terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Boas festas


Diz a lenda irlandesa que o anãozinho fez irromper um radioso arco-íris entre duas montanhas, e ele veio parar nos pés de Jimmy, o menino pobre que saíra a pescar para dar de comer à família, trazendo-lhe um pote cheio de ouro e pedras preciosas. Portanto, fica aqui esclarecido, para quem quiser, que o pote do tesouro fica no final do arco-íris, e não no começo, como alguns teimam em afirmar.

Diz a Bíblia, no Gênesis 9:13 a 17, que o arco-íris é o sinal do pacto indicado por Deus a Noé, para que este e os demais sobreviventes soubessem que jamais haveria outro dilúvio para limpar a terra de todos os maus-caráteres que a habitam, embora talvez isso faça falta nos dias de hoje. E Deus repetiu a Noé, conforme o Gênesis: “Este é o sinal do pacto que deveras estabeleço entre mim e toda a carne que há na terra”.

Segundo os cientistas, o arco-íris não existe realmente como um sítio no céu, porque se trata apenas de uma ilusão de óptica, causada pela luz do sol se refletindo em gotas de chuva. Ainda de acordo com os frios homens da ciência, sete cores formam o arco-íris, começando com o vermelho e terminando com o violeta. Entre essas duas pontas, há um seqüência de cinco outras cores. Se você quer saber qual é ela, ensina a Wilkipédia, diga “Vermelho lá vai violeta”. A expressão ‘lá vai’ contém o l de laranja, o a de amarelo, o v de verde, o a de azul e o i de índigo (anil).

Você prefere ficar com a lenda irlandesa, a Bíblia ou os cientistas? A escolha é sua, mas este blog deseja que neste Natal um arco-íris inunde de luz a sua alma, e que em 2008 você continue a dividir o pote de ouro e pedras preciosas que há dentro de você com os parentes, amigos, desconhecidos e até alguns desafetos mais antigos, como prêmio por sua constância. Afinal, valoriza mais os amigos quem tem inimigos – e o ano novo pode ser uma excelente oportunidade para você tentar trazer mais gente para o lado de cá.

domingo, 2 de dezembro de 2007

Bola pra frente

Com o rebaixamento para a série B definido, a esta altura de nada adianta aos corintianos promover uma caça às bruxas, buscar os culpados pelo insucesso do time no Campeonato Brasileiro para crucificá-los em praça pública. Culpados há, certamente, e vários, a começar dos dirigentes que firmaram a parceria com suspeitíssimos investidores estrangeiros, em proveito muito mais dos próprios bolsos do que do futuro do Corinthians. Mas o encerramento neste domingo, com o empate diante do Grêmio, da crônica de uma morte anunciada, é apenas um capítulo, quiçá passageiro, de uma história de quase 100 anos de muitas glórias. Por isso, o melhor que os novos dirigentes corintianos podem fazer agora é começar já os trabalhos para 2008. O time tem de ser outro, porque do atual só se salvam o goleiro e mais uns dois ou três. Bola pra frente, porque essa torcida merece. “Eu nunca vou te abandonar”, dizia um cartaz nas mãos de um corintiano esta tarde, na arquibancada do Estádio Olímpico. E é verdade. Mesmo durante o longo jejum de títulos no Campeonato Paulista, entre 1954 e 1977, a legião de torcedores do clube não diminuiu. Ao contrário, só fez crescer, porque em família corintiana é assim: ao nascer o filho, antes do nome dá-se a ele a camisa amada.

É nas derrotas que se forja o caráter. Oxalá esteja surgindo hoje, no mesmo dia do rebaixamento do clube para a segunda divisão, um novo Corinthians, muito mais forte do que o anterior, pronto para atravessar um período de conquistas como nunca antes se viu igual em sua história.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Grande figura

Fiquei sabendo de uma história maravilhosa hoje, por minha amiga Mara Luquet. Segundo ela, o Armênio Guedes, amigo comum nosso e figura histórica do pecezão brasileiro, resolveu casar, com papel passado e tudo, com sua companheira de vários anos, Cecília. O Armênio deve estar beirando, se não erro na conta, 92 anos. Que fantástico, alguém com essa idade casar. Se viver até essa idade, quero ser como ele. Sempre de bem com a vida, bem-humorado, sem ditar regras ou lições para quem quer que seja. Quero ser como o Armênio.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Futebol de sobrenomes

Na primorosa crônica que publica hoje no Estadão, a propósito do indecoroso drible aplicado por Robinho no jogo de quarta à noite no Maracanã, o colunista Antero Greco diz que o futebol perdeu o encanto dos exageros. “Na verdade, é isso: falta exagero no futebol, estamos carentes de hipérboles, de imagens emocionantes, de manchetes rasgadas”, escreve ele. “Faltam apelidos para nossos astros. Não há mais Diamante Negro, Divino, Dinamite, Peito de Aço, Cabecinha de Ouro. Hoje, quando um atleta se destaca, tratam de acrescentar-lhe o sobrenome, como sinal de deferência. É o caso de Afonso, até anteontem um ilustre desconhecido, que virou Afonso Alves depois de ser convocado para a seleção e de fazer sete gols no time do Padre Chico, na Holanda. Por que não virar Afonso Demolidor ou Afonso Trombador? Sei lá, algo mais divertido. Não, logo tem de ser Afonso Alves, para conferir-lhe peso, seriedade, credibilidade. Ah...”

Está coberto de razão, o Greco. Como descrever sem exagero o drible de Robinho, que passou como uma enguia pelo marcador equatoriano em não mais que meio metro de terreno, escondendo a bola entre as pernas? Que adjetivo faria justiça àquele instante de pura magia, ainda mais nós outros, a turma da galera, sabendo que podemos passar anos sem ver coisa igual?

“O futebol virou careta, acadêmico, politicamente correto e outras bossas do gênero. Enfim, coisa de almofadinha, de mauricinho que se incomoda se algo sair do script”, diz ainda Antero Greco, também acertando na mosca. E a culpa disso, acrescentaria este blogueiro, modestamente, cabe em grande parte à Fifa. Por exemplo, que absurdo é esse de punir um clube com perda de pontos ou de mando de jogo só porque um idiota qualquer da torcida resolve invadir o campo ou arremessar um chinelo em direção ao goleiro? Que culpa tem um clube de ser amado por idiotas? É por esse tipo de equívoco nas normas impostas ao jogo que ocorrem episódios como os de Rojas, naquela partida entre as seleções do Chile e do Brasil no Maracanã, que se cortou para simular ter sido atingido por um rojão, ou de Dida, há poucos dias, que caiu se contorcendo como se o tapinha do torcedor inglês que invadiu o gramado fosse um soco do Mike Tyson. Dida não estaria hoje sendo ridicularizado pela imprensa européia se fizesse o que quis fazer, inicialmente, ao correr atrás do torcedor. Poderia ter passado uma rasteira no sujeito, ou dado um bom pontapé em seu traseiro. Não, deve ter pensado, não ficaria bem. Melhor fingir-me de vítima. E se atirou ao chão com a luva no rosto.

Quanto à moda de jogador com nome e sobrenome, de um ridículo sem tamanho, ela só pegou porque o futebol hoje é dominado pela mediocridade. Talvez seja por isso, em protesto, que Zidane se despediu com aquela monumental cabeçada no peito de Materazzi. Um craque como ele, um virtuose da mais fina estirpe, ser ofendido por um perna-de-pau como o italiano? Só mesmo uma cabeçada, para manter o respeito.

Não dá nem para imaginar locutores da era de ouro do futebol narrando lances de jogadores com nome e sobrenome. Um Mário Vianna, um Ary Barroso, um Edson Leite, um Pedro Luiz, um Geraldo José de Almeida, um Osmar Santos com seu ‘ripa na chulipa’, um Fiori Gigliotti, na boca de qual deles soaria bem um ‘Afonso Alves’, em lugar de Dinamite, Dadá, Divino e outros apelidos? Não haveria graça nenhuma, muito menos para o futebol daquela época.

A homenagem de Antero Greco à arte de Robinho é, portanto, mais do que justa. Num breve momento, o Maracanã reviveu naquele drible seus bons tempos.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Notícias do Brasil

“Casal teria recebido TV, DVD e R$ 50 em troca do filho de nove meses”. A informação está no portal do UOL hoje, no gomo Últimas Notícias, e o fato ocorreu em Juazeiro, na Bahia. O pai da criança tem 18 anos, e a mãe, 17. Os dois ainda criam uma filha de 1 ano e 7 meses. Um casal do Rio de Janeiro foi impedido de embarcar com o bebê num ônibus em Juazeiro, diante dos protestos de uma tia dele.Que triste notícia. Quantos bofetões na cara ainda sofreremos desse outro Brasil?

sábado, 29 de setembro de 2007

O mito Guevara


A foto do pôster, de Alberto Korda

“Não vai aproveitar a história, sr. Scott?”, pergunta o senador Ransom Stoddard. “Isto é o oeste, senhor. Quando a lenda se torna fato, publique-se a lenda”, responde o jornalista Maxwell Scott, enquanto rasga o papel em que fizera anotações da entrevista.

Mestre John Ford sabia do que falava quando sintetizou assim, nesse diálogo entre os personagens do senador (James Stewart) e do jornalista (Carleton Young), a história do homem que involuntariamente colheu as glórias de um ato de bravura realizado por outro (o rancheiro vivido por John Wayne), em O Homem que Matou o Facínora (The Man Who Shot Liberty Valance, de 1962), sua derradeira obra-prima cinematográfica.

Lenda e fato. O binômio se aplica também à história de Che Guevara, o mito revolucionário que sobrevive ao passar do tempo no pôster famoso que gerações de jovens, muitos deles hoje de cabelos encanecidos, puseram em seus quartos para reverenciar o ideal do heroísmo altruístico.

A revista Veja que começa a circular hoje revisita a história, em reportagem de capa assinada por Diogo Schelp e Duda Teixeira. Traz alguns detalhes novos, mas não acrescenta muito ao que já se sabia sobre o Che, cuja figura romântica na lenda nada teve a ver com o homem, um comandante militar desastrado, um ministro incompetente e, acima de tudo, um assassino sanguinário e cruel.

Nenhuma reportagem, entretanto, por mais brilhante e reveladora que seja, conseguirá abalar uma versão cultuada universalmente, assim como ocorre no filme de John Ford, ainda mais quando o mito tem as dimensões de Guevara. Por isso, o verdadeiro herói da revolução que em 1959 derrubou o regime de Fulgencio Batista em Cuba, Fidel Castro, passará à história como um velho chato, que fazia discursos de sete horas, enquanto o falso herói, Ernesto Guevara Lynch de la Serna, nascido em Rosário, na Argentina, em 14 de junho de 1928 e morto em campanha na selva boliviana de La Higuera, em 9 de outubro de 1967, será sempre um ícone de jovens rebeldes à procura de uma causa. A diferença fundamental entre os dois é que um morreu pela causa, e ainda por cima sendo jovem, destemido e belo, enquanto o outro continua por aí vivo, embora com os sinais da velhice a sulcar o rosto desprovido de encantos e com o corpo arqueado e algo balofo pateticamente enrolado num uniforme militar.

‘Vivas intensamente e morras jovem. Serás um lindo cadáver’, dizia uma máxima em voga nos anos 50 entre os garotos da burguesia que, enfiados em seus blusões de couro e entre uma Coca-Cola e um racha ao volante de seus carrões envenenados, para se sentirem in curtiam isso de buscar algum sentido mais profundo para suas existências faustosas e vazias. James Dean, morto a bordo de seu Porsche Spyder prateado aos 24 anos, é o maior símbolo desse mal du siècle revigorado um século depois dos poetas românticos, na era do consumo made in USA que tomou conta do mundo após a Segunda Guerra.

Primogênito de família abastada, asmático, formado em Medicina, Guevara, em sua louca perseguição por aventuras, personificou a seu modo também esse inconformismo juvenil da época. Tinha 30 anos quando entrou triunfalmente em Havana para tomar o poder, com seus camaradas de armas. Pagou porém um tributo pela inexperiência. Tudo indica que procurava mascarar a insegurança com exageradas demonstrações de liderança e com seu radicalismo marxista, não hesitando em apertar o gatilho contra qualquer um que julgasse ser inimigo da causa.

Sua voluntariedade agressiva a serviço da noção – acertada, como a História do século 20 mostrou – de que não se implanta o comunismo a não ser pela via armada transformou-o num estorvo para Castro, interessado naquele momento em aproximar-se da antiga União Soviética para receber ajuda financeira e militar. A partir daí, começou o calvário da queda de Guevara, primeiro perdido entre as guerras tribais do Congo e depois nas matas inóspitas da Bolívia, cujo campesinato não demonstrou a menor receptividade à revolução intentada por ele. Capturado num dia e executado no outro, o guerrilheiro chamado por companheiros de ‘el chancho’ (o porco) por não gostar de tomar banho, foi lavado e penteado antes de seu corpo ser apresentado à imprensa internacional. E, segundo a reportagem da Veja, moradores das redondezas que estiveram na lavanderia do hospital em que o cadáver estava sendo limpo saíram impressionados com a semelhança física do morto, com aquela barba de muitos dias por fazer, com Cristo.

A boa pinta de Guevara, valorizada nesse dia e também antes, em 1960, pelo ângulo da câmera do fotógrafo cubano Alberto Korda no pôster famoso, contribuiu sem dúvida para o surgimento e a permanência do mito. Outros fatores favoráveis nesse sentido, como lembra a revista, foram o fato de ele ter morrido ainda jovem, aos 39 anos, e a ocorrência quase em seguida de uma onda internacional de protestos em defesa dos direitos civis, de agitações estudantis e da mudança de costumes ditada pela contracultura.

Mas se é importante saber como se forjou o mito, isso não garante que se possa descontruí-lo. A imagem romântica do Che, mesmo não sendo verdadeira, está profundamente inculcada em corações e mentes como um símbolo da mais bela das utopias humanas, a de que o mundo um dia será habitado não por opressores e dominados, ricos e pobres, mas por iguais. Ou seja, em matéria de elevação do espírito humano, o mito vale mais que a realidade. Nesse caso, publique-se a lenda, diria o jornalista do filme de John Ford.



sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Elis e Adoniran, no Bixiga

A tecnologia nos transporta no tempo. E jóias perdidas entre fragmentos da memória rebrilham, em registros recuperados. Que maravilha, esse site de vídeos do YouTube! A turma da velha guarda, misturada aos mais jovens, como que trabalha para que o passado não se perca.

Vejam, por exemplo, o que acabo de receber de um amigo. Um link para rever Elis Regina e Adoniran Barbosa, juntos, inicialmente num boteco do Bixiga, reduto italiano e da boemia paulistana, comendo e cantando, e depois caminhando pelas ruas do bairro. Iracema, a que morreu atropelada por atravessar a rua na contramão, as pizzas voando na briga generalizada em Um Samba no Bixiga, o genial verso, um dos mais lindos da música popular brasileira, ‘Deus dá o frio conforme o cobertô’, em Saudosa Maloca, essas preciosidades podem ser ouvidas nos dois vídeos, em seqüência.

Adoniran foi um cronista de sua época. Poucos compositores conseguiram, como ele, pintar em sua música retratos tão nítidos do ambiente em que viviam. É como escreve o mestre Antônio Cândido. “Esta cidade que está acabando, que já acabou com a garoa, os bondes, o trem da Cantareira, o Triângulo, as cantinas do Bixiga, Adoniran não a deixará acabar, porque graças a ele ela ficará misturada vivamente com a nova mas, como o quarto do poeta, também, “intacta, boiando no ar”, diz ele, no texto que também pode ser visto no link, junto com os vídeos. Cândido refere-se à contínua transformação da cidade que a sua geração conheceu – “São Paulo muda muito, e ninguém é capaz de dizer aonde irá” - e à força com que o grande compositor a retratava.

E há ainda Elis Regina, com seu riso solar, bebendo cerveja de garrafa em copo Americano, o cigarro aceso nos dedos e cantando como nunca nenhuma cantora brasileira, antes ou depois, cantou ou consegue cantar. Clique aqui e se transporte para esse passado luminoso.

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

A lição boliviana

A paralisia que acomete a Assembléia Constituinte da Bolívia deve estar preocupando a cúpula e a militância petistas, que sonham em mudar o capítulo da organização dos poderes, na Constituição brasileira, para dar ao seu guia dos povos Lula um terceiro mandato consecutivo como presidente da República. O que a experiência boliviana indica é que num regime democrático normal não basta a vontade de um partido majoritário, mesmo reforçado por legendas acolitadas, para se travestir um Congresso em constituinte e, com isso, mudar a Constituição a seu bel-prazer. Ou seja, para desgosto dos petistas, a frustração do projeto autocrático de Evo Morales na Bolívia mostra, mais uma vez, que o socialismo democrático não passa de uma utopia, quando não de balela. Regimes democráticos trazem incubados, sem exceção, o gérmen do individualismo, e não há doutrinação que possa remover essa herança do pecado original. Portanto, ou se tem um regime de exceção e se outorga uma Carta, como aconteceu em 1824 e 1937 no Brasil, na primeira vez pelas mãos do recém-nomeado imperador Pedro I e na segunda pelas de Getúlio Vargas, impondo o Estado Novo, ou é necessário haver uma situação fora do comum na vida nacional para que o conjunto da sociedade avalize a ação política suprema, a mudança de uma Constituição.

No Brasil, essas situações excepcionais precederam quase todas as cinco Cartas promulgadas. Em 1891, com a proclamação da República. Em 1934, no primeiro governo Vargas, com o estabelecimento do voto universal e secreto, extensivo às mulheres, e a criação das Justiças Eleitoral e do Trabalho. Em 1946, com o fim da Segunda Guerra após a derrota do nazi-fascismo no mundo e a queda do Estado Novo no Brasil. E em 1988, com a redemocratização do país após o fim do ciclo militar e o restabelecimento das eleições diretas para presidente da República. A única exceção ocorreu em 1967, quando a Carta foi promulgada por um Congresso subjugado pelos militares, para pretensamente coonestar o bipartidarismo e a eleição indireta para presidente.

A Assembléia Constituinte boliviana, prestes a encerrar seus trabalhos de forma inglória, sem elaborar a nova Carta, segundo o jornal O Estado de S. Paulo de hoje esbarra entre outros nos impasses gerados pela disputa entre La Paz e Sucre em torno da nomeação como capital do país, pela insistência da oposição em manter a maioria de dois terços do Congresso para a aprovação da nova Constituição e pelas reivindicações de maior autonomia por parte dos departamentos (estados) de Santa Cruz, Tarija, Beni e Pando.

Há ainda a dificuldade quase insuperável de se consolidar num texto sintético todas as cerca de 3 000 sugestões de artigos feitas pela sociedade civil. Coisas da latinidad. Como se mudar uma Constituição fosse pouco, num Congresso dividido em várias facções políticas, os bolivianos – assim como os brasileiros, em qualquer situação – pagam o preço de sua verborragia e incontinência de atitudes, somadas à ingenuidade de achar que tudo pode ser previsto, disposto e resolvido pela Constituição. Assim, mesmo que a Assembléia Constituinte conseguisse alcançar o objetivo de promulgar a nova Carta, esta nasceria com um defeito semelhante ao da atual Constituição brasileira. De tanto querer regular, tornaria o país ingovernável.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Um dilema fiscal

A manchete deste domingo do jornal O Estado de S. Paulo, de que a sonegação de impostos no Brasil atinge o equivalente a 30% do PIB, é de deixar qualquer um embasbacado. Ou seja, de acordo com uma estimativa do professor de finanças André Franco Montoro Filho, como a carga tributária chega a 35% do PIB, se todos pagassem direito seus impostos o montante que o governo arrecadaria por ano seria de 65%. Que empresa poderia continuar produzindo e empregando se fosse obrigada a recolher quase 70% de seu faturamento para o fisco? Não é à-toa que haja tanta sonegação. Mais do que um ato ilegal e de má cidadania, é questão de sobrevivência.

A informalidade, no Brasil um quase sinônimo de sonegação de tributos, só tende a crescer quando o governo gasta mais do que deveria e, com isso, sufoca o setor privado. Mas o problema não se restringe aos camelôs. Aumenta também o número de microempresários, muitas vezes sem vocação nem talento, mas forçados a tentar um negócio próprio pela demissão e o desemprego. Sobrevivendo a duras penas, eles pouco diferem dos camelôs no que se refere às perspectivas de receita e crescimento. Segundo um dado recente, surgem por ano cerca de 450 000 novas empresas no país, sendo a grande maioria do tipo micro, de um dono só. Mais de metade delas fecha as portas antes de completar três anos. Em outras palavras, é desemprego disfarçado.

A fome arrecadatória do governo, ao sufocar quem produz, impede também a economia brasileira de deslanchar. Neste ano, segundo se estima, o PIB deve crescer 5%. É mais do que nos anos passados, mas muito menos do que outros países em desenvolvimento, sobretudo os asiáticos, estão crescendo. Mas será que o governo realmente se preocupa com isso? Quanto mais impostos forem cobrados, maior se torna o Estado, e isso é exatamente o que o PT quer, com seu projeto socialista. Dirigentes do partido vão à China ver como é que se faz para combinar regime autoritário com economia aberta e em rápido crescimento. Talvez se desapontem. Lá, pelo menos, as coisas são feitas às claras, ao contrário daqui. E ao que se saiba não existe nenhuma tentativa de estatizar ou reestatizar empresas privadas, porque os dirigentes do PC chinês se preocupam em não afugentar os capitalistas externos.

Quem sabe o pessoal do PT volte da viagem convencido de que isso de reestatizar a Companhia Vale do Rio Doce não passa de uma idiotice.

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Vá pegar o seu dinheiro

Se você declarava Imposto de Renda antes de 1983, preste atenção: pode ser que haja um dinheirinho no banco para resgatar.

Resumidamente, a história é a seguinte. Em 1967, o governo militar criou um incentivo fiscal chamado Fundo 157. As pessoas podiam aplicar nesse fundo usando uma pequena parte do imposto devido, no banco de sua escolha. Durante vários anos não era possível resgatar, de modo que muitas pessoas até se esqueceram do assunto depois que o incentivo acabou, em 1983. É claro, também, que apareceu muita empresa aproveitadora, que embolsava o incentivo fiscal e depois quebrava.

Um belo dia, a Receita Federal avisou que uma parte do fundo podia ser resgatada, desde que houvesse decorrido um certo número de anos a partir da aplicação. Algumas pessoas se deram o trabalho de ir ao banco pegar o dinheiro, outras não. O fato é que, hoje, segundo se diz, existem cerca de 500 milhões de reais nos bancos, à espera de resgate por parte dos antigos aplicadores no Fundo 157.

Se você pensa ter algo a ver com essa história toda, vá ao site da Comissão de Valores Mobiliários, a CVM, autarquia tida como o xerife do mercado financeiro brasileiro. Digite http://www.cvm.gov.br/, e procure no canto direito inferior da home page o espaço Acesso Rápido. Nele, clique em Consulta Fundo 157. Vai abrir uma janelinha para você digitar seu CPF. Pronto: o site mostra os bancos que provavelmente estão com o seu dinheiro, se você ainda não o resgatou.

O resto é com você e o seu gerente de banco.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

A desídia da Anac

Quanto mais se desvendam os eventos antecedentes, no curso das audiências pela CPI instalada no Congresso, mais se conclui que o pavoroso acidente com o Airbus da TAM poderia ter sido evitado se a Anac, a agência reguladora do transporte aéreo, não atuasse de modo tão irresponsável e desidioso por culpa de seu aparelhamento partidário. Foi de estarrecer a revelação feita pela desembargadora Cecília Marcondes de que liberou a pista principal de Congonhas para aviões de grande porte porque recebera das mãos de Denise Abreu, a diretora da agência que na CPI declarou ser o documento apenas de uso interno, a norma posta em vigor para proibir o uso de aeronaves com reverso travado pelas companhias operadoras. Agora se fica sabendo que numa reunião com técnicos do setor em dezembro passado a Anac foi informada do risco iminente de um avião ‘varar’ a pista de Congonhas, ou seja, não conseguir frear a tempo até o fim da pista, em situações de decolagem abortada ou de aterrissagem com velocidade e altura superior às normais. O curioso é que a ata comprometedora da reunião foi revelada pela própria Denise, em novo depoimento dado à CPI, ontem. Candura ou manobra sorrateira para tentar afastar de si as suspeições?

Como se não bastasse, pilotos de onze diferentes aviões contaram à polícia que na véspera do acidente, dia 16 de julho, quando chovia mas não tanto quanto no dia seguinte em São Paulo, enfrentaram dificuldades para pousar em Congonhas. Dois disseram que por pouco não ‘vararam’ a pista, de acordo com reportagem publicada hoje no jornal O Estado de S. Paulo. Um terceiro, que derrapou e foi parar na grama. E todos, que a pista parecia um sabonete de tão escorregadia, por falta do grooving, as ranhuras que só agora estão sendo colocadas.

Mesmo assim o aeroporto estava liberado para pousos e decolagens de aviões de grande porte, porque a desembargadora Cecília, enganada pela diretora Denise, da Anac, derrubou em fevereiro a restrição decretada dias antes pelo juiz Ronald de Carvalho Filho. É evidente, diante de todos esses relatos, que a diretora da agência agiu para favorecer as companhias aéreas, ao invés de fiscalizá-las com rigor, como seria de seu dever. Por que ela o fez? Isso já é assunto de polícia.

A velocidade dos dinos


O malvado Velociraptor que aterrorizava criancinhas, no filme de Spielberg

Meu amigo Rodolfo Lucena, editor de Informática da Folha de S. Paulo, mantém um interessante blog no site do jornal a respeito de corridas, praticante que é dessa modalidade esportiva. Entre os posts mais recentes, Lucena falou de uma corrida de mulheres de salto alto em Berlim, na Alemanha, e de homens e mulheres vestidos de Elvis Presley pelas ruas de Minneapolis, nos Estados Unidos, além de publicar uma extensa entrevista com Monica Otero, uma brasileira de 51 anos, mãe de dois filhos e sobrevivente de um câncer do intestino que se tornou a primeira mulher sul-americana a completar a ultramaratona de Badwater, considerada a mais difícil do mundo. Para se ter uma idéia, os participantes dessa corrida percorrem ao todo 217 quilômetros de extensão, ou seja, mais de cinco vezes uma maratona normal. Como se não bastasse, atravessam no caminho o deserto de Mojave, na Califórnia, a uma temperatura de mais de 50 graus centígrados.

Agora o mais impagável mesmo dos posts recentes é o da velocidade dos dinossauros. Vale ler o texto abaixo, transcrito do blog de Lucena, que se chama +Corrida, e pode ser visitado por este link. É injusto classificar informações desse tipo como de cultura inútil. Afinal, todos sabemos como pode faltar assunto quando menos se espera numa reunião social ou numa roda de amigos, não é mesmo?

Meu caro amigo, vivesse você no tempo dos dinossauros e teria de ser um corredor muito, mas muito bom mesmo para conseguir escapar do brutamontes Tiranossauro Rex.

Apesar de seu tamanhão todo, o terrível carnívoro conseguia correr a quase 29 km/h, o que dá pouquinha coisa a mais do que dois minutos por quilômetro, para usar uma medida mais palpável para nosso universo corredor.

Essa foi a conclusão de um estudo realizado na Universidade de Manchester sob o comando do especialista em biomecânica Bill Sellers e do paleontologista Philip Manning.

Eles usaram um supercomputador para tentar determinar as velocidades de cinco tipos de dinossauros bípedes: Compsognathus, Velociraptor, Tyrannosaurus rex, Dilophosaurus e Allosaurus.

De acordo com o modelo desenvolvido, que foi calibrado com base em dados da velocidade de um atleta profissional de 71 kg, o mais rápido foi o Compsognathus.

Pouco conhecido do grande público, esse pequeno ser que viveu há cerca de 1560 milhões de anos tinha apenas 3 kg e uma estrutura óssea semelhante à de um lagarto. Ele conseguia correr cem metros em pouco mais de seis segundos.

Um espécime médio atingia velocidades de até 64 km/h, segundo o estudo publicado em "Proceedings of the Royal Society", o que o torna provavelmente o mais rápido bípede de todos os tempos.

Deixaria no chinelo a superveloz avestruz, a campeã dos seres de duas pernas nos dias de hoje. Segundo o modelo, um exemplar de 65 kg corre a apenas 55,4 km/h.

O Comps (para os íntimos, é claro) também dava um banho no feroz Velociraptor (foto), que foi alçado ao estrelato da violência pelo filme "Parque Jurássico". O malvadão atingia no máximo meros 40 km/h.

Claro que tudo isso é um modelo criado em computador, baseado em expectativas de desempenho de acordo com a estrutura óssea e a musculatura. Há registros de avestruzes de verdade, por exemplo, correndo a mais de 63 km/h.

Ao que os pesquisadores respondem que provavelmente também haveria Comps capazes de desempenho melhor que o previsto pelo supercomputador.


sexta-feira, 10 de agosto de 2007

A queda da bolsa

Se você é investidor e tem parte do seu suado dinheirinho aplicada na bolsa, pode estar se perguntando, a propósito da atual queda: o comprador americano de casa própria resolve dar um calote e sou eu que pago a conta? Pois é disso mesmo que se trata, porque a crise do mercado imobiliário nos Estados Unidos lança uma sombra de incerteza sobre o futuro da economia daquele e de outros países ricos, e por extensão, de todo o planeta, com reflexos inevitáveis nas bolsas de valores. Mas o mais curioso neste momento, em que o mundo torce para que não sobrevenha o pior, é observar o motivo principal da queda no preço das ações.

Pode parecer estapafúrdio, mas acontece o seguinte: assustados com a crise imobiliária americana, os grandes investidores procuram melhorar seu grau de proteção. É natural que o façam, pois bancos internacionais já estão se negando a emprestar dinheiro para as companhias financiadoras de imóveis dos Estados Unidos, e sem crédito a crise nesse mercado só tende a aumentar. E como os grandes investidores se protegem? Vendendo suas posições em ativos no Terceiro Mundo, cujos países são eufemisticamente chamados de emergentes. Ou seja, tiram o dinheiro da bolsa do Brasil e de outros lugares assim e vão comprar o quê? Títulos do Tesouro americano, considerados os mais seguros do mundo. Entenda bem: o problema surgiu nos Estados Unidos, mas é justamente para lá que correm os grandes investidores em busca de proteção. Não é absurdo, é real. E o investidor brasileiro paga a conta, com a bolsa em queda.

Donde se conclui que pobre nasceu mesmo é para financiar o consumismo dos ricos.

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Democracia de fachada

Criminosos quase sempre alegam inocência de início, por mais que as evidências reunidas contra eles digam o contrário, e se houver uma brecha tentam lançar a suspeição sobre outros. Da mesma forma, algumas figuras políticas do país fazem pouco da inteligência média dos brasileiros e procuram passar versões conspiratórias nas quais assumem, invariavelmente, o papel de vítimas.

O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, especialista na matéria, atribui à oposição um insopitável desejo golpista. O ainda presidente do Senado, Renan Calheiros, infringe o segundo mandamento ao invocar o nome de Deus em vão, ou seja, em favor de sua proclamada inocência. O ministro da Justiça, Tarso Genro, na condição de chefe supremo da Polícia Federal, busca impingir o conto da carochinha de que os dois boxeadores cubanos localizados, presos e deportados em tempo recorde quiseram voltar de moto próprio para a ilha de Fidel e o esperado garrote. E o presidente Lula, cujo apego à figura lingüística ‘nunca-antes-neste-país’ beira o paroxismo, depois de apresentar-se ontem, na capital da Nicarágua, onde pelo menos não enfrenta vaias, como o ‘único presidente’ que nunca se queixou do Congresso, soltou esta pérola, a propósito do Renangate: “Precisamos aprender a conviver com a democracia e com os percalços da democracia, que é boa, às vezes incomoda, mas ainda é o melhor regime para que a gente possa viver tranqüilamente”.

A quem pensam que enganam? A que platéia se dirigem, formada toda ela por néscios e incautos? Pois Dirceu, portador do belo nome dos poemas líricos de Tomás Antônio Gonzaga – embora não ame Marília -, ao contrário do inconfidente mineiro, português de nascimento, longe de conspirar por uma boa causa nunca fez nada senão atentar contra a democracia. É o último, portanto, que pode falar em golpe. Renan, se fosse tão temente a Deus, com certeza exibiria contas mais comprováveis e origens menos nebulosas sobre seus bens. E quanto a Tarso e a Lula, o mínimo que se pode cobrar deles é um pouco mais de seriedade na ocupação de suas funções públicas.

Um afirmar que os cubanos pediram para retornar ao país do qual tentaram fugir, e outro exortar as liberdades democráticas quando na verdade trabalha para destruí-las, seja servindo de patrono a iniciativas petistas como as de montar um Conselho Federal de Jornalismo, reclassificar os cidadãos por critério de raça, acabar com as agências reguladoras e planejar uma Constituinte para moldar um poder virtualmente monopartidário e unipessoal para o futuro, seja ordenando, ou no mínimo admitindo, a deportação sumária de dois estrangeiros em condição regular no país - falta acima de tudo verossimilhança à encenação. Como numa peça de teatro de má qualidade, o espectador não se convence, muito menos se deixa cativar.

No caso dos cubanos, falta esclarecer o essencial. O governo precisa explicar à sociedade por que optou pela deportação sumária, ao arrepio da lei e da Justiça. Precisa ainda dizer por que manteve os dois presos incomunicáveis, longe da imprensa, quando nada havia naquele momento que pudesse prejudicar uma investigação policial. E precisa, por fim, definir em qual ou quais situações outras deportações desse tipo poderão ocorrer, por iniciativa do governo e contrariando convenções internacionais.

Enquanto não se esclarecer a questão, o Brasil viverá em insegurança jurídica, própria de regimes ditatoriais. E exortações democráticas, venham de quem vier, soarão falsas e sem conteúdo.

domingo, 5 de agosto de 2007

Lula, Hitchcock e Doris Day


Cartaz do filme de 1956, de Hitchcock

O editorial de ontem do Estadão, no qual o jornal critica a atitude do presidente Lula de sempre alegar desconhecimento para livrar-se de responsabilidades - O homem que sabia de menos -, começa logo no título com uma feliz inversão do nome de um filme famoso de Alfred Hitchcock, O Homem que Sabia Demais (The Man Who Knew Too Much, de 1956, refilmagem da versão original, de 1934, do mesmo diretor). A alusão é perfeita, porque se Lula diz nunca saber de nada para evitar complicações, o pacato turista interpretado por James Stewart no filme só enfrenta problemas, para ele e a família, depois de ouvir involuntariamente a confidência de um moribundo, esfaqueado por seus comparsas terroristas, no Marrocos, sobre um plano de assassinato de um figurão político em Londres, em meio a um concerto no Royal Albert Hall.

Mas, com todas as suas qualidades, o filme de Hitchcock é mais lembrado hoje pela música cantada por Doris Day, Que Sera, Sera, um clássico de Jay Livingston e Ray Evans, premiado com o Oscar de melhor canção em 1957. Doris celebrizou-se pelos papéis de loura ingênua nas comédias que fez com Rock Hudson em fins dos anos 50, a ponto de Grouxo Marx afirmar que a conhecera ‘quando ela ainda não era virgem’. Pura maldade, porque mais do que ótima atriz ela era excepcional cantora, uma das artistas mais luminosas da constelação de talentos que imortalizou uma época de ouro da grande canção americana – e que, como tal, merecia um pouco mais de respeito.

Quando menina, Doris Mary Ann von Kappelhoff, filha de pais alemães divorciados, nascida em 3 de abril de 1924 em Cincinatti, Ohio, queria ser bailarina. Aos 14, no entanto, sofreu um grave acidente automobilístico que a obrigou a abandonar o sonho. O mundo perdeu uma bailarina, talvez com talento, mas ganhou uma cantora soberba. Aos 16 anos Doris já estreava como crooner na banda de Les Brown, e nas três décadas que se seguiram gravou um extenso repertório de clássicos, trafegando entre o jazz e o pop tradicional.

Um rápido apanhado dá uma idéia da riqueza de sua discografia. Além de Que Sera, Sera e de Secret Love, de Sammy Fain e Paul Francis Webster, outra canção premiada com o Oscar, do filme em que ela interpretou a pistoleira, no bom sentido, Jane Calamidade, em Ardida como Pimenta (Calamity Jane, de 1953), Doris gravou ao longo de sua carreira musical as seguintes, entre outras obras-primas da canção americana legítima e peças importadas: Autumn Leaves (de Joseph Kosma), Night and Day (de Cole Porter), April in Paris, I Love Paris (também de Porter), Bewitched, Blue Moon, By the Light of the Silvery Moon, Domino, Dream a Little Dream of Me, Fascination, I’m in the Mood for Love, It Had to be You, It’s Magic, My Blue Heaven, Sentimental Journey, Serenade in Blue, Stardust (de Hoagy Carmichael e Mitchell Parish), You’ll Never Know, September Song e Summertime. Não há como não se emocionar com a sensibilidade demonstrada por Doris na sublime Domino, de Louis Ferrari e Jacques Plante, vertida para o inglês por Don Raye, ou com sua técnica impecável no dueto histórico com Bing Crosby em Baby, It’s Cold Outside. Outro grande dueto seu foi com Frankie Laine, em Sugarbush.

Se você é jovem demais para ter visto ou ouvido Doris Day, ou se tem idade para querer apreciá-la de novo, clique aqui para ver os vídeos postados no YouTube, Que Sera, Sera, com cenas do filme, e um clipe caseiro com Baby, It’s Cold Outside ao fundo. E em tempo: como diz a legenda do cartaz antigo de O Homem que Sabia Demais, às vezes conhecer algo, mesmo que pouco, pode trazer um grande perigo. É o que deve pensar Lula.

sábado, 4 de agosto de 2007

Negócio bilionário

Com a compra, inesperada pelo mercado, da Suzano Petroquímica por 2,7 bilhões de reais, em seqüência à participação adquirida no grupo Ipiranga, em conjunto com a Braskem e a Unipar, num negócio de 4 bilhões de dólares, a Petrobrás se recoloca como um dos protagonistas da indústria petroquímica no país. Ela, que liderou a implantação dessa indústria no Brasil por meio de sua ex-subsidiária Petroquisa, criada 40 anos atrás, praticamente se afastou da área na década de 90, por decisão governamental.

No final dos 80, para se ter uma idéia, a Petroquisa, incorporada à Petrobrás em 2006, participava de 36 empresas, que no conjunto respondiam por mais de 70% da produção de petroquímicos no país. A Petroquisa atuou também como o elemento catalisador na criação dos três pólos petroquímicos regionais, em São Paulo, na Bahia e no Rio Grande do Sul. Entre 1992 e 1997, com o Programa Nacional de Desestatização, a companhia se desfez da maioria de suas participações em outras empresas. Mas agora, com a aquisição da Suzano Petroquímica, fabricante de polipropileno, matéria-prima plástica, a Petrobrás volta a controlar quase um terço da indústria petroquímica no Brasil, segundo O Estado de S. Paulo.

Bom para a Petrobrás e para seus acionistas, embora, segundo alguns especialistas, a estatal tenha pago 2,7 bilhões por uma empresa que valia, no máximo, 1,5 bilhão de reais. “A precificação de mercado é uma coisa momentânea e, para nós, essa aquisição é uma estratégia de longo prazo”, explicou Flávio Valadão, representante do banco ABN Amro, instituição intermediária na transação, em nome da Petrobrás. O que é péssimo é que, novamente, segundo noticia o Estadão, houve vazamento de informação privilegiada, assim como no caso Ipiranga. A Comissão de Valores Mobiliários, CVM, já está à caça das pessoas que se valeram da antecipação interna da notícia da compra da Suzano Petroquímica para investirem em suas ações na bolsa. A prática do crime de inside information dá cadeia nos Estados Unidos. Aqui, no máximo, resulta em multa.

terça-feira, 31 de julho de 2007

O governo volta atrás


Mapa do percurso do Expresso Aeroporto e de outros trens entre São Paulo e Guarulhos

Dez dias depois de o presidente Lula ter anunciado a construção de um novo aeroporto na região metropolitana de São Paulo, o governo voltou atrás e decidiu optar pela ampliação do aeroporto de Cumbica, para este receber os vôos transferidos de Congonhas. Prevaleceu na reunião de ontem no Palácio do Planalto, segundo o jornal O Estado de S. Paulo, a posição do novo ministro da Defesa, Nelson Jobim, que numa conversa com o governador paulista José Serra teria sido convencido a adotar essa solução, mais ‘sensata’ do que a do novo aeroporto.

Trata-se de uma boa notícia, porque se governos – este, em especial – erram, é melhor consertar o erro a tempo do que persistir nele só para não dar o braço a torcer. E também porque, se um governador da oposição mostrou desprendimento para sugerir uma solução mais viável, o governo federal revelou humildade para aceitá-la. Não se poderia esperar outra atitude, tanto da oposição quanto da situação, quando o interesse do país está em jogo.

A construção de uma segunda pista principal em Cumbica permitirá praticamente dobrar a capacidade instalada para pousos e decolagens de jatos de grande porte no aeroporto, porque a pista auxiliar, já em uso, serve mais para os aviões menores. O obstáculo apontado pelo brigadeiro José Carlos Pereira, que está sendo substituído na presidência da Infraero por Jobim, a desapropriação de cerca de 5 000 imóveis para liberar uma área de escape para a nova pista, não representa nenhum grande problema. A um valor estimado de 50 000 reais por imóvel, naquela região de baixa renda, a desapropriação não custaria mais do que 250 milhões de reais, uma bagatela diante do que se gastaria com a construção de um aeroporto completo para vôos nacionais e internacionais.

Serra, segundo a reportagem de Vera Rosa e Leonencio Nossa, da sucursal de Brasília do jornal, quer também construir uma ferrovia entre Cumbica e o centro de São Paulo, com ajuda financeira do governo federal. Teria ainda falado a Jobim da conveniência de se ampliar o terminal de passageiros de Viracopos e construir uma nova pista rodoviária expressa entre Campinas e São Paulo, para melhorar a vazão dos usuários daquele aeroporto, o qual funciona como regra três de Cumbica, em dias de neblina intensa na região de Guarulhos.

Das palavras aos atos, hoje mesmo o governo paulista divulgou oficialmente a notícia de que a ferrovia começará a ser construída no início do próximo ano, e estará pronta em 2010. O custo total estimado é de 3,4 bilhões de reais, mas o erário deverá arcar com apenas uma parte dele, porque o principal ficará com o consórcio privado vencedor da licitação pública, no regime das parcerias público-privadas, PPP, que na área federal não saem do papel. De acordo com o projeto de referência desenvolvido pela Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, CPTM, o Expresso Aeroporto – nome do trem expresso – percorrerá os 31 quilômetros do trajeto em apenas 20 minutos, andando a 100 quilômetros por hora. O intervalo de saída dos trens será de 12 minutos, e 20 000 passageiros poderão ser transportados por dia. Haverá dois tipos de transporte. Um, o Expresso Aeroporto, ligará a capital ao aeroporto de Cumbica com poucas paradas. O outro, chamado Trem de Guarulhos, destina-se a usuários que moram naquela região, parando em várias estações até chegar ao Parque Cecap, em Guarulhos. De acordo com um mapa divulgado na ocasião do anúncio pelo governo paulista, o Expresso Aeroporto sairá da estação metro-ferroviária do bairro da Barra Funda, e passará pelas estações da Luz e do Brás, antes de deixar a capital com destino a Guarulhos.

Deve existir algum impedimento topográfico para a extensão da ferrovia de São Paulo até Campinas, passando por Guarulhos, para Serra ter pensado nessa alternativa. Porque, pela lógica, seria muito mais prático aos passageiros se locomoverem usando um único meio de transporte, no caso um trem expresso, do que dois ou mais. De qualquer forma, a solução apresentada pelo governador permite vislumbrar, mais cedo que se imaginava, a possibilidade de desativar para sempre o fatídico aeroporto de Congonhas para aviões de grande porte.

quinta-feira, 26 de julho de 2007

Erro de origem

As agências reguladoras nacionais foram concebidas, à época do governo Fernando Henrique Cardoso, como entidades autônomas e suprapartidárias, que atuassem principalmente com o objetivo de dar segurança aos investidores privados e assegurar serviços de boa qualidade aos consumidores, atendendo sempre ao interesse nacional. Destinavam-se, portanto, a trabalhar a serviço do Estado, ou seja, da Nação, e não do governo.
O governo do PT nunca se contentou com esse figurino das agências. Desde o primeiro momento quis subordiná-las ao poder central, tanto é que já em 2003 constituiu uma comissão interministerial para redefinir suas atribuições. Em seguida, dando de ombros para a insegurança institucional que essa atitude trazia ao setor privado, passou também a nomear apaniguados e correligionários para a direção das agências.
A Anac, do transporte aéreo, foi criada já neste governo, tendo passado a operar em 2006. Seu aparelhamento com quadros partidários e sua atuação para lá de suspeita no trato com as companhias aéreas, a quem deveria fiscalizar para coibir abusos contra os consumidores, não são portanto de surpreender, no ambiente de cosa nostra em que também as agências foram colocadas.
O novo ministro da Defesa, Nelson Jobim, assumiu o cargo prometendo mais comando para combater a crise do transporte aéreo, além de admitir a possibilidade de haver demissões na diretoria da Anac. Para ele, o mandato fixo e a estabilidade no cargo dos diretores, garantidos na lei de criação da agência, constituem um “problema legal”, que deve ser debatido para uma eventual mudança. “Precisamos trabalhar em cima de resultados”, afirma o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal - notabilizado naquele cargo pelos sistemáticos votos favoráveis que deu ao governo Lula -, em reportagem publicada hoje no jornal Valor. “Se houver necessidade, haverá um debate. Essas estruturas (as agências reguladoras) foram feitas para dar resultados, não para ser mantidas.”
Jobim não falou mais do que o óbvio. O problema é que uma intervenção na Anac aumentaria ainda mais a insegurança sentida pelo setor privado em relação ao chamado marco regulatório. Nesse caso, a emenda poderia sair pior que o soneto. Donde se conclui que o melhor, mesmo, era não ter errado na origem. Com uma direção mais técnica e menos aparelhada, a Anac não precisaria agora do conserto que Jobim pensa em fazer.

terça-feira, 24 de julho de 2007

A tragédia do Airbus

Marcos Villares identifica-se como sobrinho-bisneto de Santos-Dumont. Leiam a carta que ele mandou para a seção de leitores do jornal O Estado de S. Paulo de hoje:

Prezada leitora sra. Elza Ramirez (Pobre Santos-Dumont, 23/7), os familiares e descendentes de Alberto Santos-Dumont se sentem muito honrados e gratificados com a existência da Medalha “Mérito Santos Dumont”, que visa a lembrar nosso grande pioneiro da aviação, patrimônio de todos os brasileiros. Entretanto, a família não exerce nenhuma influência sobre os critérios de escolha e concessão da medalha. Em 20/7, vi no Jornal Nacional que os diretores da Anac foram agraciados com a referida medalha. Na ocasião eu me encontrava na cidade de Santos-Dumont (MG), na residência de Mônica Castello Branco, diretora da Fundação Casa Natal de Santos-Dumont. Comentei com Mônica que, na minha opinião, quem deveria receber a medalha, in memoriam, eram as vítimas dos acidentes do vôo 1907 da Gol e do vôo 3054 da TAM. Na manhã do dia 20 eu havia participado da cerimônia em comemoração aos 134 anos de nascimento de Santos-Dumont, na casa onde ele nasceu, em Cabangu. Ao lado da pequena casa caiada de branco, que foi construída por seu pai, Henrique, a Bandeira Nacional foi içada ao toque de corneta. Depois, a Bandeira baixou a meio-pau e se fez um minuto de silêncio. Todos nós externamos nosso pesar pela perda de tantas vidas, assim como fez toda a Nação (quase toda, a julgar pelos gestos grosseiros e desrespeitosos dos srs. Marco Aurélio Garcia e Bruno Gaspar). Espero, sinceramente, que os responsáveis pelo transporte aéreo em nosso país resolvam imediatamente os gravíssimos problemas por que o setor atravessa, para que não tenhamos de chorar por novas vítimas e para que a morte de tantos brasileiros não tenha sido em vão.

Bela carta. Mas Villares alimenta uma esperança infundada. A tragédia do Airbus da TAM foi fruto do somatório de incompetências, leniências e covardias do governo federal, junto com seus órgãos controladores e operadores da aviação civil, e da ganância das companhias aéreas. Por isso, não há solução à vista para a crise no setor. Rezemos apenas para não prantear novas mortes.
Não se pode esperar por nada melhor quando há uma ministra que manda ‘relaxar e gozar’ diante do caos nos aeroportos, a passageiros que dormem sobre bancos e têm o vôo adiado por até uma semana. Ou com um ministro que faz aquele gesto obsceno para comemorar a notícia de que o Airbus voava com um reverso desativado. Ou ainda com um presidente da Anac que, escandalosamente condecorado pelo governo quando ainda chamas ardiam nos escombros do prédio atingido pelo avião, ousa afirmar que o órgão ‘não tem nenhuma responsabilidade’ pela crise. Se a Anac, a agência reguladora do transporte aéreo no país, não tem, quem teria?
Em comum, todos esses pilatos do setor público procuram em primeiro lugar livrar a própria cara e, em segundo, a do governo que lhes dá a boquinha e de seus cupinchas. Os passageiros desamparados e os familiares das vítimas que se danem.
O Pan está aí para provar. Com um pouco de apoio, o brasileiro vai longe. Ele merece um governo melhor.

oooooooooooooooooooooooooooooooo

Fosse mais competente, o governo não teria anunciado a construção de um novo aeroporto na região metropolitana de São Paulo. Trata-se da pior das soluções, a mais demorada e a mais cara. A escolha só pode ter se dado pela possibilidade de beneficiar os cupinchas com o superfaturamento das obras e as contribuições ao partido do governo.
Custaria muito menos dinheiro construir uma segunda pista em Guarulhos e ligar o aeroporto ao centro de São Paulo por trem expresso. Parte da infra-estrutura necessária até já existe, porque esse trem poderia interligar-se ao sistema metro-ferroviário da capital paulista, com o aproveitamento de estações já prontas. A nova ferrovia passaria por Guarulhos e se estenderia até Campinas, onde fica o aeroporto de Viracopos, também mais moderno que Congonhas. Diante do congestionamento nas principais avenidas de São Paulo, pode-se apostar cem contra um que o embarque por Guarulhos ou Viracopos seria mais rápido que por Congonhas, nos horários de pico, com o trem expresso.
O maior ônus financeiro pela construção da ferrovia poderia ficar com a iniciativa privada, por meio de uma concessão para a exploração do serviço. A rentabilidade do negócio poderia ser assegurada com a lotação dos trens com passageiros sem bilhete aéreo, que pagariam a tarifa normal pelo transporte, e pelos passageiros das companhias aéreas que viajariam de graça por já ter pago um aumento na taxa de embarque do aeroporto. O aumento dessa taxa ocorreria em Guarulhos, Viracopos e mesmo Congonhas, caso este não seja interditado, e nos demais aeroportos do país para passageiros com destino a São Paulo.
É uma solução simples, barata e definitiva. E é de espantar que ninguém no governo tenha pensado nela.

sexta-feira, 13 de julho de 2007

E começou o Pan

Quando o feito é muito grande, as palavras se tornam inúteis. Mas falar da abertura oficial do Pan, a 15ª. edição dos Jogos Pan-Americanos, realizada neste início de noite no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, é um imperativo de consciência.
Poucas vezes se terá visto, mesmo no evento maior que são os Jogos Olímpicos, tanta beleza, emoção e nacionalidade na cerimônia de abertura. A festa de cores, sons e ritmo foi, na falta de outra palavra, maravilhosa.
No mais, dois registros para a posteridade. Um, a sonora vaia que tomou o presidente Lula, tanto quando se anunciou sua presença no estádio quanto no momento de ele declarar abertos os Jogos. Então, talvez por constrangimento, Lula abdicou da prerrogativa, quebrando o protocolo – cabe aos chefes de Estado fazer o anúncio oficial, como vem acontecendo desde o primeiro Pan, realizado em Buenos Aires, em 1951. O presidente do Comitê Olímpico Brasileiro e da organização do evento, Carlos Arthur Nuzman, precisou tomar o seu lugar. O outro, a delicadeza que Adriana Calcanhoto imprimiu ao interpretar a canção de ninar de Dorival Caymmi, uma obra-prima comparável à Lullaby de Brahms. Sentada naquela enorme cadeira, Adriana protagonizou um dos momentos mais tocantes da festa.