terça-feira, 31 de julho de 2007

O governo volta atrás


Mapa do percurso do Expresso Aeroporto e de outros trens entre São Paulo e Guarulhos

Dez dias depois de o presidente Lula ter anunciado a construção de um novo aeroporto na região metropolitana de São Paulo, o governo voltou atrás e decidiu optar pela ampliação do aeroporto de Cumbica, para este receber os vôos transferidos de Congonhas. Prevaleceu na reunião de ontem no Palácio do Planalto, segundo o jornal O Estado de S. Paulo, a posição do novo ministro da Defesa, Nelson Jobim, que numa conversa com o governador paulista José Serra teria sido convencido a adotar essa solução, mais ‘sensata’ do que a do novo aeroporto.

Trata-se de uma boa notícia, porque se governos – este, em especial – erram, é melhor consertar o erro a tempo do que persistir nele só para não dar o braço a torcer. E também porque, se um governador da oposição mostrou desprendimento para sugerir uma solução mais viável, o governo federal revelou humildade para aceitá-la. Não se poderia esperar outra atitude, tanto da oposição quanto da situação, quando o interesse do país está em jogo.

A construção de uma segunda pista principal em Cumbica permitirá praticamente dobrar a capacidade instalada para pousos e decolagens de jatos de grande porte no aeroporto, porque a pista auxiliar, já em uso, serve mais para os aviões menores. O obstáculo apontado pelo brigadeiro José Carlos Pereira, que está sendo substituído na presidência da Infraero por Jobim, a desapropriação de cerca de 5 000 imóveis para liberar uma área de escape para a nova pista, não representa nenhum grande problema. A um valor estimado de 50 000 reais por imóvel, naquela região de baixa renda, a desapropriação não custaria mais do que 250 milhões de reais, uma bagatela diante do que se gastaria com a construção de um aeroporto completo para vôos nacionais e internacionais.

Serra, segundo a reportagem de Vera Rosa e Leonencio Nossa, da sucursal de Brasília do jornal, quer também construir uma ferrovia entre Cumbica e o centro de São Paulo, com ajuda financeira do governo federal. Teria ainda falado a Jobim da conveniência de se ampliar o terminal de passageiros de Viracopos e construir uma nova pista rodoviária expressa entre Campinas e São Paulo, para melhorar a vazão dos usuários daquele aeroporto, o qual funciona como regra três de Cumbica, em dias de neblina intensa na região de Guarulhos.

Das palavras aos atos, hoje mesmo o governo paulista divulgou oficialmente a notícia de que a ferrovia começará a ser construída no início do próximo ano, e estará pronta em 2010. O custo total estimado é de 3,4 bilhões de reais, mas o erário deverá arcar com apenas uma parte dele, porque o principal ficará com o consórcio privado vencedor da licitação pública, no regime das parcerias público-privadas, PPP, que na área federal não saem do papel. De acordo com o projeto de referência desenvolvido pela Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, CPTM, o Expresso Aeroporto – nome do trem expresso – percorrerá os 31 quilômetros do trajeto em apenas 20 minutos, andando a 100 quilômetros por hora. O intervalo de saída dos trens será de 12 minutos, e 20 000 passageiros poderão ser transportados por dia. Haverá dois tipos de transporte. Um, o Expresso Aeroporto, ligará a capital ao aeroporto de Cumbica com poucas paradas. O outro, chamado Trem de Guarulhos, destina-se a usuários que moram naquela região, parando em várias estações até chegar ao Parque Cecap, em Guarulhos. De acordo com um mapa divulgado na ocasião do anúncio pelo governo paulista, o Expresso Aeroporto sairá da estação metro-ferroviária do bairro da Barra Funda, e passará pelas estações da Luz e do Brás, antes de deixar a capital com destino a Guarulhos.

Deve existir algum impedimento topográfico para a extensão da ferrovia de São Paulo até Campinas, passando por Guarulhos, para Serra ter pensado nessa alternativa. Porque, pela lógica, seria muito mais prático aos passageiros se locomoverem usando um único meio de transporte, no caso um trem expresso, do que dois ou mais. De qualquer forma, a solução apresentada pelo governador permite vislumbrar, mais cedo que se imaginava, a possibilidade de desativar para sempre o fatídico aeroporto de Congonhas para aviões de grande porte.

quinta-feira, 26 de julho de 2007

Erro de origem

As agências reguladoras nacionais foram concebidas, à época do governo Fernando Henrique Cardoso, como entidades autônomas e suprapartidárias, que atuassem principalmente com o objetivo de dar segurança aos investidores privados e assegurar serviços de boa qualidade aos consumidores, atendendo sempre ao interesse nacional. Destinavam-se, portanto, a trabalhar a serviço do Estado, ou seja, da Nação, e não do governo.
O governo do PT nunca se contentou com esse figurino das agências. Desde o primeiro momento quis subordiná-las ao poder central, tanto é que já em 2003 constituiu uma comissão interministerial para redefinir suas atribuições. Em seguida, dando de ombros para a insegurança institucional que essa atitude trazia ao setor privado, passou também a nomear apaniguados e correligionários para a direção das agências.
A Anac, do transporte aéreo, foi criada já neste governo, tendo passado a operar em 2006. Seu aparelhamento com quadros partidários e sua atuação para lá de suspeita no trato com as companhias aéreas, a quem deveria fiscalizar para coibir abusos contra os consumidores, não são portanto de surpreender, no ambiente de cosa nostra em que também as agências foram colocadas.
O novo ministro da Defesa, Nelson Jobim, assumiu o cargo prometendo mais comando para combater a crise do transporte aéreo, além de admitir a possibilidade de haver demissões na diretoria da Anac. Para ele, o mandato fixo e a estabilidade no cargo dos diretores, garantidos na lei de criação da agência, constituem um “problema legal”, que deve ser debatido para uma eventual mudança. “Precisamos trabalhar em cima de resultados”, afirma o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal - notabilizado naquele cargo pelos sistemáticos votos favoráveis que deu ao governo Lula -, em reportagem publicada hoje no jornal Valor. “Se houver necessidade, haverá um debate. Essas estruturas (as agências reguladoras) foram feitas para dar resultados, não para ser mantidas.”
Jobim não falou mais do que o óbvio. O problema é que uma intervenção na Anac aumentaria ainda mais a insegurança sentida pelo setor privado em relação ao chamado marco regulatório. Nesse caso, a emenda poderia sair pior que o soneto. Donde se conclui que o melhor, mesmo, era não ter errado na origem. Com uma direção mais técnica e menos aparelhada, a Anac não precisaria agora do conserto que Jobim pensa em fazer.

terça-feira, 24 de julho de 2007

A tragédia do Airbus

Marcos Villares identifica-se como sobrinho-bisneto de Santos-Dumont. Leiam a carta que ele mandou para a seção de leitores do jornal O Estado de S. Paulo de hoje:

Prezada leitora sra. Elza Ramirez (Pobre Santos-Dumont, 23/7), os familiares e descendentes de Alberto Santos-Dumont se sentem muito honrados e gratificados com a existência da Medalha “Mérito Santos Dumont”, que visa a lembrar nosso grande pioneiro da aviação, patrimônio de todos os brasileiros. Entretanto, a família não exerce nenhuma influência sobre os critérios de escolha e concessão da medalha. Em 20/7, vi no Jornal Nacional que os diretores da Anac foram agraciados com a referida medalha. Na ocasião eu me encontrava na cidade de Santos-Dumont (MG), na residência de Mônica Castello Branco, diretora da Fundação Casa Natal de Santos-Dumont. Comentei com Mônica que, na minha opinião, quem deveria receber a medalha, in memoriam, eram as vítimas dos acidentes do vôo 1907 da Gol e do vôo 3054 da TAM. Na manhã do dia 20 eu havia participado da cerimônia em comemoração aos 134 anos de nascimento de Santos-Dumont, na casa onde ele nasceu, em Cabangu. Ao lado da pequena casa caiada de branco, que foi construída por seu pai, Henrique, a Bandeira Nacional foi içada ao toque de corneta. Depois, a Bandeira baixou a meio-pau e se fez um minuto de silêncio. Todos nós externamos nosso pesar pela perda de tantas vidas, assim como fez toda a Nação (quase toda, a julgar pelos gestos grosseiros e desrespeitosos dos srs. Marco Aurélio Garcia e Bruno Gaspar). Espero, sinceramente, que os responsáveis pelo transporte aéreo em nosso país resolvam imediatamente os gravíssimos problemas por que o setor atravessa, para que não tenhamos de chorar por novas vítimas e para que a morte de tantos brasileiros não tenha sido em vão.

Bela carta. Mas Villares alimenta uma esperança infundada. A tragédia do Airbus da TAM foi fruto do somatório de incompetências, leniências e covardias do governo federal, junto com seus órgãos controladores e operadores da aviação civil, e da ganância das companhias aéreas. Por isso, não há solução à vista para a crise no setor. Rezemos apenas para não prantear novas mortes.
Não se pode esperar por nada melhor quando há uma ministra que manda ‘relaxar e gozar’ diante do caos nos aeroportos, a passageiros que dormem sobre bancos e têm o vôo adiado por até uma semana. Ou com um ministro que faz aquele gesto obsceno para comemorar a notícia de que o Airbus voava com um reverso desativado. Ou ainda com um presidente da Anac que, escandalosamente condecorado pelo governo quando ainda chamas ardiam nos escombros do prédio atingido pelo avião, ousa afirmar que o órgão ‘não tem nenhuma responsabilidade’ pela crise. Se a Anac, a agência reguladora do transporte aéreo no país, não tem, quem teria?
Em comum, todos esses pilatos do setor público procuram em primeiro lugar livrar a própria cara e, em segundo, a do governo que lhes dá a boquinha e de seus cupinchas. Os passageiros desamparados e os familiares das vítimas que se danem.
O Pan está aí para provar. Com um pouco de apoio, o brasileiro vai longe. Ele merece um governo melhor.

oooooooooooooooooooooooooooooooo

Fosse mais competente, o governo não teria anunciado a construção de um novo aeroporto na região metropolitana de São Paulo. Trata-se da pior das soluções, a mais demorada e a mais cara. A escolha só pode ter se dado pela possibilidade de beneficiar os cupinchas com o superfaturamento das obras e as contribuições ao partido do governo.
Custaria muito menos dinheiro construir uma segunda pista em Guarulhos e ligar o aeroporto ao centro de São Paulo por trem expresso. Parte da infra-estrutura necessária até já existe, porque esse trem poderia interligar-se ao sistema metro-ferroviário da capital paulista, com o aproveitamento de estações já prontas. A nova ferrovia passaria por Guarulhos e se estenderia até Campinas, onde fica o aeroporto de Viracopos, também mais moderno que Congonhas. Diante do congestionamento nas principais avenidas de São Paulo, pode-se apostar cem contra um que o embarque por Guarulhos ou Viracopos seria mais rápido que por Congonhas, nos horários de pico, com o trem expresso.
O maior ônus financeiro pela construção da ferrovia poderia ficar com a iniciativa privada, por meio de uma concessão para a exploração do serviço. A rentabilidade do negócio poderia ser assegurada com a lotação dos trens com passageiros sem bilhete aéreo, que pagariam a tarifa normal pelo transporte, e pelos passageiros das companhias aéreas que viajariam de graça por já ter pago um aumento na taxa de embarque do aeroporto. O aumento dessa taxa ocorreria em Guarulhos, Viracopos e mesmo Congonhas, caso este não seja interditado, e nos demais aeroportos do país para passageiros com destino a São Paulo.
É uma solução simples, barata e definitiva. E é de espantar que ninguém no governo tenha pensado nela.

sexta-feira, 13 de julho de 2007

E começou o Pan

Quando o feito é muito grande, as palavras se tornam inúteis. Mas falar da abertura oficial do Pan, a 15ª. edição dos Jogos Pan-Americanos, realizada neste início de noite no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, é um imperativo de consciência.
Poucas vezes se terá visto, mesmo no evento maior que são os Jogos Olímpicos, tanta beleza, emoção e nacionalidade na cerimônia de abertura. A festa de cores, sons e ritmo foi, na falta de outra palavra, maravilhosa.
No mais, dois registros para a posteridade. Um, a sonora vaia que tomou o presidente Lula, tanto quando se anunciou sua presença no estádio quanto no momento de ele declarar abertos os Jogos. Então, talvez por constrangimento, Lula abdicou da prerrogativa, quebrando o protocolo – cabe aos chefes de Estado fazer o anúncio oficial, como vem acontecendo desde o primeiro Pan, realizado em Buenos Aires, em 1951. O presidente do Comitê Olímpico Brasileiro e da organização do evento, Carlos Arthur Nuzman, precisou tomar o seu lugar. O outro, a delicadeza que Adriana Calcanhoto imprimiu ao interpretar a canção de ninar de Dorival Caymmi, uma obra-prima comparável à Lullaby de Brahms. Sentada naquela enorme cadeira, Adriana protagonizou um dos momentos mais tocantes da festa.