sexta-feira, 8 de agosto de 2008

De vírgulas e hífens

Faz alguns anos, donos de jornais e revistas mandaram embora os revisores, para economizar. Hoje, os poucos revisores que ainda resistem na profissão encontram trabalho na área apenas como freelancers, cuidando sozinhos da edição inteira de uma revista ou realizando tarefas pontuais em jornais. Os patrões podem ganhar dinheiro com essa economia porca, mas os leitores perdem qualidade.

Se erros ortográficos são evitados com o uso de dicionários eletrônicos, os de gramática e pontuação escapam. Um revisor atento poderia, por exemplo, livrar a coluna de hoje do escritor Ignácio de Loyola Brandão, no jornal O Estado de S. Paulo, da vírgula indevida neste trecho: “Um estudante que veio me entrevistar, perguntava e olhava para as estantes”. Para estar correta, ela precisaria da companhia de outra vírgula depois da palavra ‘estudante’. Isolada, separou o sujeito da oração do verbo. A oração também poderia não ter vírgula nenhuma, embora assim talvez se ressentisse da falta de pausa, necessária à clareza.

Cometido ou não apenas por descuido do autor da coluna, um erro de pontuação sempre incomoda. E dizer que vírgula é mais uma questão de respiração não passa de disparate.

Muitas vezes, um erro de pontuação pode alterar o sentido de uma frase. Nunca me esqueci da lição recebida de uma professora de latim, no ginásio. Quando se preparava para sua grande campanha, na qual conquistou a maior parte do mundo que se conhecia na época, contou ela, Alexandre Magno enviou seus generais aos oráculos, porque queria saber se teria êxito. Os oráculos transmitiram aos generais quatro palavras isoladas: ‘irás’, ‘voltarás’, ‘não’ e ‘morrerás’. Solertes, os generais levaram a Alexandre a mensagem como a entenderam: “irás, voltarás, não morrerás”.

Confiante, Alexandre partiu, com o vigor dos 20 anos recém-completados. Derrotou o poderoso exército persa de Dario, além de outros inimigos, e anexou ao pequenino reinado da Macedônia, de onde partira, todos os territórios ao norte, nordeste e leste, até os limites da atual China. Mas morreu pouco antes de completar 33 anos, depois de mais de 12 em campanha ininterrupta, no ano 323 AC - não em batalha e sim com sinais de envenenamento, ao que se diz por obra da mulher, Roxana, inconformada por Alexandre querer deixá-la por uma princesa oriental, filha de Dario.

De volta à Macedônia, os generais foram cobrar os oráculos. Como puderam eles passar uma mensagem tão errada, de que Alexandre não morreria, se tinham ouvido os deuses? Então, os oráculos lhes responderam: “Não, vocês é que se enganaram. Vocês leram a mensagem assim: irás, voltarás, não morrerás. Mas na verdade ela dizia: Irás. Voltarás? Não. Morrerás”.

Ou seja, faltou um revisor para ajudar os generais. Se houvesse uma vírgula depois da negativa, provavelmente teriam interpretado a mensagem de outro modo, como queriam os oráculos.

Como escritor, e dos bons, Brandão sabe usar vírgulas, sobretudo em lugar de pontos finais. Observe-se sua precisão nestes trechos da crônica de hoje: “Outro queria saber se eu tinha livros de matemática, de geometria, respondi que não”, “O homem veio para uma série de reparos e, como era final de tarde, apanhou a mulher no trabalho e trouxe-a, daqui de casa iriam embora” e “Ela é uma dona de casa comum, o marido diz que muito diligente”. A concisão mostrada nessas construções Brandão talvez a tenha trazido dos tempos de repórter de jornal, nos anos 60. Se há um mérito maior no texto dito jornalístico, ele é o da economia de palavras, que pode ser encontrada, no exemplo mais evidente, nos contos e romances de Ernest Hemingway, também um dublê de jornalista e escritor.

No terceiro trecho citado, ocorre outra dúvida. Por que Brandão não escreveu ‘dona de casa’ com hífens, como mandam os dicionários? Teria sido outro descuido ou foi proposital? De fato, não faz o menor sentido tentar diferenciar a mulher que trabalha no lar da mulher que tem a posse de uma casa. O contexto em que se emprega a expressão já a explicaria.

Há inúmeras regras inúteis como essa na língua portuguesa. Alguém conseguiria explicar por que se deve usar boa-fé e má-fé, substantivados, com hífen, quando na forma de um adjetivo e de um substantivo juntos os termos expressam o mesmo significado? Infelizmente, nem a reforma ortográfica em via de adoção resolverá o problema, porque ela se limita a suprimir o sinal nas palavras compostas em que o primeiro elemento termine com uma vogal diferente da que inicia o segundo, ou em que o segundo elemento comece com ‘r’ ou ‘s’, quando então a palavra se tornará uma só, dobrando-se as consoantes. Exemplos: infra-estrutura passa para infraestrutura, mini-salão para minissalão, contra-regra para contrarregra, e assim por diante. A nova regra não se aplicará quando o segundo elemento começar com ‘r’ e o primeiro terminar com a mesma consoante. Assim, hiper-requintado, hiper-realismo e outras palavras compostas seguirão separadas por hífen. E também dona-de-casa, boa-fé, má-fé. Bem fazem os povos que usam o inglês, pois juntam tudo que podem para facilitar as coisas.

Mas, mesmo por lá, os revisores têm sua importância.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Futebol covarde

Se o time do Dunga só joga isso que mostrou hoje, o Brasil já pode dar adeus à sonhada medalha de ouro do futebol nas Olimpíadas. É inacreditável que para enfrentar esses belgas pernas-de-pau o técnico brasileiro tenha escalado três volantes, dos quais dois, Hernanes e Lucas, claramente instruídos a não passar do meio de campo. Na única vez em que desobedeceu à ordem e foi à frente, Hernanes fez o gol da magérrima vitória. Convenhamos, 1 a 0, diante de uma Bélgica jogando com nove, é demais. Ou melhor, de menos.

O Alexandre Pato, tadinho, ficou o primeiro tempo todo jogando só, porque o Ronaldinho Gaúcho se acomodou no lado esquerdo do campo e nada fez além de esticar umas bolas para dentro da área. Correção: bateu bem uma falta, porque disso é capaz, mas não deu nenhum pique ao seu antigo estilo, nem foi brigar na zona do agrião (saudades do João Saldanha) para ajudar o Pato.

No segundo tempo, o zagueirão Company, braços de boxeador, foi expulso. E o que fez o Dunga? Ao invés de botar dois atacantes para martelar a defesa adversária, tirou Pato e colocou Jô. Trocou, como se diz, seis por meia dúzia. Pior: não abriu mão de continuar com três volantes, trocando Anderson por Ramires. Depois, o volante-gigante (no tamanho, não na bola) dos belgas, Fellaini, também seria expulso, mas o time brasileiro continuou tocando pra lá e pra cá, num esquema de jogo covarde e medíocre.

Na Copa do Mundo de 1990, o técnico Sebastião Lazaroni decretou a ‘era Dunga’ no esquema de jogo da seleção principal. Deu no que deu: Maradona entortou Dunga e passou a bola para Caniggia, que fez 1 a 0 para a Argentina e desclassificou o Brasil. A atual seleção olímpica lembra bem a principal daquela Copa. Sua proposta, tornada evidente hoje, é não correr riscos e, se der, ganhar por 1 a 0. O problema é que com tal filosofia o caldo quase sempre entorna, fazendo o time perder por 1 a 0.

Os jornais de hoje noticiam que a seleção principal do Brasil foi rebaixada para um vexatório sexto lugar no ranking mundial, a pior colocação desde 1993. Também pudera: dos seis jogos já disputados nas Eliminatórias sul-americanas para a Copa de 2010, só ganhou dois. É a era Dunga de novo, agora no comando da seleção.