sábado, 30 de setembro de 2006

Quem pensam enganar?



A dinheirama apreendida pela PF, em reais (acima) e dólares

Em mais uma de suas já incontáveis empulhações, o presidente Lula disse ontem em São Bernardo, no ABC paulista, onde visitou fábricas da Daimler-Chrysler e da Ford, acompanhado do candidato ao governo estadual Aloizio Mercadante, que a atual campanha para a Presidência da República foi marcada pelo "baixo nível dos adversários". Convenhamos que ele seria o último dos candidatos a poder falar em níveis, de compostura ou de ética. Nenhum de seus adversários ousou descer tanto quanto ele como quando falou em matar, esquartejar, salgar a carne e pendurá-la em poste para evitar o apodrecimento, em discurso feito terça-feira passada em Belo Horizonte. Não se concebe tal atentado ao bom gosto num candidato presidencial. E, quanto à ética, após o mar de denúncias lançado contra o seu governo e o seu partido, o PT, desde que o ex-assessor da Casa Civil Waldomiro Diniz foi flagrado achacando um bicheiro, ainda agora, às vésperas da eleição, até uma figura que parecia constituir uma exceção em meio à bandalheira generalizada, o senador Mercadante, se vê envolvida em grave acusação de malversação de recursos. Hamilton Lacerda, seu coordenador de comunicação na campanha até a eclosão do escândalo do dossiê forjado contra políticos do PSDB, não só foi apontado pela Polícia Federal como o homem da mala de dinheiro, na tentativa de compra dos documentos falsos, como é servidor público, lotado na assessoria do Senado Federal, mais exatamente no gabinete do próprio Mercadante. O senador certamente sabia que a Lei 9504/97 proíbe o emprego de servidores pagos com o dinheiro público em campanhas políticas. Mesmo assim recorreu a seus préstimos, em mais uma demonstração de que o PT, por meio de seus ocupantes de cargos públicos, não tem o menor pejo em usar o dinheiro recolhido da população pagadora de impostos como se fosse propriedade particular.
O termo empulhação cabe também à atitude tomada pelo PT de tentar inutilmente impedir a divulgação das fotos da montanha de cédulas de real e dólar apreendida pela PF das mãos dos dois intermediários do partido presos há duas semanas, o empreiteiro Valdebran Carlos Padilha da Silva e o advogado Gedimar Pereira Passos. Como se a exibição das fotos fizesse alguma diferença a esta altura, o presidente do PT, Ricardo Berzoini, também envolvido diretamente no escândalo do dossiê, pediu ao Tribunal Superior Eleitoral que mandasse retirar do portal do jornal O Estado de S. Paulo as imagens cedidas pela PF e ali mostradas desde a hora do almoço de ontem. O pedido foi negado, mas insistente como um cão de guarda Berzoini prometeu entrar hoje com outro recurso no TSE, agora para tentar impugnar a candidatura presidencial de Geraldo Alckmin, sob a alegação, de uma idiotice de dar pena, de que o PSDB estaria usando indevidamente os veículos de comunicação para prejudicar o presidente-candidato Lula com o caso do dossiê.
Quando faltam argumentos razoáveis, o PT recorre a tecnicalidades como o segredo de Justiça para embasar manobras destinadas a esconder seus malfeitos. Mas esse artifício, de tão contumaz, já não engana ninguém.

sexta-feira, 29 de setembro de 2006

Gesto de covardia

Foi um bom debate embora faltasse a atração principal, Lula, ou talvez por isso mesmo. Sem a polarização que sua presença causaria em relação aos demais candidatos convidados, estes – Cristovam Buarque, Geraldo Alckmin e Heloísa Helena – tiveram mais tempo para falar de propostas de governo, sem deixar de dar algumas estocadas no presidente que fugiu da raia.
Dos três, Alckmin é o que mostrou o melhor preparo. Passou a impressão de que, se eleito, começa a governar de fato logo no primeiro dia depois da posse. Buarque, atendo-se aos conceitos e não aos números, cativou pela simpatia e pela inteligência. E Heloísa, voluntariosa e veemente, quase em lágrimas no discurso final, de novo não explicou como pretende obter os bilhões que promete aplicar em saneamento básico, infra-estrutura, saúde e educação demonizando ao mesmo tempo o sistema bancário e o capital internacional.
A Rede Globo, anfitriã do encontro, armou um cenário futurista embora asséptico em demasia e contou com a competência de sempre do mediador William Bonner. Mas, com a experiência acumulada no assunto, já era hora de alguém do estúdio providenciar um cronômetro tamanho família para os debatedores pararem de estourar seus tempos. Além disso, 40 segundos é muito pouco para formular uma pergunta contextualizada, com o intuito de dirigir a resposta.
Debates de final de campanha transmitidos por redes de TV de grande audiência são uma instituição de democracias avançadas. Nos Estados Unidos, país criador da prática, a fuga do enfrentamento direto com adversários políticos a poucos dias do pleito seria tomada como um ato de covardia, indigno de um postulante ao cargo de primeiro mandatário da nação. Se Lula sair incólume de mais esta, sem perder uma quantidade significativa de votos no próximo domingo, estaremos mostrando para o mundo, de novo, que sabemos piratear idéias alheias, mas não alcançamos seu conteúdo.

quarta-feira, 27 de setembro de 2006

Esquartejador em campanha

"Não basta matar, não basta esquartejar, não basta salgar a carne e pendurar em um poste, porque a carne você mata e apodrece..."
(Lula, em comício ontem em Belo Horizonte, com licença de Chico Picadinho)

terça-feira, 26 de setembro de 2006

Quatro crimes e um dossiê

Dois crimes capitulados no Código Penal e mais um, previsto na legislação eleitoral, todos de grande gravidade, podem ter sido cometidos nesse propalado caso do dossiê forjado que o PT quis comprar para tentar desmoralizar o candidato do PSDB ao governo paulista, José Serra, e de quebra o candidato presidencial Geraldo Alckmin e o ex-ministro da Saúde Barjas Negri. A depender do avanço das investigações em curso na Polícia Federal, um quarto crime, o de formação de quadrilha, poderá ser identificado.
O primeiro deles é o de lavagem de dinheiro. Até agora, a Polícia Federal conseguiu identificar a origem de apenas 25 000 reais, do total de 1,75 milhão em espécie, em dólar e moeda nacional, encontrados com os dois intermediários petistas presos no último dia 15 durante a frustrada operação de compra do dossiê, o empreiteiro Valdebran Carlos Padilha da Silva e o advogado Gedimar Pereira Passos. Sobre todo o restante, uma pequena fortuna, a PF promete entregar o resultado das averiguações somente após as eleições do dia 1.o, numa demora altamente estranhável diante dos recursos de que dispõe hoje em dia. Igualmente suspeita é a alegação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, Coaf, subordinado ao Ministério da Fazenda, de não ter obtido sucesso no cruzamento dos nomes dos detidos com movimentações de dinheiro em valor superior a 100 000 reais, limite a partir do qual, de acordo com a lei, todos os bancos se obrigam a informar ao órgão as transações realizadas. O mesmo Coaf, como se recorda, informou ao então presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Mattoso, conforme este afirmou, a movimentação suspeita de apenas 34 000 reais, resultantes de diversos depósitos e retiradas, na conta do caseiro Francenildo dos Santos Costa, no episódio da quebra de sigilo bancário que resultou na queda do ministro Antonio Palocci e também de Mattoso. Por que o Coaf exorbitou de suas funções naquela oportunidade, ou se o então presidente da Caixa mentiu para tentar atenuar sua culpa não se sabe até hoje, porque nada foi revelado, depois, a respeito. Fica a impressão de que os órgãos públicos, devidamente aparelhados neste governo, afora o indesmentível só contam o que interessa ao pessoal da casa.
O segundo crime é, de novo, o de quebra de sigilo bancário. Com a interferência de algumas pessoas dentro do Banco do Brasil, o empresário Luiz Antônio Vedoin, dono da Planam e chefão da máfia dos sanguessugas que causou prejuízo de milhões ao erário com as ambulâncias superfaturadas, obteve cópias de cheques ao portador por ele emitidos no passado para tentar incriminar outro empresário, Abel Pereira, de Piracicaba, São Paulo, amigo do ex-ministro Barjas Negri, na montagem do dossiê. A ponte entre o banco e o mafioso foi feita pelo ex-diretor do BB Expedito Afonso Veloso, que esteve em Cuiabá, onde fica o quartel-general de Vedoin, na semana em que estourou o caso, supostamente como portador de material para incrementar o dossiê. Ou seja, tem-se até o nome de um diretor, mas a PF ainda não conseguiu saber se a quebra de sigilo decorreu da iniciativa isolada dele ou teve a participação de outras pessoas do primeiro escalão do banco. Revelações nesse sentido, se houver, só depois das eleições.
O terceiro crime, evidenciado até pelo frescor das notas em dólar encontradas em poder dos petistas presos, com cintas da Casa da Moeda americana nos maços, liga-se ao primeiro artigo da legislação eleitoral que trata do que é permitido ou não fazer pelos partidos políticos e candidatos. É expressamente proibido, segundo esse dispositivo, políticos e suas agremiações receberem recursos de entidades ou governos estrangeiros, durante as campanhas ou fora delas. Quando o publicitário Duda Mendonça, no seu primeiro depoimento à CPI dos Correios, afirmou ter sido instado pelo PT a abrir uma conta no exterior para receber pagamentos por serviços prestados, a ligação do partido com fontes de suprimento financeiro de fora do país já se tornou clara. Mas como nem a oposição levou na devida conta a gravidade da acusação, capaz não só de redundar na cassação do registro eleitoral do PT como também no impeachment de Lula, ficou tudo por isso mesmo. Agora, tendo havido ainda a denúncia da revista Veja de que dólares de origem cubana foram parar no comitê de campanha do presidente em 2002, surge essa nova evidência de uma estreita ligação do partido com alguma entidade estrangeira. E que não deve ser inexpressiva, a julgar pelas notas de dólar zero-quilômetro encontradas em poder dos petistas presos.
Por fim, como a lavagem de dinheiro de origem interna ou externa só se torna possível com a participação de várias pessoas, nas suas diferentes etapas, configura-se o quarto crime, o de formação de quadrilha. Tudo somado, as penas aplicáveis chegam a mais de dez anos de cadeia para os condenados. Mas só quem acredita em conto da carochinha pode pensar que isso acontecerá algum dia, com algum dos envolvidos nesse episódio do dossiê. Porque, para começo de conversa, tudo fica para depois das próximas eleições.

A comparação certa


Em resposta ao presidente-candidato Luiz Inácio Lula da Silva, que com sua conhecida imodéstia se comparara na véspera a Jesus Cristo e Tiradentes, os adversários Geraldo Alckmin e Heloísa Helena afirmaram ontem ser ele mais parecido com Judas Iscariotes, o traidor, enquanto o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, indo mais fundo, o chamou de 'demônio'.
De fato, a situação atual de Lula em nada lembra a de Tiradentes, o mártir da Inconfidência, enforcado por liderar uma resistência contra a derrama de tributos cobrada da colônia pela Coroa portuguesa, e menos ainda a de Cristo, crucificado por pregar não uma insurreição contra Roma, mas apenas a paz entre os homens de boa-vontade. Além disso, ambos foram traídos por somente um dos seguidores ou discípulos, enquanto Lula, se alguém julgar aceitável suas alegações de inocência, estaria sendo entregue à sanha da turba por uma penca de acólitos e comensais.
E, se quisermos ser mais precisos, talvez nem com Judas coubesse a comparação. Corroído pelo remorso, ele depois se enforcou numa árvore, enquanto do atual presidente nunca se ouviu sequer um resquício de mea-culpa diante de todo esse mar de lama que cobriu de opróbrio seu primeiro mandato. A propósito do discípulo que entregou Cristo aos algozes em troca de trinta dinheiros, vale ler o extraordinário romance de Leonid Andreiev (1871-1919), um dos grandes nomes da literatura russa do século passado, Judas Iscariotes. É um livro facilmente encontrável nas lojas.
Ao invés de assumir sua própria responsabilidade, o atual presidente, prestes a ser reeleito, joga toda a culpa nos subordinados. A mais recente vítima dessa manobra é o presidente do PT, Ricardo Berzoini, que só fez o que fez na suposição de agradar o chefe, Lula, e recebeu como paga o desprezo público dele, que ontem o acusou de liderar um 'bando de aloprados' no episódio da compra do dossiê difamatório contra candidatos tucanos.
Quem age assim tem o qualificativo certo. Só um mau-caráter dedura companheiros para obter benefícios, e depois dorme tranqüilo, sem revelar dor de consciência. Isso é ser pior que Judas. Por isso, talvez a comparação mais certa fosse com Barrabás, o ladrão que escapou da crucifixão porque entre ele e Cristo a turba preferiu condenar o segundo, diante de um Pilatos que lavava as mãos.

quinta-feira, 21 de setembro de 2006

Lista telefônica

Imaginemos uma empresa admirada pela comunidade por fazer bons produtos, cobrar preços justos e empenhar-se em ações sociais, e que tivesse como presidente alguém venerado pela equipe de funcionários e diretores por seu passado de lutas, sua retidão de caráter e sua generosidade para com os comandados. Suponhamos que esse presidente, da empresa moldada à sua semelhança, não perdesse ocasião de pregar a ética como padrão de comportamento, tanto nos negócios quanto na vida. Ele seria traído não por um, mas por vários membros de sua equipe com falcatruas cometidas na suposição de agradá-lo, ainda mais com os funcionários e diretores sabendo que perderiam o emprego se descobertos? Com certeza, não.
Transportemos a visão agora para o Palácio do Planalto. Lá, existe um presidente recordista na história da República em matéria de defenestrações do governo. Dirceu, Gushiken, Delúbio, que não era funcionário mas agia como tal, o publicitário Duda, o encarregado do departamento financeiro Valério, Palocci, Mattoso, o da Caixa Econômica, e agora o guarda-costas Freud, o churrasqueiro Lorenzetti e o bigodinho Berzoini, presidente de seu partido, o PT, e coordenador da campanha à reeleição. Já dá uma lista telefônica com os outros nomes menos cotados que caíram junto, mas pode ter mais.
Pergunta: Lula fez saber a todos os seus comandados que não admitiria bandalheira, no governo e na campanha? Com certeza, não. Outra pergunta: ele sabia de tudo isso? Quase com certeza, sim. Última pergunta: com tantos afastamentos de gente íntima e de confiança para salvar a própria pele, com quem ele vai governar no segundo mandato? Talvez tenha de buscar quadros na oposição.
No entanto, volta a prometer mundos e fundos para os próximos quatro anos. E os ignaros acreditam e votam nele, quando todos os outros candidatos são melhores, alguns até bem melhores na questão da moralidade. Pobre Brasil, até quando estará condenado ao atraso?

terça-feira, 19 de setembro de 2006

Marcas de lama na rampa

Como não poderia deixar de ser, pelo volume de dinheiro envolvido e pela natureza da operação, à medida que se puxa o fio da história mais se torna claro que a tentativa de desmoralizar com um dossiê forjado o candidato do PSDB ao governo paulista, José Serra, e de quebra o candidato presidencial pelo mesmo partido, Geraldo Alckmin, e o sucessor de Serra no Ministério da Saúde, Barjas Negri, no governo Fernando Henrique Cardoso, contou com a participação de figuras do primeiro escalão do PT, e não apenas de sua arraia miúda. Assim, em poucos dias o caso que a direção do partido quis abafar, como sempre transferindo a própria culpa para os outros, assume a dimensão de um escândalo nacional, com o envolvimento de pessoas situadas perigosamente próximo da Presidência da República.
A menos de duas semanas das eleições, é pouco provável que o episódio influa no resultado das urnas, mas serve de referência para todos quantos queiram antever o modus operandi político de um segundo mandato de Lula. Como uma mina inesgotável de água salobra, a entourage do presidente não pára de produzir malfeitos, maquiáveis de subúrbio dispostos a usar qualquer meio para alcançar seus fins. O caso do dossiê é, portanto, apenas o mais recente da série aparentemente infindável patrocinada pelo PT com a ajuda de seus aparelhados no governo, os quais, embora recebam salários pagos pela população, em lugar de prestar serviços públicos vivem de cometer falcatruas, em benefício próprio e no da legenda.
Vejamos, para ilustrar a afirmação, os petistas até agora envolvidos, além do empreiteiro Valdebran Carlos Padilha da Silva e do advogado Gedimar Pereira Passos, presos pela Polícia Federal em São Paulo com 1,75 milhão de reais em espécie, em dólar e moeda nacional, quando aguardavam um tio do chefão dos sanguessugas Luiz Antônio Vedoin, dono da empresa Planam, para concluir a transação com o dossiê:
1. Freud Godoy, apontado como o fornecedor do dinheiro aos dois detidos, trabalhava como uma espécie de segurança particular do presidente Lula. Até pedir demissão, anteontem, ocupava uma sala situada a poucos metros do gabinete presidencial no Palácio do Planalto, organizava as peladas de fim de semana na Granja do Torto e era presença obrigatória na comitiva do presidente em viagens no país e no exterior;
2. Jorge Lorenzetti, suspeito de ser o principal interlocutor do sanguessuga Vedoin e mentor da tramóia, que além da divulgação do dossiê incluía a publicação de uma reportagem com a falsa denúncia numa revista de grande circulação, é outro filiado de carteirinha do partido. Egresso da CUT, não obstante ser enfermeiro de formação chegou a ocupar cargo de diretor no Banco do Estado de Santa Catarina graças ao círculo de amizades petistas, no qual se inclui o presidente Lula, que o tem como churrasqueiro preferido; e
3. Ricardo Berzoini, ninguém menos que o presidente do PT, e Oswaldo Bargas, ex-secretário e ainda um alto assessor ligado ao Ministério do Trabalho. Autor da nota oficial divulgada no sábado passado, em que exigia rigorosa apuração dos fatos pela Polícia Federal como se a tentativa de compra do dossiê nada tivesse a ver com o partido, Berzoini foi envolvido hoje no caso pela revista Época. Segundo o site da publicação, antes de oferecer a reportagem, paga, à revista IstoÉ, que a aceitou, Oswaldo Bargas e Jorge Lorenzetti tentaram vender a idéia para o repórter Ricardo Mendonça, de Época, em encontro marcado no hotel Crowne Plaza, em São Paulo. Sem ter o dossiê nas mãos, garantiram a Mendonça que as denúncias seriam fortes o suficiente para desmoralizar o candidato José Serra e o ex-ministro Barjas Negri. E diante da insistência de Mendonça, que continuava negaceando (não houve novo contato com a revista depois da reunião no hotel), Bargas afirmou segundo o site que, "no PT, apenas o presidente do partido, Ricardo Berzoini, havia sido avisado do encontro com o repórter, mas sem ter conhecimento do conteúdo do material". A ressalva citada no site carece de sentido. Como Berzoini poderia ser avisado de uma reunião entre gente importante de seu partido com um jornalista de uma grande revista sem querer saber do teor da conversa? Não é crível, mesmo tratando-se do PT, que o presidente de uma enorme legenda seja alguém tão incompetente.
Mas o mais espantoso é que agora à noite, depois de saber do divulgado pelo site de Época, o deputado Berzoini emitiu outra nota, admitindo que sabia do encontro de Bargas com jornalistas da revista para "tratar de uma pauta de interesse jornalístico", mas reiterando que desconhecia o assunto a ser tratado. "Jamais tive conhecimento do conteúdo abordado nesse encontro", afirma na nota. Em outras palavras, passou recibo de sua incompetência. Ou então, pior, faltou com a verdade.

segunda-feira, 18 de setembro de 2006

Arte em fotografia






Nem pintura nem desenho, fotos. As duas de cima são composições sem nome de Eduard Peter, fotógrafo radicado na Dinamarca. As de baixo, uma experiência radical tanto em cores (sem título) quanto em preto e branco (Memori-2), são de Leonid Padrul, fotógrafo russo.
Clique aqui para ver outras maravilhas que se produzem com uma câmera na mão e uma idéia na cabeça.

É do ramo

"Em 1964 corria como piada que o Dops premiava com mil cruzeiros cada delação. Uma pessoa perguntou: Se eu delatar 30 subversivos ganho 30 000? O agente do Dops respondeu: "Quem conhece 30 comunistas vai preso, pois é do ramo!" O mesmo eu penso do presidente. Ele está rodeado por indiciados, corruptos e corruptores... e não sabe de nada!"

(Cristina Azevedo S. Costa, na seção Fórum dos Leitores do jornal O Estado de S. Paulo de hoje)

Comédia pastelão

Como já ocorrera em vários capítulos da novela do Mensalão, na qual a sucessão de desmentidos por vezes assumia caráter cômico pela imensa cara-de-pau dos depoentes à CPI dos Correios, o caso atual da compra, pelo PT, de um dossiê difamatório contra o candidato do PSDB ao governo paulista, José Serra, adquire contornos de uma farsa orquestrada que produz risos na platéia. A nota oficial do partido sobre o caso, emitida no sábado, mereceu as gargalhadas iniciais. Agora é o assessor especial da Secretaria da Presidência, Freud Godoy, quem se encarrega de dar seqüência à pantomima.
Godoy teve seu nome citado pelo advogado Gedimar Pereira Passos, em depoimento à Polícia Federal, onde está preso, como o emissário do PT que repassou o dinheiro para a compra do dossiê montado pelo chefe dos sanguessugas, o empresário Luiz Antônio Vedoin, dono da Planam. Hoje, não só negou seu envolvimento como também comunicou que se demitiu do cargo em e-mail encaminhado para o titular da secretaria, Gilberto Carvalho, aquele mesmo de um outro célebre caso, o da montagem de um esquema de propinas na Prefeitura de Santo André e do posterior assassinato do então prefeito Celso Daniel. Segundo Godoy, ele teve no máximo uns quatro contatos com Gedimar, depois que o advogado lhe foi apresentado por outra pessoa do partido, para discutir a organização da segurança num comitê (Gedimar atuou, no passado, como agente da Polícia Federal). "Na primeira vez, eu fui somente apresentado a ele pelo pessoal do PT. Depois, nós tratamos de questões da segurança do comitê. Na última vez, eu somente o cumprimentei", afirmou ao repórter Epaminondas Neto, da Folha Online. Assegurou ainda que foram somente contatos "profissionais e esporádicos". Já em entrevista à Rede Globo relatou que recebera um telefonema do próprio presidente Lula, de quem se diz amigo, em busca de esclarecimentos, e o tranqüilizara quanto à sua inocência.
O episódio faz suscitar algumas perguntas. Primeira: que interesse teria Gedimar em apontar Godoy a seus ex-companheiros da Polícia Federal como o portador da mala da dinheiro petista, se isso de fato não ocorreu? Teria sido instruído por alguma instância superior do PT? Segunda: mais importante do que a identidade do portador da mala é o fato de os policiais terem encontrado cerca de 1,75 milhão de reais com Gedimar e seu comparsa, o empreiteiro Valdebran Carlos Padilha da Silva, preso junto com ele. Não é pouco dinheiro. Quem o reuniu, e como, dentro do PT? E terceira: não é possível que um montante desses seja mobilizado para a compra de um dossiê sem que ninguém da direção do partido fique sabendo, ainda mais quando o caixa do PT, como é público e notório, está no vermelho. Esperemos que as apurações da Polícia Federal permitam esclarecer essas dúvidas.
A propósito desse caso, vale ainda registrar a declaração do senador Aloizio Mercadante, concorrente ao governo paulista, de que daria a seu adversário Serra o direito de resposta quanto ao suposto envolvimento com a máfia dos sanguessugas. Ora, quem tem de responder algo é o próprio senador, já que a compra do dossiê de Vedoin pelo PT destinava-se a beneficiar sua candidatura, e não a de Serra. Por essas e outras é que este episódio, assim como aconteceu nos depoimentos colhidos pela CPI dos Correios sobre o Mensalão, oferece motivos para riso.

domingo, 17 de setembro de 2006

Coisa de doido

A nota divulgada ontem pela direção nacional do PT com a assinatura do presidente do partido, deputado Ricardo Berzoini, a respeito da prisão em São Paulo de dois intermediários de uma transação com o empresário Luiz Antônio Vedoin, dono da Planam, empresa que chefiava a máfia dos sanguessugas, é de um cinismo tão inacreditável que mesmo após várias leituras não permite dissipar a impressão de se tratar, na melhor das hipóteses, de peça de ficção do mais genuíno non sense. Como se não bastasse o fato de um dos detidos, o empreiteiro Valdebran Carlos Padilha da Silva, atuar como tesoureiro informal nas campanhas do PT em Mato Grosso, ser ligado ao deputado petista Carlos Abicalil e no momento trabalhar na campanha da senadora petista Serys Slhessarenko ao governo do estado, e de o outro, Gedimar Pereira Passos, ser advogado contratado pelo partido, a nota assinada por Berzoini trata o assunto como se este nada tivesse a ver com a legenda. Valdebran e Gedimar, como se sabe, foram presos pela Polícia Federal sexta-feira passada no Hotel Íbis, localizado em frente ao Aeroporto de Congonhas, portando cada qual uma pequena fortuna em dinheiro vivo: 109 800 dólares e 758 000 reais o primeiro, e 139 000 dólares e 410 000 reais o segundo. Ambos confirmaram que a dinheirama, desta vez pelo menos não escondida em cuecas, foi fornecida pela direção do PT para o pagamento de um dossiê montado por Vedoin para tentar envolver o candidato do PSDB ao governo paulista, José Serra, no esquema dos sanguessugas, em trama da qual fez parte uma reportagem publicada na última edição da revista IstoÉ.
"O PT considera graves as novas acusações relativas ao escândalo dos sanguessugas publicadas pela IstoÉ e que envolvem o governo anterior", começa a nota. "Ao contrário dos nossos adversários, não prejulgaremos, mas exigimos a rigorosa e isenta investigação das denúncias, para apurar todas as responsabilidades." Convenhamos que, depois de juntar dinheiro para pagar o dossiê difamatório, é um pouco exagerado o PT exigir a apuração de qualquer coisa por parte das autoridades policiais.
"O PT sempre rejeitou o denuncismo eleitoral e a produção ilegal de dossiês", afirma em seguida o deputado Berzoini na nota. Este caso atual e o anterior, da lista de Furnas, desmentem a afirmação.
"Em relação ao filiado que foi preso pela PF, encaminharei ao Diretório Nacional a aplicação da suspensão cautelar, conforme o estatuto, e abertura de procedimento disciplinar", prossegue Berzoini, em referência ao empreiteiro Valdebran. Não faz mais que sua obrigação, mas pelo que se viu em relação aos mensaleiros do partido o tal procedimento disciplinar só existe para inglês ver.
"Diante da consolidação da liderança de nossa candidatura presidencial e da frustração daqueles que desejaram destruir o PT, não nos surpreende que ocorram episódios dessa natureza, com o objetivo de conturbar a disputa eleitoral, que está sendo conduzida de nossa parte para o debate exclusivamente programático." Este quarto e último trecho da nota é puro non sense. Surpresa como, se o partido negociou a compra do dossiê com o chefão dos sanguessugas, a ponto de pechinchar o preço inicialmente pedido de 20 milhões de reais para algo próximo de 2 milhões? Quanto ao debate programático, é cômodo falar nisso quando Lula, a duas semanas das eleições, sustenta ainda uma dianteira capaz de lhe dar a vitória em turno único. Mas salta aos olhos que se trata também de um ardil, para manter afastado do foco do debate o mar de lama no qual o partido e o atual governo chafurdaram sem a menor cerimônia, em nome de seu projeto de poder.

sexta-feira, 15 de setembro de 2006

Voz de veludo

Diz a lenda que o cantor Nat King Cole foi descoberto por um bêbado. Inconveniente como costumam ficar muitos outros em estado semelhante, ele teria insistido para que o pianista do show ao vivo no bar de segunda categoria cantasse uma canção. Bêbado, mas bom freguês, teria recebido o apoio do dono do estabelecimento até convencer Nat a cantar – e a espantar a pequena platéia presente com sua técnica vocal. Surgiria ali, para o mundo, um dos três ou quatro maiores cantores americanos da história, junto com Frank Sinatra, Bing Crosby e Ray Charles.
Nascido Nathaniel Adams Coles em 17 de março de 1919 na racista cidade de Montgomery, no Alabama (há dúvidas quanto ao dia, mês e ano porque o próprio Nat chegou a usar cinco diferentes datas de nascimento em documentos oficiais), como segundo dos treze filhos do pastor batista Edward James Coles e de sua mulher, Perlina Adams Coles, sendo que oito desses filhos morreram antes de chegar à idade adulta, vitimados pela miséria, a estréia musical do cantor se deu, ainda criança, como pianista acompanhante do coro da igreja, porque desde os quatro anos recebia da mãe lições diárias ao teclado. Nat e os irmãos sobreviventes puderam, contudo, pelo menos cursar escolas públicas até o nível colegial, já que a família escapara das perseguições racistas sofridas no sul do país mudando-se para o norte de Chicago.
Para desgosto do reverendo Coles, Nat e os irmãos abandonaram os estudos ao meio por conta da música. Todos eles, incluindo os dois que formaram com Nat um trio, sonhavam com uma carreira na área. Mais tarde, já com outros músicos profissionais, o então pianista começou a tornar-se conhecido no país, o que constituía uma proeza num ambiente musical dominado, na época, pelo som das big bands. É que Nat não apenas era um excelente pianista de jazz como ainda marcava seu fraseado com uma noção de ritmo raramente vista, tanto que seu trio não tinha baterista.
Mais do que o bêbado da lenda, parece que foi Maria Ellington, a segunda mulher de Nat, quem o influenciou a lançar-se só como cantor, a partir de fins dos anos 40. Maria era cantora profissional, trabalhou inclusive na banda de Duke Ellington, com quem não tinha parentesco, enquanto Nadine Robinson, a primeira mulher, atuava como dançarina quando Nat a conheceu. O primeiro grande sucesso da carreira solo como vocalista, Nature Boy, de Eden Ahbez, estreou nas paradas de sucesso quando ele e Maria estavam em lua-de-mel em Acapulco, no México, em abril de 1948. Natalie, que há alguns anos reavivou um antigo sucesso do pai, Unforgettable, numa remixagem da gravação original com sua voz em dueto com a de Nat, foi a primeira filha. Depois, o casal adotou uma sobrinha da mulher, tornada órfã, e ainda um menino. Por fim, a prole se completou com duas gêmeas tidas por Maria já em 1961, quatro anos antes de Nat morrer de câncer no pulmão, sem abandonar o hábito de fumar três maços de cigarro por dia.
Na verdade, alguns anos antes do sucesso com Nature Boy, tornada uma canção emblemática nos Estados Unidos do imediato pós-guerra, para a geração rebelde de James Dean e companhia, Nat já cantava à frente de seu King Cole Trio. Como contratado da Capitol, chegou em 1946 ao primeiro lugar na Billboard com (I Love You) For Sentimental Reasons, de Best e Watson, regravada mais tarde até pelos Rolling Stones. Mas a diferença é que, com Nature Boy, ele se fez acompanhar pela primeira vez de uma orquestra completa, a de Frank Devol. E com o segundo mega-sucesso, Mona Lisa, de Livingston e Evans, em 1950, canção ganhadora do Oscar como a melhor do cinema naquele ano, composta para o filme Captain Carey, USA (Missão de Vingança), estrelado por Alan Ladd, o imortal Shane do maior faroeste de todos os tempos, Os Brutos Também Amam, sua carreira solo como cantor se consolidou para sempre.
Não era para menos. Embora, com excesso de modéstia, Nat afirmasse que não gostava da própria voz, que lhe soava umas duas oitavas fora das notas e nasalada em excesso, seus imitadores como Earl Grant não dão nem para o começo, numa comparação com ele. Nenhum deles conseguiu aveludar passagens com tanta propriedade quanto o imitado, e sobretudo conferir majestade a canções que com outra voz poderiam parecer banais. Para não ir longe, se você é anterior à geração da dance music sabe que clássicos da América Latina como Las Mañanitas, Aquellos Ojos Verdes, a Adelita que serviu de hino aos revolucionários de Castro em Cuba e até a brasileiríssima Andorinha Preta tiveram como gravações definitivas aquelas mesmo, cantadas com sotaque em espanhol ou em inglês por Nat King Cole, quando ele esteve por estas paragens.
E as novas gerações podem conferir a veracidade deste texto nos links abaixo, que remetem aos vídeos do site YouTube. Vale ouvir com atenção a leitura que Nat faz do clássico dos clássicos Stardust, de Carmichael e Parish; da mensagem de esperança contida em Smile, que o genial Carlitos compôs para o filme Tempos Modernos, de 1936, e valorizada no vídeo por um delicado desenho japonês; e ainda de When I Fall In Love, de Unforgettable na versão original, Andorinha Preta e Mona Lisa. Infelizmente, apesar do grande acervo reunido no endereço, faltam algumas obras-primas como Pretend, de Douglas, Parman, Lavere e Belloc, e A Blossom Fell, de Barnes, Cornelius e John, que nunca foi lançada em disco no Brasil. Paciência, não se pode querer tudo, afinal. Eis os links:
Stardust
Smile
When I Fall In Love
Unforgettable
Andorinha Preta
Mona Lisa
Por último, uma explicação para este post. Por que falar de Nat King Cole, sem mais nem menos, se não é centenário de nascimento nem cinqüentenário de sua morte, ocorrida em 15 de fevereiro de 1961? Resposta: e precisa haver motivo para falar de um cantor tão maravilhoso como ele?

terça-feira, 12 de setembro de 2006

Ubiratan Guimarães

Como não é todo dia que a Justiça condena alguém a 632 anos de prisão, o coronel Ubiratan Guimarães ganhou notoriedade por ter comandado a invasão do presídio do Carandiru, em São Paulo, pela Polícia Militar, no dia 2 de outubro de 1992, uma sexta-feira, em ação na qual foram mortos 111 detentos. Candidato à reeleição para a Assembléia Legislativa paulista pelo PTB – interessado sobretudo na imunidade parlamentar, como admitiu -, com um número que lembra a chacina, 14.111, o coronel foi encontrado morto em seu apartamento na noite do último domingo, vítima de um tiro no abdome desferido por alguém, a julgar pelos indícios, próximo dele.
Mas alvo preferencial em vida tanto para o PCC quanto para o Movimento Nacional dos Direitos Humanos, obviamente com alguma diferença de métodos e objetivos entre eles, ao invés de principal responsável pelo massacre do Carandiru o coronel pode ter sido o menos culpado. No jornal O Estado de S. Paulo de hoje há um depoimento nesse sentido de Percival de Souza, um jornalista da maior credibilidade, com longa vivência na cobertura de assuntos policiais.
Segundo Percival, Ubiratan sustentava que a ação violenta da tropa foi precipitada por um engano, quando seus comandados o viram sendo carregado, desacordado, depois que um tubo de aparelho de TV explodiu ao lado dele. Tudo o que aconteceu depois se passou sem seu conhecimento, porque permaneceu desacordado. Portanto, não só não desferiu um único tiro como também não deu a ordem para o ataque. Por lealdade a seus subordinados e amigos, no entanto, evitou transferir-lhes a culpa no julgamento e resignou-se com a pesada pena, depois anulada em instância superior. Nas confidências feitas ao jornalista, que pediu para manter guardadas até quando julgasse necessário, admitia os excessos cometidos pelos comandados.
Agora talvez seja o momento de uma revisão de conceito pelos muitos que o condenaram, além do júri. Se o coronel Ubiratan Guimarães era inocente da maioria das acusações que lhe imputaram, não é justo que carregue o fardo até depois de morto.

quinta-feira, 7 de setembro de 2006

O colecionador

A história de Wolfgang Priklopil, o engenheiro eletrônico que seqüestrou a menina Natascha Kampusch, então com 10 anos, e a manteve cativa até os 18, durante 3.096 longos dias, assemelha-se em muitos pontos com a do colecionador de borboletas da novela do escritor inglês John Fowles, filmada em 1965 pelo grande diretor americano de origem alsaciana William Wyler.
Na novela/filme, Freddie Clegg, um obscuro bancário, um zé-ninguém pobre, vivido na tela por Terence Stamp, compraz-se caçando borboletas e as espetando em caixas com tampo de vidro. Um dia, ganha na loteria, e com o dinheiro compra uma mansão abandonada em local ermo, constrói nela um quarto subterrâneo e captura sua maior borboleta: a bela Miranda Grey, interpretada no filme por Samantha Eggar.
Miranda não consegue entender que Freddie quer apenas monopolizar sua beleza, tê-la para si ao abrigo dos olhos da multidão para satisfazer um sentimento de posse mais espiritual que material. Frustradas as tentativas de fuga, muda de tática, procura obter compaixão, mostra-se amiga, oferece-se sexualmente a ele. Hoje em dia, tal comportamento de pessoas seqüestradas recebe o nome de 'síndrome de Estocolmo', em razão de um crime ocorrido alguns anos atrás na capital sueca. Esgotados todos os seus expedientes, Miranda se convence de que só sairá do cativeiro morta - como as borboletas colecionadas por seu seqüestrador.
Wolfgang manteve Natascha presa num quarto à prova de som, por ele construído debaixo da garagem de sua casa, nos arredores de Viena. Alimentou-a, cuidou de sua educação, pôs TV e rádio no quarto também equipado com pia e vaso sanitário. Não consta, pelo menos de acordo com os indícios reunidos até agora, que tenha sido um pedófilo. Cerca de um ano atrás, um amigo de Wolfgang conheceu Natascha. Não viu nada de anormal no comportamento da hoje bonita garota, nem ele poderia suspeitar de que se tratava da menina procurada há oito anos pela polícia austríaca.
No dia 23 de agosto passado, finalmente Natascha pôde aproveitar um descuido de Wolfgang para fugir. Na entrevista que deu ontem a alguns órgãos de imprensa locais e internacionais, não se referiu ao seu seqüestrador como um algoz. Mas disse que receava ficar no cativeiro até morrer.
No mesmo dia da fuga de Natascha, Wolfgang, 44 anos, se atirou na frente de um trem. Remorso ou medo das conseqüências do crime cometido? Pouco provável. Para ele, por mais monstruoso que isso pareça, Natascha pode ter sido a borboleta em cujas asas voava para voltar aos sonhos de infância. Algumas pessoas jamais conseguem se libertar desse liame. Talvez tenha sido o caso de Wolfgang.

quarta-feira, 6 de setembro de 2006

Não ao voto secreto

Antes tarde do que nunca, a Câmara dos Deputados aprovou ontem, em primeiro turno, o fim do voto secreto para suas decisões em plenário. Por ser emenda constitucional, a medida precisará ainda ser aprovada em segundo turno na casa e depois seguir para o Senado, onde se repetirá o ritual. Lá, há suspeitas de que possa ser rejeitada, porque a resistência dos senadores à matéria é reconhecidamente maior do que entre os deputados. As esperanças de que isso não ocorra repousam na reação contrária da opinião pública.
Uma das maiores conquistas das democracias ocidentais, o voto secreto foi adotado nos Estados Unidos e em alguns países da Europa ainda em fins do século 19, como complemento natural do sistema de sufrágio universal, no qual homens e mulheres, a partir de determinada idade e sem distinção de raça, condição social ou credos religiosos e políticos, podem escolher livremente seus representantes no Parlamento e governantes (estes últimos, não em alguns países). Mas se o anonimato se justifica na eleição dos representantes pela população, para evitar a opressão dos mais fracos pelos mais fortes, não há como invocar a mesma razão quando os representantes já eleitos deliberam sobre assuntos de interesse da população. O mandato político é conferido na suposição de que os escolhidos, revestidos do poder legitimamente conquistado, dirão às claras, em qualquer circunstância e para quem quiser ouvir, se estão ou não de acordo nas medidas postas em votação no Parlamento. Nesse sentido, a lealdade do eleito para com seus eleitores sobrepõe-se a todos os demais interesses, inclusive os de natureza pessoal ou derivados de orientação partidária.
Sem o voto secreto, dificilmente o plenário da Câmara teria rejeitado, como o fez, oito de onze recomendações de cassação de mandato de deputados mensaleiros, recebidas do Conselho de Ética da casa. O anonimato, nesse caso, favoreceu a pusilanimidade de alguns parlamentares e a compactuação com o delito de outros, num episódio que marcou para sempre, e de forma vergonhosa, a atual legislatura. A permanecer o voto secreto, a maior parte dos 69 deputados e 3 senadores envolvidos na denúncia da máfia dos sanguessugas também poderia escapar da cassação, o que seria o corolário de uma sucessão de atentados à moralidade e à ética política cometidos por integrantes do Legislativo federal que ainda têm o desplante de candidatar-se à reeleição.
Pelo resgate de um mínimo de dignidade no exercício da política – que não se pode pautar pelo conceito, expresso ontem pelo presidente Lula, de que "democracia não é só coisa limpa, não" -, os cidadãos de bem têm o dever de pressionar para que o projeto que acaba com o voto secreto nas decisões do Congresso também não seja transformado em outra grande pizza.