológicas, porque um óvulo é sempre fecundado por apenas um espermatozóide, mesmo no caso de gêmeos univitelinos, e nunca por dois ou três em tempos separados. Por isso, juízes e legisladores do mundo inteiro curvavam-se à realidade natural de que toda criança tem apenas um pai e uma mãe biológicos.
Curvavam-se, porque ontem um tribunal canadense da cidade de Ontário decidiu oficialmente declarar mãe de uma criança uma segunda mulher, companheira da mãe biológica. Aconteceu o seguinte, segundo a agência France Presse. Duas mulheres que vivem juntas há 16 anos decidiram ter um filho, e para tanto pediram a um amigo que doasse o esperma. Uma delas se inseminou com o produto da doação, engravidou e deu à luz uma criança, cinco anos atrás. Depois, foram novamente ao mesmo amigo – sujeito de bom coração, esse – para pedir que reconhecesse sua paternidade, e ele aceitou. Num primeiro momento, portanto, a criança foi registrada com pai e mãe, normalmente. Depois, sentindo-se prejudicada, a companheira da mãe biológica entrou com uma ação na Justiça para pleitear a condição de mãe associada, ou algo do gênero, sob a alegação de que a decisão de ter a criança fora tomada em conjunto pelas duas. A Corte de Apelações de Ontário lhe deu ganho de causa, baseada numa lei que desde 2005 admite o casamento entre pessoas do mesmo sexo no Canadá.
O homossexualismo existe desde tempos imemoriais, mas a união legalizada entre dois homens ou entre duas mulheres é uma prática ainda muito recente e restrita a poucos países. O Canadá assume, assim, a vanguarda das nações mais liberais em matéria de direitos civis com a inusitada sentença baixada pelo tribunal de Ontário.
Resta ver se tudo pode ser resumido ao politicamente correto. Terá a criança canadense a mesma felicidade de suas duas mães declaradas? Como ela se sentirá ao passar pelo constrangimento de explicar seu insólito registro de nascimento, na escola, no clube, e mais tarde no trabalho? Como apresentará duas mães para a namorada ou namorado ou, pior, para a futura sogra?
Constrangimentos não são nada perto do carinho que a criança terá de duas mães, dirão alguns. Isso é certo, mas também não se pode ignorar a posição de barganha a que ela está sendo submetida. Nunca antes criança nenhuma precisou passar por esse tipo de situação para ter um lar.
Diante de duas mulheres que reivindicavam a maternidade de um bebê, o rei Salomão sacou da espada para decepar ao meio a criança, de modo que cada uma delas tivesse a sua parte. Foi então que a mãe verdadeira se revelou, ao proteger o bebê com seu corpo e implorar ao rei que o desse à outra mulher, mas com vida. Salomão, então, ordenou a entrega da criança a ela e a punição da farsante.
Teria feito melhor a corte de Ontário se agisse como Salomão, ou a turma do politicamente correto diria que o sábio rei da Bíblia não estava com nada?

terça-feira, 2 de janeiro de 2007

Perguntas e respostas

Alguns trechos dos discursos de posse do presidente Lula e do governador paulista José Serra, proferidos ontem, parecem ter sido extraídos de um debate ao vivo entre os dois, em especial no que se refere à política econômica e à trégua entre situação e oposição para ajudar na governabilidade do país.
Sobre a política econômica, perguntou Lula, em seu costumeiro auto-elogio: "Em que momento de nossa história tivemos uma conjugação tão favorável e auspiciosa de inflação baixa, crescimento das exportações, expansão do mercado interno com aumento do consumo popular e do crédito, e ampliação do emprego e da renda dos trabalhadores?"
Vejamos o que disse Serra, na cerimônia de transmissão do cargo no Palácio dos Bandeirantes: "A política da pasmaceira em relação à nossa economia tem consagrado a mais perversa tendência depois de um século de prosperidade: a semiestagnação, que já se prolonga por 25 anos. Antes de ontem, ela poderia ser explicada pela superinflação devastadora; ontem, pela terapia antiinflacionária e conjunturas externas turbulentas; hoje, quando o Brasil é praticamente o último da América Latina e dos emergentes, e o céu da economia internacional é de brigadeiro de seis estrelas, os resultados ruins não são colhidos da árvore da vida, da fatalidade, mas da fragilidade da política macroeconômica, hostil à produção e aos investimentos."
Disse mais Serra, em outro trecho do discurso: "(...) o vertiginoso aumento das remessas de lucros das empresas estrangeiras aqui instaladas e dos investimentos de empresas nacionais no exterior, recursos que se vão a fim de criar empregos lá fora, mostra que não falta poupança ao Brasil para aumentar sua capacidade produtiva e seus empregos – o que falta são oportunidades lucrativas de investimento, espantadas pela pior combinação de juros e câmbio do mundo, em meio a uma carga tributária sufocante". O governador paulista mostra-se aqui um atento leitor de jornais. A grande mídia noticiou mas não deu o devido destaque, nos últimos dias do ano passado, que pela primeira vez na história os investimentos das empresas brasileiras no exterior superaram, em 2006, os trazidos pelos estrangeiros para cá. Para um país tão carente de capitais, trata-se de uma tragédia. E o governo do presidente Lula fez que não viu nem ouviu.
Sobre a trégua para a governabilidade, afirmou Lula, dirigindo-se à oposição: "Quero pedir-lhes, apenas, que olhemos mais para o que nos une do que para o que nos separa. Que concentremos o debate nos grandes desafios colocados para o nosso país e para o mundo. Que estejamos à altura do que necessita e deseja o nosso povo". Belo discurso, mas esvaziado pela conduta pregressa. O PT na oposição sempre apostou no quanto pior, melhor, torpedeando iniciativas do governo Fernando Henrique a torto e a direito, sem levar em conta se eram boas para o país.
Eis a digna resposta, mesmo involuntária, de Serra: "Não fomos, não somos nem seremos adeptos do quanto pior, melhor. Seremos oposição no plano federal justamente porque não somos iguais. Diante de cada projeto de lei ou de emenda constitucional, saberemos separar o que beneficia o país do que o atrasa; os interesses do governo dos interesses do estado; as conveniências de um partido dos anseios da nação. Em suma: não esperem de mim o adesismo que não se respeita nem a agressão que não oferece respeito". E mais, logo adiante: "Quem é altivo na derrota não se sujeita. Quem é humilde na vitória não exige sujeição. É assim que se faz uma República."
Recado mais claro, impossível.

Pobre ensino

Duas leitoras do jornal O Estado de S. Paulo manifestam hoje, na seção Fórum dos Leitores, seu repúdio ao projeto do deputado estadual paulista Enio Tatto, do PT, que prevê a eleição direta dos diretores de escolas públicas por pais e alunos. "Essa é mais uma forma disfarçada de controle das instituições públicas", escreve Tania Tavares. "Não necessitamos de mais controles externos, principalmente quando há conotações políticas subliminares."
"Querem partidarizar as instituições de ensino médio da mesma forma que já tentaram fazer com as universidades", diz por sua vez Maristela Veloso C. Bernardo, lembrando uma outra iniciativa do PT nessa área. "Não bastou o que já fizeram na gestão federal, partidarizando a máquina do Estado?" Maristela refere-se ainda à absurda proposta formulada pelo senador Sibá Machado, do PT do Acre, de substituir o exame vestibular por sorteios, para 'democratizar' o ensino superior.
Por aí se vê que a meritocracia não faz parte das preocupações do PT. Em lugar de concurso público para a escolha da pessoa mais qualificada do ponto de vista pedagógico, como se faz hoje, eleição direta de um zé-mané qualquer para diretor de escola estadual, bastando que seja simpático a seus eleitores. E em vez de um vestibular honesto, para a escolha dos estudantes mais capacitados, um sistema de sorteio, como se a instituição de ensino fosse uma casa lotérica. Seria o corolário perfeito para o demagógico regime de cotas já adotado no ensino superior público.
Cabe a pergunta: aonde vamos parar com legisladores como Tatto e Machado cuidando do nosso ensino?