Antes tarde do que nunca, a Câmara dos Deputados aprovou ontem, em primeiro turno, o fim do voto secreto para suas decisões em plenário. Por ser emenda constitucional, a medida precisará ainda ser aprovada em segundo turno na casa e depois seguir para o Senado, onde se repetirá o ritual. Lá, há suspeitas de que possa ser rejeitada, porque a resistência dos senadores à matéria é reconhecidamente maior do que entre os deputados. As esperanças de que isso não ocorra repousam na reação contrária da opinião pública.
Uma das maiores conquistas das democracias ocidentais, o voto secreto foi adotado nos Estados Unidos e em alguns países da Europa ainda em fins do século 19, como complemento natural do sistema de sufrágio universal, no qual homens e mulheres, a partir de determinada idade e sem distinção de raça, condição social ou credos religiosos e políticos, podem escolher livremente seus representantes no Parlamento e governantes (estes últimos, não em alguns países). Mas se o anonimato se justifica na eleição dos representantes pela população, para evitar a opressão dos mais fracos pelos mais fortes, não há como invocar a mesma razão quando os representantes já eleitos deliberam sobre assuntos de interesse da população. O mandato político é conferido na suposição de que os escolhidos, revestidos do poder legitimamente conquistado, dirão às claras, em qualquer circunstância e para quem quiser ouvir, se estão ou não de acordo nas medidas postas em votação no Parlamento. Nesse sentido, a lealdade do eleito para com seus eleitores sobrepõe-se a todos os demais interesses, inclusive os de natureza pessoal ou derivados de orientação partidária.
Sem o voto secreto, dificilmente o plenário da Câmara teria rejeitado, como o fez, oito de onze recomendações de cassação de mandato de deputados mensaleiros, recebidas do Conselho de Ética da casa. O anonimato, nesse caso, favoreceu a pusilanimidade de alguns parlamentares e a compactuação com o delito de outros, num episódio que marcou para sempre, e de forma vergonhosa, a atual legislatura. A permanecer o voto secreto, a maior parte dos 69 deputados e 3 senadores envolvidos na denúncia da máfia dos sanguessugas também poderia escapar da cassação, o que seria o corolário de uma sucessão de atentados à moralidade e à ética política cometidos por integrantes do Legislativo federal que ainda têm o desplante de candidatar-se à reeleição.
Pelo resgate de um mínimo de dignidade no exercício da política – que não se pode pautar pelo conceito, expresso ontem pelo presidente Lula, de que "democracia não é só coisa limpa, não" -, os cidadãos de bem têm o dever de pressionar para que o projeto que acaba com o voto secreto nas decisões do Congresso também não seja transformado em outra grande pizza.
quarta-feira, 6 de setembro de 2006
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