quarta-feira, 25 de abril de 2007

Oposição sem vértebras

"No estrito plano político, Lula se beneficia de uma conjunção única: não há candidato natural à sua sucessão; os presidenciáveis do outro lado, Serra e Aécio, sabem que seria suicídio eleitoral - e administrativo - se começassem a construir as suas candidaturas com a argamassa do antilulismo; e a oposição, ou o que resta dela, definha por ser incapaz de refazer as bandeiras que a sua própria incompetência permitiu que Lula esfarrapasse na reta final da campanha. Por fim, jogam a favor da hegemonia do presidente dois poderosos fatores estruturais: o Executivo é o centro de gravidade natural da política brasileira, e a ideologia há muito que deixou de contar no sistema partidário - com a eventual exceção do PT e do ex-PFL."
O fecho do primeiro editorial de hoje do jornal O Estado de S. Paulo, O paraíso astral do presidente, resume com perfeição a geléia geral em que se transformou o centro da política nesta república ao sul do equador. Pensando bem, nem haveria surpresa pela triste situação a que chegamos. O fato de o principal partido da oposição, o PSDB, por meio dos governadores José Serra, de São Paulo, e Aécio Neves, de Minas Gerais, em nome de supostas necessidades administrativas, ceder ao canto de sereia lançado melifluamente pelo atual ocupante do Palácio do Planalto – o qual, diga-se de passagem, revela como pássaro com cabeça de mulher, segundo a mitologia grega, um insuspeitado talento -, constitui uma prova cabal de que a nobre arte da política é exercida, nesta parte dos trópicos, por uma grande maioria de gente desprovida de vértebras e caráter. De cozinheiros assim não se poderia esperar, portanto, outras aptidões além de levar ao forno uma pizza tamanho família.
Leia-se, a propósito, o seguinte texto:
"Afirmo que o governo Lula é o mais corrupto de nossa história nacional. (...)
Afirmo ser obrigação do Congresso Nacional declarar prontamente o impedimento do presidente. As provas acumuladas de seu envolvimento em crimes de responsabilidade podem ainda não bastar para assegurar sua condenação em juízo. Já são, porém, mais do que suficientes para atender ao critério constitucional do impedimento. Desde o primeiro dia de seu mandato o presidente desrespeitou as instituições republicanas.
Imiscuiu-se, e deixou que seus mais próximos se imiscuíssem, em disputas e negócios privados. E comandou, com um olho fechado e outro aberto, um aparato político que trocou dinheiro por poder e poder por dinheiro e que depois tentou comprar, com a liberação de recursos orçamentários, apoio para interromper a investigação de seus abusos.
Afirmo que a aproximação do fim de seu mandato não é motivo para deixar de declarar o impedimento do presidente, dados a gravidade dos crimes de responsabilidade que ele cometeu e o perigo de que a repetição desses crimes contamine a eleição vindoura. Quem diz que só aos eleitores cabe julgar não compreende as premissas do presidencialismo e não leva a Constituição a sério. (...)
Afirmo que o governo Lula fraudou a vontade dos brasileiros, ao radicalizar o projeto com que foi eleito (...). Ao transformar o Brasil no país continental em desenvolvimento que menos cresce, esse projeto impôs mediocridade aos que querem pujança.
Afirmo que o presidente, avesso ao trabalho e ao estudo, desatento aos negócios do Estado, fugidio de tudo o que lhe traga dificuldade ou dissabor e orgulhoso de sua própria ignorância, mostrou-se inapto para o cargo sagrado que o povo brasileiro lhe confiou."
Quem o escreveu, em novembro de 2005, um ano antes das últimas eleições? Roberto Mangabeira Unger, brasileiro, professor de Direito em Harvard. Pois Mangabeira Unger, guru do ex-ministro Ciro Gomes, ultimamente meio ressabiado com Lula por não ter sido seu partido, o PSB, bem aquinhoado na distribuição de cargos no governo, vai assumir no próximo dia 4 o cargo de ministro (o 36.o) da Secretaria de Ações a Longo Prazo. E, segundo o repórter Leonencio Nossa, do jornal O Estado, fará na data um discurso de desculpas por suas ofensas ao presidente no passado.
Diz-se que um homem inteligente não fica a vida inteira montado sobre uma idéia. De fato, ninguém está livre de equívocos, e quando estes se evidenciam é o caso de mudar de opinião. Mas se a mudança de posição é feita não por uma evidência em contrário, e sim apenas por interesse pessoal, isso ganha outro nome. É desonestidade.
Por essas e outras, cabe aplaudir a atitude tomada pela ex-deputada Zulaiê Cobra Ribeiro. Cria política do falecido ex-governador Mário Covas, Zulaiê ficou sem mandato por ter concorrido nas últimas eleições como suplente do candidato a senador pela coligação PSDB-PFL, Guilherme Afif Domingos, derrotado por Eduardo Suplicy, do PT. Mas com seu estilo estridente nunca deixou de dizer umas verdades. Como agora, ao se desfiliar do PSDB. "Estou decepcionada", declarou ontem, ao anunciar a decisão. "O partido não corresponde mais aos meus ideais. Está subserviente ao Lula, longe das ruas, do povo. Em 2005 e 2006 não fez uma oposição séria. E este ano elegemos o Arlindo Chinaglia (como presidente da Câmara do Deputados). O PSDB vota no PT."
Que fizeram de ti, PSDB?

sábado, 14 de abril de 2007

Voz no deserto

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso continua a ser a voz mais iluminada e consciente da oposição. Deu novamente uma mostra disso, ao ser procurado por repórteres ao final da palestra que proferiu ontem na Associação Comercial do Rio, sob o tema A reinvenção do futuro das grandes metrópoles e a nova agenda de desenvolvimento econômico e social da América Latina.
Fernando Henrique não só repudiou a forma como o governo atual tenta abrir um canal de diálogo com a oposição – "Qualquer discussão fora do Congresso tem um certo cheiro de cooptação, de chamar para amortecer. E aí eu não gosto", afirmou – como fez uma dura crítica ao seu próprio partido, o PSDB, por este ter abandonado bandeiras programáticas na última campanha presidencial. "Não houve uma proposta nítida que dissesse que nós somos diferentes, defendemos isso e isso, queremos tais coisas", declarou, segundo a reportagem de Wilson Tosta no jornal O Estado de S. Paulo de hoje. "Nem a privatização fomos capazes de defender. Privatizamos o que precisava ser privatizado, foi um êxito e nós não dissemos isso. A culpa é muito mais nossa do que da população."
De fato, durante a campanha o PSDB reagiu como o otário da anedota à malandragem petista de transformar as privatizações numa espécie de maracutaia montada para enriquecer uns poucos à custa da nação. Além de não mostrar que se tratava de uma torpe mentira, destinada tão-somente a angariar votos junto aos incautos e desinformados, não apresentou um número sequer, dos muitos que há, a respeito dos benefícios trazidos ao país pela privatização de empresas estatais ineficientes e onerosas. Pior: tentou convencer o eleitorado de que um futuro governo Alckmin não venderia ao setor privado o Banco do Brasil, a Petrobrás e a Caixa Econômica Federal, quando o correto, de acordo com o programa do partido, teria sido dizer que qualquer estatal, dependendo das circunstâncias, poderia ser privatizada. Em outras palavras, vestiu a carapuça e permitiu ao adversário meter-lhe um gol pelo meio das pernas.
O PSDB foi castigado por desprezar o primeiro ensinamento de qualquer manual de estratégia: nunca fazer o jogo do inimigo. Mas não parece ter aprendido a lição. Vários de seu integrantes, como o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, substituíram o discurso oposicionista por tapinhas no traseiro, na relação com o Planalto. Agem como se Lula se tivesse transformado numa entidade com poderes sobrenaturais, merecedora de vassalagem por todos que pensem em sucedê-la no poder.
Como o eleitor poderá escolher, se a oposição se confunde com a situação numa massa amorfa, sem propostas alternativas? Com a falta de caráter e compostura que é sua maior marca, o atual governo já montou uma base de apoio de tamanho suficiente para atuar como rolo compressor nas votações do Congresso. Não precisa da leniência da oposição.
A eleição acabou há quase cinco meses, é hora de despertar da letargia. Os partidos da oposição, e o PSDB em particular, não podem deixar que Fernando Henrique continue a clamar solitário no deserto. Não podem permitir que seu sucessor, o presidente-camaleão, como o definiu o jornal O Estado de S. Paulo em referência ao vergonhoso rapapé de Lula enaltecendo políticos do PMDB como Jader Barbalho e Orestes Quércia, que ele próprio vituperava com os piores nomes em passado não muito distante, continue nadando de braçada, impune, senão pelos desmandos, ao menos por suas agressões à verdade dos fatos.

quinta-feira, 12 de abril de 2007

Navegar é preciso

Políticos do PSDB, entre eles os deputados José Aníbal e Arnaldo Madeira, ambos de São Paulo e ex-líderes de governo durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso, mostram-se desanimados diante das pesquisas de opinião - na terça-feira passada do instituto Sensus e agora do Ibope - que mostram um alto índice de aprovação popular do presidente Lula, em torno de 50%, apesar das crises do setor aéreo e da segurança. "Estamos aniquilados", teria desabafado Aníbal, segundo um despacho da Reuteurs assinado pelos jornalistas Ricardo Amaral e Natuza Nery. "A Câmara se transformou numa extensão do Executivo. Aqui se vota o que o governo quer", teria afirmado por sua vez Madeira.
O desânimo dos políticos oposicionistas contrasta com a indignação que parte da opinião pública continua a demonstrar diante da inoperância, ou de coisas piores, do governo Lula. No jornal O Estado de S. Paulo de hoje, uma leitora, Maria Helena M. Borges Martins, manifesta-se assim: "Trabalho como voluntária num hospital infantil do Estado e em 10/4 presenciei o caso de uma criança de 2 anos que foi atacada por ratos em razão da precariedade da moradia em que vive com mais cinco irmãos. Agora vejo nos jornais que os deputados aumentaram seus salários, diminuíram a carga horária da jornada de trabalho e que o presidente tem seu índice de popularidade em alta. Quero vomitar mas não consigo! Que brasileiros são esses que elegeram essa quadrilha?"
Por maior que seja o desalento causado pelas pesquisas de opinião à parcela da população e aos políticos que se opõem ao atual governo, no entanto, como cidadãos eles têm o dever de não abandonar sua crença no futuro do país. Ou seja, apesar da tormenta é preciso navegar, como dizia o grande Ulysses Guimarães. E isso requer a manutenção da racionalidade acima da paixão, algo como o que se vê neste trecho do artigo do jornalista e filósofo Gilberto de Mello Kujawski, no mesmo Estadão de hoje. "Lula não pega nem no tranco. Então, sem governo, sem oposição, como é que o país continua de pé?", indaga ele, para depois concluir: "No Brasil, escreve-se certo por linhas tortas. O método é confuso, mas o conjunto da obra nos redime. Talvez seja esta a verdadeira originalidade brasileira".
No fundo, não há nada de errado no fato de um presidente desfrutar de aprovação popular. Como a Presidência da República é a maior das instituições de nossa democracia, uma crise de confiança ligada a ela produziria turbulências capazes de conduzir a um retrocesso político que poucos hão de querer, num país ainda não refeito dos vinte anos que amargou de restrição das liberdades.
Desse ponto de vista, portanto, é até desejável que Lula continue no seu pedestal, mesmo que de barro, porque isso faz parte da normalidade democrática. Mas isso também não significa que devamos abdicar da capacidade de nos indignar perante acontecimentos afrontosos às nossas consciências como homens e cidadãos.
A sinceridade, irmã da honestidade, deve ser cobrada de todos, do mais simples cidadão ao mais poderoso ou influente. É por isso que os políticos da oposição se fazem hoje merecedores de um bom puxão de orelhas. A política praticada com decência não pode visar apenas aos resultados de eleições. Ela deve estar voltada para algo bem maior, o futuro do país. E, nesse sentido, antes de se lamentar a popularidade de um presidente é preciso que cada um assuma as suas responsabilidades. A começar pela definição clara do papel que se propõe a desempenhar, sem medo de ser rotulado como de direita pelos idiotas que posam de bons samaritanos. Subterfúgios e meias-palavras são recursos próprios de quem apenas quer enganar o eleitorado. Usá-los é igualar-se àqueles a quem dirigem seus anátemas.

quarta-feira, 4 de abril de 2007

Apagão com crise militar

Em sua coluna no jornal Folha de S. Paulo de hoje, o jornalista Elio Gaspari usa seus pendores de historiador e agudo analista para lembrar do perigo de ocorrer uma crise militar junto com o apagão aéreo, por culpa da irresponsabilidade com que o presidente Lula tem agido frente ao caso.
"Evitando enfrentar com as leis militares a insubordinação dos sargentos da FAB que operam o sistema de controle de vôos do país", escreve Gaspari, "Nosso Guia amarelou em pelo menos duas ocasiões. A primeira, em novembro, quando a FAB recuou da decisão de aquartelar os militares. Semanas depois, havia brigadeiros negociando com sargentos. Era o início da pane hierárquica. A segunda, na última sexta-feira, quando mandou o ministro do Planejamento para uma reunião sindical com amotinados que haviam posado para fotografias, refestelados e coloridos. Pior: desautorizou o comandante da Aeronáutica, que determinara a prisão dos insubordinados."
Depois de lembrar que apesar de ter havido outras crises militares no passado por quebra de hierarquia, superadas com anistias concedidas pelo Congresso, Gaspari diz que o risco atual é especialmente grave porque conta, no nascedouro, com a interferência direta do presidente da República, ao contrário das anteriores. "Já apareceram comissários que conhecem 'brigadeiros progressistas' e parlamentares que recebem acenos de oficiais indignados. Essas duas espécies estão por aí, ciscando nos conciliábulos de Brasília", relata. E finaliza: "São nefandas figuras, retratadas em 1965 pelo marechal Castello Branco: 'Eu os identifico a todos. E são muitos deles, os mesmos que, desde 1930, como vivandeiras alvoroçadas, vêm aos bivaques bolir com os granadeiros e provocar extravagâncias do poder militar'. Desde 1981, o Brasil não vê extravagâncias do poder militar. O que menos se precisa é do ressurgimento das vivandeiras". (Explicação: vivandeira, na definição do Dicionário Aurélio, é mulher que vende mantimentos, ou que os leva, acompanhando tropas em marcha. Evidentemente, aqui Gaspari emprega a palavra em sentido mais amplo.)
Os militares, em qualquer lugar do mundo, têm suas normas de disciplina, sem as quais nenhum exército, marinha ou força aeronáutica funcionaria. E a base da disciplina militar é a hierarquia, necessariamente mais rígida do que em organizações civis. Imagine-se uma oficial subordinada, tipo uma capitã, querendo discutir sua relação com o chefe, amante ou eventualmente marido, ao receber uma ordem no fragor do combate. Seria algo tão impensável quanto um sargento que se amotina e pede a desmilitarização do serviço de controle aéreo, mancomunado com os colegas civis, como na atual baderna que se instalou nos aeroportos brasileiros. Para manter a disciplina, o superior hierárquico só pode mandar prender, ou no caso de guerra até submetê-los à corte marcial para um fuzilamento, os subordinados que não cumpram uma ordem explícita. Alguns segundos perdidos no disparo de um canhão podem custar a perda de um navio ou de parte de um destacamento de infantaria. Uma batalha pode terminar em derrota, talvez a própria guerra.
Mesmo assim, o Brasil tem um presidente que desautoriza o comandante da Aeronáutica e manda em seu lugar um ministro civil para negociar com os grevistas, muitos deles militares. E a Folha também publica hoje que Lula recuou da posição anterior para autorizar a prisão dos sargentos no caso de uma nova greve. Ou seja, além de tudo, parece tão perdido quanto o ministro Paulo Bernardo, do Planejamento, que prometeu aos grevistas patrocinar uma futura anistia, além da desmilitarização do serviço, um processo de condução complicada e finalização incerta. Lula tem muito a aprender, nessa área, com o colega americano George W. Bush. Uma iminente crise no setor foi resolvida antes de acontecer porque Bush não impediu o comando militar de prender os insubordinados. Mais: havia controladores civis reservas, treinados com antecedência, e que assumiram o serviço para não causar transtornos aos passageiros.
Já no Brasil de Lula, bem, como se não bastasse o inferno vivido pelos passageiros nos aeroportos, na semana passada, avizinha-se uma Páscoa em que filhos e netos deixarão de ver pais e avós, além de sofrerem horas, talvez madrugadas inteiras, com filas, tumultos e a falta de respeito de vôos cancelados sem prévio aviso. Há muito o transporte aéreo deixou de ser um luxo para tornar-se uma necessidade cotidiana dos cidadãos. Alguém precisa avisar o presidente sindicalista sobre isso.

Em busca das cadeiras perdidas

O PSDB deu início ontem ao movimento oposicionista de recuperação de cadeiras na Câmara dos Deputados, conquistadas nas eleições de outubro do ano passado mas depois perdidas para o bloco governista, ao protocolar na Mesa Diretora da casa pedido de declaração de vacância de mandato para sete parlamentares que trocaram o partido por outro nos últimos meses.
O PSDB pede ainda que a Mesa, no prazo de 48 horas após a declaração de vacância, convoque os suplentes do partido eleitos, por ordem decrescente de votos recebidos, para ocupar os cargos assim abertos. A principal legenda da oposição quer cassar o mandato de sete vira-casacas, hoje em outras pousadas: Armando Abílio (agora no PTB-PB), Atila Lira (no PSB-PI), Djalma Berger (no PSB-SC), Leo Alcântara (no PR-CE), Marcelo Teixeira (no PR-CE), Vicente Arrruda (no PR-CE) e Vicentinho Alves (no PR-TO). Os três deputados cearenses seguiram os passos de Lúcio Alcântara, ex-governador do estado, que saiu do PSDB depois de desentender-se com o presidente do partido e conterrâneo, senador Tasso Jereissati.
O DEM (ex-PFL), o PPS e o PDT também querem reaver o espaço perdido na Câmara, num total de 24 assentos contando-se os sete do PSDB. Desde as eleições de outubro, 37 deputados mudaram de legenda, seja da oposição para a situação, seja dentro do bloco governista. E o contra-ataque dos oposicionistas se faz com respaldo na declaração da semana passada do Tribunal Superior Eleitoral, TSE, de que o mandato pertence em primeiro lugar ao partido ou à coligação, e não ao parlamentar eleito, no sistema proporcional.
Em nome da moralização dos costumes políticos no país, espera-se que mesmo com os eventuais cassados recorrendo ao Supremo Tribunal Federal, STF, este mantenha a decisão tomada pelo TSE no sentido de punir a infidelidade partidária. E se agir assim a corte o fará coberta de razão, pois mais da metade (58%) da atual Câmara dos Deputados, segundo um levantamento do jornal Folha de S. Paulo, já trocou de legenda pelo menos uma vez ao longo da carreira política. O mais infiel de todos é Airton Roveda, do PR do Paraná, com sete trocas. Mas mesmo o presidente do Conselho de Ética da Câmara, Ricardo Izar, do PTB de São Paulo, não pode posar de modelo nesse quesito. Ele já mudou de partido cinco vezes.
Tecnicamente, o STF terá grande dificuldade em atender aos recursos dos eventuais cassados para a recuperação do mandato, não só porque em geral não se imiscui na seara do TSE, onde três de seus ministros mantêm assento, como também porque o Código Eleitoral de 1965, que legislou sobre o polêmico quociente eleitoral nos pleitos proporcionais, está em plena vigência, acolhido pela Constituição de 1988.
Em dezembro do ano passado, o pequeno PSL – Partido Social Liberal, que não conseguiu eleger ninguém para o Congresso Nacional, encaminhou ao procurador-geral da República, Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, por meio do secretário geral da Executiva Nacional, o advogado Ronaldo Nóbrega Medeiros, pedido oficial de ajuizamento de uma ação direta de inconstitucionalidade no STF, em relação aos artigos do Código Eleitoral que tratam do quociente. Como essas coisas costumam demorar para andar, mesmo que o procurador-geral acate a solicitação do PSL, não é por aí que os deputados vira-casacas deverão encontrar uma saída para o seu caso.
Resta, então, a alternativa de tentar acabar com o quociente eleitoral por meio de uma emenda constitucional, que exige uma maioria de três quintos do Senado e da Câmara. Mas aqui existe um outro problema, e dos grandes. Além de a própria base de apoio do governo não saber se já está com essa bola toda, a ponto de mudar a Constituição, mais de 90% dos atuais deputados foram eleitos graças à aplicação do quociente. Segundo o ministro Cesar Asfor Rocha, do TSE, relator da declaração sobre a titularidade dos mandatos em eleições proporcionais, apenas 31 dos 513 deputados (ou seja, míseros 6,04%) obtiveram seus cargos com os próprios votos, pernas e recursos. Todos os demais não estariam na Câmara não fosse o quociente. Como justificar, assim, a tentativa de derrubar um instituto que os elegeu, mesmo com toda a caradura que caracteriza a maioria dos políticos brasileiros?
O irônico nessa história é que o tal quociente representa de verdade uma aberração jurídica, por contrariar o espírito da democracia representativa. O dispositivo permite a partidos pequenos eleger deputados federais com ínfima expressão, como o coronel Paes de Lira, do PTC de São Paulo, que obteve 6 673 votos nas últimas eleições, ao mesmo tempo em que pune as legendas maiores ao deixar de fora gente com mais de 100 000 votos. É que se chega ao resultado final da aplicação do quociente por meio de sucessivas operações matemáticas, primeiro pela divisão do total de votos válidos, sem os brancos e nulos, pelo número de cadeiras da Câmara, depois pela divisão do total de votos válidos de cada partido pelo quociente obtido na operação anterior e em seguida pela distribuição das sobras (vagas não preenchidas porque os candidatos ficaram abaixo do quociente definido para cada partido) uma a uma, por ordem de resultado das legendas. Pelas contas do relator do TSE, portanto, apenas 31 dos atuais deputados não precisaram das sobras, que são dos partidos e não de cada candidato em particular, para se eleger.
Em resumo, a lei pode estar errada, mas se mais de 90% dos atuais deputados federais chegaram aonde estão graças a ela, esses mais de 90% não têm como argumentar contra ela para defender seus mandatos. A lei pode ser mudada? Pode, mas o efeito dessa mudança só pode valer para a próxima legislatura, não para a atual. Qualquer saída que se encontre fora disso não passará de grossa maracutaia.

terça-feira, 3 de abril de 2007

Imite o caracol

O texto seguinte foi escrito por um brasileiro que vive na Europa e trabalha para uma empresa sueca. O que se publica é um trecho do original do autor não identificado que circula por e-mail, aqui com ligeira edição por parte do blog.

"Há um grande movimento na Europa hoje, chamado 'slow food'. A Slow Food International Association, cujo símbolo é um caracol, tem sua base na Itália (o site http://www.slowfood.com/ é muito interessante. Veja-o!).
O que o movimento prega é que as pessoas devem comer e beber devagar, saboreando os alimentos, 'curtindo' seu preparo, no convívio com a família, com os amigos, sem pressa e com qualidade. A idéia é a de se contrapor ao espírito do 'fast food' e o que ele representa como estilo de vida que o americano endeusou.
O 'slow food' está servindo de base para um movimento mais amplo chamado 'slow Europa'. Como salientou a revista Business Week numa edição européia, a base de tudo está no questionamento da pressa e da loucura geradas pela globalização, pelo apelo à 'quantidade do ter' em contraposição à qualidade de vida ou à qualidade do ser. Segundo a Business Week, os trabalhadores franceses, embora trabalhem menos horas (35 horas por semana) são mais produtivos que seus colegas americanos ou ingleses. E os alemães, que em muitas empresas instituíram uma semana de 28,8 horas de trabalho, viram sua produtividade crescer nada menos que 20%.
Essa chamada atitude 'slow' está chamando a atenção até dos americanos, apologistas do 'fast' (rápido) e do 'do it now' (faça já). Portanto, essa atitude sem pressa não significa fazer menos, nem ter menor produtividade. Significa, isso sim, fazer as coisas e trabalhar com mais qualidade e produtividade, com maior perfeição, atenção aos detalhes, e com menos stress. Significa retomar os valores da família, dos amigos, do tempo livre, do lazer, das pequenas comunidades, do 'local', presente e concreto, em contraposição ao 'global', indefinido e anônimo. Significa a retomada dos valores essenciais do ser humano, dos pequenos prazeres do cotidiano, da simplicidade de viver e conviver, e até da religião e da fé. Significa um ambiente de trabalho menos coercitivo, mais alegre, mais 'leve' e, portanto, mais produtivo, onde seres humanos, felizes, fazem com prazer o que sabem fazer de melhor.
Gostaria que você pensasse um pouco sobre isso. Será que os velhos ditados 'Devagar se vai ao longe', ou ainda 'A pressa é inimiga da perfeição', não merecem novamente nossa atenção nestes tempos de desenfreada loucura? Será que nossas empresas não deveriam também pensar em programas sérios de 'qualidade sem pressa', até para aumentar a produtividade no trabalho e a qualidade de nossos produtos e serviços sem necessariamente prejudicar a 'qualidade do ser'?
No filme Perfume de Mulher há uma cena inesquecível, em que um personagem cego, vivido por Al Pacino, tira uma moça para dançar embora ela diga: "Não posso, porque meu noivo vai chegar em poucos minutos". Ao que ele responde: "Mas em um momento se vive uma vida", e passa a conduzi-la nos passos de um tango. Esta pequena cena é o momento mais bonito do filme.
Algumas pessoas vivem correndo atrás do tempo, mas parece que só o alcançam quando morrem enfartadas, ou algo assim. Para outros, o tempo demora a passar: ficam ansiosos com o futuro e se esquecem de viver o presente, que é o único tempo que existe.
Tempo todo mundo tem, e por igual. Ninguém tem mais nem menos do que 24 horas por dia. A diferença é o que cada um faz do seu tempo. Precisamos saber aproveitar cada momento, porque, como disse John Lennon, 'A vida é aquilo que acontece enquanto fazemos planos para o futuro'... "