
Isso explica a série de injustiças cometidas ao longo da história do prêmio, que no entanto não chega a desmerecê-lo. Também nos festivais de cinema europeus mais importantes, Cannes, Veneza e Berlim, em que o júri é formado por um pequeno número de cineastas e artistas convidados, já houve decisões criticáveis. Além disso, o democrático colégio eleitoral do Oscar não se viu obrigado, nem neste ano, nem nos últimos vinte ou trinta, a fazer suas escolhas diante de uma safra de obras-primas. Ou seja, como os concorrentes ao prêmio de certa forma se equivaliam em torno de uma média elevada, a proclamação do resultado final, qualquer que fosse, não traduziria uma injustiça clamorosa.
Bem diferente foi o que aconteceu, por exemplo, em 1939. Naquele ano desfilaram diante dos membros da Academia, além do vencedor E o Vento Levou, de Victor Fleming, com Clark Gable e Vivien Leigh, clássicos absolutos como No Tempo das Diligências, um dos maiores westerns de John Ford, o número 1 do gênero, com John Wayne, O Mágico de Oz, a maravilhosa fábula com Judy Garland, dirigida também por Fleming, o inesquecível Ninotchka, com Greta Garbo, do mestre Ernst Lubitsch, A Mulher Faz o Homem, de Frank Capra, com um vibrante James Stewart, e sobretudo O Morro dos Ventos Uivantes, de William Wyler, com Laurence Olivier e Merle Oberon. Presença obrigatória em qualquer lista dos maiores filmes da história, O Morro (Wuthering Heights), conseguiu ser na condensação da linguagem cinematográfica até melhor do que o livro de Emily Bronté, no qual se baseou, num caso raro. Mesmo assim, perdeu o Oscar para o melodrama épico E o Vento Levou, bastante inferior a ele como obra de arte mas de grande sucesso nas bilheterias.
Onde talvez a 79a. premiação do Oscar tenha exagerado é no tom politicamente correto. Pela primeira vez houve uma mestre de cerimônias mulher, a apresentadora de TV Ellen De Generes, que não bastasse o gênero é ainda lésbica assumida. Simpática mas nada brilhante, as piadinhas sem graça de Ellen só parecem ter agradado mesmo é a Jack Nicholson, o cara que mais se diverte nas festas do Oscar. Ele ri por qualquer coisa. Riu até quando Ellen, em desespero de causa, começou a passar um aspirador de pó diante da primeira fila da platéia, para tentar parecer engraçada. A bola mais cantada do evento, a premiação de Martin Scorsese como melhor diretor, em sua sexta indicação, muito menos por Os Infiltrados e muito mais pelo conjunto da obra (ainda que seus melhores filmes sejam os de vinte ou trinta anos atrás), foi confirmada, assim como a do documentário ecológico Uma Verdade Inconveniente, produzido pelo ex-vice-presidente e candidato presidencial democrata derrotado pelo republicano Bush, Al Gore. A canção-tema do documentário, I Need to Wake Up (Preciso Acordar), que não é lá essas coisas, também foi premiada, dando à compositora e intérprete, Melissa Etheridge, outra lésbica assumida, a oportunidade de se referir à sua companheira como 'minha mulher' durante o agradecimento pela estatueta. Para completar, a escolhida para o prêmio humanitário Jean Hersholt foi Sherry Lansing, uma ex-atriz e ex-executiva da Paramount conhecida por suas ações em campanhas da Cruz Vermelha e de combate ao câncer.
Faz parte do espetáculo hollywoodiano, e também da concepção americana de vida, inserir em qualquer festa um chamado às massas para as causas nobres. Nada contra, mas o exagero incomoda. Um Oscar pelo conjunto da obra só faz sentido quando é concedido de forma honorária, e não por um filme qualquer. Charles Chaplin, Stanley Donen e o ator Peter O'Toole ganharam os seus dessa forma. No domingo foi a vez do compositor Ennio Morricone, que teve o discurso despojado e comovente, em italiano, traduzido por Clint Eastwood. A Academia faz com freqüência essa espécie de pedido de desculpas em público por erros cometidos no passado. Que, às vezes, são cabeludos. O'Toole, por exemplo, de novo candidato este ano, teve sua interpretação como o major T. E. Lawrence, em Lawrence da Arábia, clássico dirigido por David Lean, escolhida por críticos e colaboradores da prestigiosa revista americana Premiere, no ano passado, como a melhor de toda a história do cinema. No entanto, perdeu a estatueta de 1962 para Gregory Peck, de O Sol é para Todos (To Kill a Mockingbird), de Robert Mulligan. Além de galã um ótimo ator, Peck havia sido indicado antes quatro vezes sem levar o prêmio. Assim, levou o de 1962 pelo conjunto da obra, mesmo que seu trabalho como o advogado Atticus Finch não pudesse ser comparado à genial recriação de O'Toole para o torturado guerreiro inglês de terras árabes.