Coincidências curiosas, que podem ser engraçadas, ocorrem às vezes entre o nome do cargo ou função exercidos profissionalmente e o nome da pessoa. Agora mesmo vê-se o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, a criticar o papa Bento XVI – em plena visita do Sumo Pontífice ao Brasil – por defender a excomunhão de políticos favoráveis ao aborto em seres humanos. A manifestação papal contra o aborto, cujo sentido o próprio Bento XVI transformou em mensagem prioritária aos povos da América Latina no seu atual périplo pela região, junto com a condenação também da eutanásia, foi feita a propósito da posição tomada há alguns dias por autoridades eclesiásticas católicas da Cidade do México, em favor da punição religiosa dos deputados da Assembléia Legislativa que aprovaram uma lei segundo a qual deixa de ser crime a interrupção da gravidez durante as 12 semanas iniciais de gestação.
Ora, como se sabe, na linguagem popular temporão é o filho que vem ao mundo fora de hora, muito tempo depois do irmão precedente ou de o casal estar junto, mas nem por isso menos amado pelos pais. O ministro que traz essa condição no nome pode ter deitado falação sem levar em conta o detalhe, ou se o fez deve pensar que uma coisa não se liga à outra. Só que errou três vezes. Uma, pela falta de diplomacia (ou seria de educação?) de, como membro do governo, contestar com tanta veemência um visitante que o Estado brasileiro deveria receber com toda a hospitalidade, não só por ser o papa a autoridade máxima de uma religião abraçada por mais de 60% da população do país como por estar investido, ele também, do cargo de chefe de Estado. Outra, por afirmar que o aborto é um problema de saúde pública, um total disparate. No mínimo, o ministro revelou uma confusão mental, pois se muitas mulheres abortarem, aí, sim, haverá um problema para a rede pública de saúde, e não na situação contrária. Se quis posar de mocinho, como aliás faz quase todo o governo Lula, a começar do chefe, com raras exceções, defendendo um suposto direito das mulheres de decidir sobre o destino da vida que carregam no ventre, não poderia ter circunscrito a questão no âmbito das que são afetas ao Ministério da Saúde. E o terceiro erro, talvez o maior de todos, foi o de avocar para o governo um papel que não lhe cabe, sobretudo como Poder Executivo. Como lembra o professor José Reinaldo de Lima Lopes, titular da cadeira de Teoria e História do Direito na USP, em entrevista ao jornalista Gabriel Manzano Filho, no jornal O Estado de S. Paulo de hoje, o aborto é um assunto da sociedade e não do governo, até porque o Estado brasileiro, por ser declaradamente laico, não deve arbitrar disputas entre grupos sociais motivadas por interesses religiosos. Alguém precisa explicar isso para o ministro Temporão, apesar de seu nome.
Mas, retomando o tema das coincidências, muitos devem tê-las constatadas no próprio local de trabalho. Dois colegas de profissão deste blogueiro servem de exemplo. Um, ex-editor de assuntos agrícolas num grande jornal, e portanto envolvido com gente que extrai frutos da terra de plantas ou árvores fincadas no solo, assina Raíces no sobrenome. Outro, também da mesma área, que assim escreve sobre uma atividade desenvolvida distante dos centros urbanos, traz um Cafundó no sobrenome. Quando queriam falar de algo situado ou ocorrido muito longe, os antigos diziam 'lá onde Judas perdeu as botas', ou 'lá no cafundó do Judas'.
Imbatível no gênero é, porém, um ex-diretor da antiga Sunab, a Superintendência Nacional de Abastecimento, órgão encarregado de fiscalizar os preços cobrados da população pelos supermercados e outros estabelecimentos comerciais dedicados à venda de alimentos no varejo. Sempre que se avizinhava a Semana Santa era a mesma história, naqueles idos de 70, se não falha a memória. Impedidos de comer carne vermelha, os católicos corriam atrás de peixes, e os comerciantes aproveitavam a demanda aquecida para aumentar os preços dos diversos tipos de pescado. Então, o ex-superintendente, entrevistado obrigatório dos grandes jornais da época, nas reportagens sobre a Semana Santa, fazia suas recomendações sobre o que comprar, entre as alternativas menos onerosas para os consumidores. Falava de peixes e mais peixes. E qual era seu nome? Mário Robalo.
sexta-feira, 11 de maio de 2007
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