quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Bogart e o xadrez

Acabo de descobrir no site Chessgames.com, que recomendo aos aficionados desse esporte, que o grande Humphrey Bogart, um mito do cinema, foi também um bom jogador amador de xadrez. Tão bom que numa partida simultânea empatou com Samuel Reshevsky (26/11/1911-4/4/1992), um dos maiores enxadristas do mundo na época. Polonês naturalizado americano, Reshevsky foi seis vezes campeão de xadrez dos Estados Unidos e chegou a postular o título mundial. Menino-prodígio, com apenas 9 anos de idade, recém-emigrado com a família para o país, enfrentou 20 cadetes e oficiais da Academia Militar de West Point numa simultânea. Ganhou de 19 e empatou com um.

Bogart, inesquecível por seus papéis em filmes como O Falcão Maltês (The Maltese Falcon, 1941, de Howard Hawks), Casablanca (idem, 1942, de Michael Curtiz), À Beira do Abismo (The Big Sleep, 1946, também de Hawks), O Tesouro de Sierra Madre (The Treasure of Sierra Madre, 1948, de John Huston), Uma Aventura na África (The African Queen, 1951, também de Huston), A Condessa Descalça (The Barefoot Contessa, 1954, de Joseph L. Mankiewicz), Sabrina (idem, 1954, de Billy Wilder) e A Nave da Revolta (The Caine Mutiny, 1954, de Edward Dmytryk), entre outros, deixou viúva a bela e grande atriz Lauren Bacall, com quem fora casado de 1945 a 1957.

Conheceram-se durante as filmagens de Uma Aventura na Martinica (To Have or Have Not, 1944, outro filme de Howard Hawks), baseado numa novela de Ernest Hemingway e com participação no roteiro de ninguém menos que William Faulkner, também Nobel de Literatura. Era o primeiro papel de Lauren, selecionada por Hawks depois de vê-la na capa da revista Harper’s Bazaar. Dizia-se que Bogart estava interessado na outra atriz principal do filme, Dolores Moran, mas ele tinha olhos mesmo é para a Lauren, com quem se casou no ano seguinte, ele com 45 e ela com 20 anos (Bogart nasceu no dia de Natal de 1899, Lauren em 16/9/1924).

Companheira de todas as horas, Lauren foi com o marido uma ativista contra o macartismo, apesar dos riscos envolvidos. Por sinal, talvez para mostrar que não misturava as coisas, Bogart trabalhou com o diretor Dmytryk, um ex-colaborador macartista em A Nave da Revolta, junto com outros atores de peso como José Ferrer, Van Johnson e Fred MacMurray, e obteve sua terceira indicação ao Oscar como melhor ator por seu papel como o desequilibrado capitão do navio que é destituído do posto por um motim a bordo. As outras foram por Casablanca e Uma Aventura na África, esta última com sucesso.

Lauren também jogava xadrez e com talento, tanto que em 1945 seu casório com Bogart foi celebrado na capa da revista Chess Review. E em 1951 disputou contra ele uma partida que está nos anais do site Chessgames.com, registrada com o mesmo nome do filme no qual se conheceram. A abertura empregada por Bogart, jogando com as peças brancas, foi a Ruy Lopez, e a defesa escolhida por Lauren, a Espanhola, em fianqueto. Bogart precisou suar 31 lances até que a mulher abandonasse a partida.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Os stunts de dona Matilde

Na obra-prima Kagemusha – A Sombra do Samurai (Kagemusha, 1980), Akira Kurosawa mostra como jovens cortesãos serviam de escudos humanos para seus senhores no campo de batalha. Mal tombava um, outro se postava à frente para levar os tiros endereçados ao alvo real.

No Japão feudal e em outros lugares do mundo, reis, imperadores e governantes sempre tiveram seus escudos humanos, gente disposta a fazer o papel de bucha de canhão – isso, para não falar dos stunts, profissionais que substituem os astros de cinema nas cenas mais arriscadas. Em viagens ou nas masmorras, o provador experimentava antes a comida destinada ao rei, com o objetivo de evitar que este fosse envenenado. Napoleão, na sua soberba de se julgar um predestinado, não tomou esse cuidado e morreu por overdose de arsênio em 1821, na ilha de Santa Helena, onde fora confinado pelos ingleses após a Batalha de Waterloo. No atentado contra o presidente americano Ronald Reagan, em 1981, não foi um agente de segurança mas sim seu secretário de Imprensa, James Brady, quem levou um dos tiros disparados por John Hinckley, Jr, e se tornou paralítico. O próprio Reagan, recém-empossado para seu primeiro mandato, escapou por pouco. Uma das balas o atingiu a menos de uma polegada do coração.

Os interesses de Estado justificam a existência dos stunts da vida real. E morrer para proteger a segurança institucional não deixa de ser heróico. Mas no Brasil do governo petista surgiu uma nova categoria de stunts: a dos bodes expiatórios. Também eles se imolam, só que em nome de um difuso conceito de segurança institucional ligado mais aos interesses do partido do que da nação.

O mais famoso dos bodes expiatórios recentes foi o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares. Até hoje, de forma canina, ele continua a sustentar a versão de que foi o único responsável pela contratação dos financiamentos com os quais seu partido deu origem ao mensalão, embora até o concreto da rampa do Palácio do Planalto saiba que ele não tinha poderes para tanto.

Agora, a ex-ministra de Igualdade Racial Matilde Ribeiro acaba de dar uma contribuição de monta para aumentar a coleção de bodes petistas. Antes de ser obrigada a sair do governo por torrar dinheiro público com os cartões corporativos, quis livrar a própria cara demitindo dois assessores, segundo ela responsáveis por induzi-la a ‘erro administrativo’. Ocupante de cargo em que deveria cuidar da igualdade social, fez exatamente o contrário, defendendo políticas raciais e o primado da diversidade. Queria dar força, por essa via torta, à afirmação dos fracos e oprimidos, em oposição às elites dominantes. Mas quando se viu apertada não hesitou em jogar a culpa sobre os mais humildes. Cadê a coerência, dona Matilde?